Precisamos iniciar esta matéria com uma notícia muito triste. Perdemos a Laranja.

Esta mocinha chegou na fazenda ainda novilha. Era a mais dócil das redondezas e veio pra ficar. Seria a rainha do santuário e teria vida longa, pelo menos era o que esperávamos.

Por alguns anos, foi feliz e teve uma vida equilibrada. Assim que atingiu a maturidade, tornou-se mãe do Casquinho.

No ano seguinte, já fecundada por seu companheiro Mato, teve complicações no parto, vindo a perder o filhote, nascido já sem vida. Por pouco a Laranja não partiu junto com seu filhote.

O veterinário que a examinou proferiu seu diagnóstico, ou melhor, sentença. Aquela vaca não tinha saúde para gerar mais filhotes. Teria que ser vendida para corte.

Mas bois de santuário não têm esse fim. Embora não fosse ela reprodutora, foi aposentada, ganhando o direito de viver ali, sem maiores responsabilidades.

O tempo passou e a Laranja mostrava-se cada vez mais debilitada. Tinha a saúde frágil. O diagnóstico de tumor impôs a ela um tratamento médico longo. Tudo foi tentado, até esgotarem-se os recursos médicos. Num dado momento, nada mais poderia ser feito.

A Laranja teria vida curta. Por sorte, aquela doença não lhe causaria dor ou sofrimento. Ela continuaria ali, vivendo até quando chegasse a sua hora de partir.

E, como se buscasse contrariar as recomendações médicas, cuidou de providenciar, ela mesma, seu último desejo.

Entrou no cio e, sem que ninguém percebesse, foi fecundada por um touro de uma fazenda vizinha, que pulou a cerca, na surdina, às escondidas.

Como a Laranja tinha pasto farto e alimentação de qualidade, estava sempre gordinha, tornando assim imperceptível seu estado.

O resultado nasceu prematuro e quase morto. Quando encontrado, não se levantava e estava dando os últimos suspiros.

Por sorte, aquele santuário era cuidado por um bom homem. O Alvim foi encontrado pelo Sr. Irineu, tratador da Laranja e dos demais animais. Foi segurado junto às tetas da Laranja para que mamasse o colostro e conseguisse sobreviver.

Nessa labuta, ficou o Sr. Irineu por vários dias, três vezes ao dia, segurando o Alvim junto às tetas, como um bebê humano. Uma mão segurava o bezerro e a outra uma das tetas para esguichar o leite em sua boca. Precisava ter braço, força e muita vontade de salvar uma vida.

Com dois dias, Alvim já conseguia ficar de pé.

Mais alguns dias e já podia encontrar sozinho as tetas da Laranja.

Bezerros já nascem sabendo ficar de pé, sendo capazes de achar sozinhos o leite da mãe.

Mas o Alvim precisou de cuidados especiais. Segurar de pé um bezerro para que mamasse não era tarefa simples. Mas o que se podia esperar de um homem que trabalhava em um santuário? Não faltou dedicação e cuidados e o Alvim se recuperou. Em alguns dias, já estava dando pinotes pelo pasto, chegando mesmo a correr na frente de sua mãe.

Porém, aquele bezerro havia sacrificado ainda mais a frágil saúde da Laranja. Suas últimas forças foram gastas com a gestação e parto. Logo após o nascimento do Alvim, a Laranja começou a definhar muito rápido.

Em seus últimos dias, sequer conseguia se levantar. Morreu muito rápido, sem que nada pudesse ser feito. Foi sepultada, deixando órfão um bezerro de poucos dias de vida e totalmente dependente.

Por sorte, o Alvim ainda podia contar com a proteção do Totoli, um cão sem raça, grande, que se propunha a defender aquele bezerro pouco maior que ele.

O Alvim precisava, com urgência, de uma mãe de leite ou não sobreviveria.

Ali, bem perto, uma vaquinha preta, muito magra e mal cuidada, havia acabado de se separar de seu próprio filho, retirado prematuramente de suas tetas e doado para obras sociais de uma igreja.

A Negrinha, como era chamada, estava muito abatida e triste com aquela separação, quando foi trazida para perto do Alvim.

O pequeno se afeiçoou àquela mãe preta, como última esperança de se manter vivo. Ele a aceitou como mãe e passou a segui-la por todos os lados. A Negrinha, por sua vez, demorou a aceitar aquele filho lourinho, de olhos claros.

Mas, aos poucos, acabou vendo nele o substituto do filhote que lhe foi roubado.

Como prêmio, ganhou o direito de viver em um santuário. Não seria mais utilizada como reprodutora, nem terminaria seus dias em um matadouro qualquer, como tantos de sua espécie. De agora em diante, ela estaria amparada e protegida. Ocuparia, por direito, o trono que foi da Laranja. Receberia tratamento contra parasitas, vacinas e tudo o que necessitasse para uma vida saudável e equilibrada.

A primeira providência, entretanto, seria escolher para ela um nome mais adequado à sua nova condição. Não seria mais chamada de Negrinha. De agora em diante, aquela vaquinha preta seria chamada de Bá.

Ela acabou se afeiçoando ao Alvim e aceitando-o como seu filho. Cuidava dele com a mesma dedicação com que cuidou de seu próprio filho. Se essa história terminasse aqui, já seria um final feliz, mas a Bá merecia mais.

Então, decidimos sair à caça daquele filho que lhe foi roubado. Ele seria encontrado onde quer que estivesse e comprado a qualquer preço, para ser devolvido à Bá. Encontrá-lo seria mais uma tarefa para o Sr. Irineu.

Algumas semanas de busca e foi o Tião localizado, com vida. Ele trazia em volta do pescoço um gancho usado para evitar fugas. Estava claro que aquele bezerro tentou desesperadamente fugir, à procura de sua mãe.

Repudiamos o comércio de vidas, mas não havia outra forma de resgatá-lo senão pagando por ele. Compramos o Tião a preço de boi, sob a desconfiança do vendedor que não entendia o porquê de tanto interesse em um bezerro magro e mal cuidado, sem nenhum atrativo.

Em uma manhã de sábado, chegava ao santuário o Tião, um pouco mais crescido e já desmamado, mas era ele. O mesmo filhote que foi arrancado das tetas da mãe enquanto ainda mamava.

O encontro da Bá com seu filhote foi registrado em tempo real. Era possível ver a felicidade e gratidão nos olhos daquela vaquinha. Assim que o Tião chegou à fazenda, pelas mãos do Sr. Irineu, a Bá se aproximou para dar as boas vindas, ainda sem acreditar no que seus olhos viam.

Casco e Alvim também se aproximaram curiosos, saudando o novo membro do rebanho.

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Passados os primeiros instantes, necessários apenas para que Bá e Tião se reconhecessem, tivemos a confirmação de que fizemos o melhor.

O stress da viagem se apagou assim que sentiu as boas vindas de sua mãe, em forma de uma língua áspera. Depois de cheirá-lo, descarregou a Bá toda a angústia e tristeza que a separação havia lhe causado. Não parava de lambê-lo, como se quisesse nos mostrar que o reconhecia.

Já o Tião, depois de tanto sofrimento, chegava a abaixar a cabeça para receber as lambidas de sua mãe. Finalmente, ele chegou onde deveria estar. Ali era o seu lugar. Aquela separação, embora traumática e doída para os dois, foi o que os levou ao santuário.

Deus escreve certo para todas as criaturas.

Nessa mesma ocasião, soubemos também que a Bá, quando veio para o santuário, trazia em seu ventre outro filhotinho, ainda no início da gestação. Afinal, ela era uma vaca de produção e precisaria parir um filho atrás do outro, até quando tivesse forças.

Seu destino mudou quando passou a amamentar o Alvim. Agora tudo será diferente. Jamais será abatida, não mais se separará do Tião, nem tampouco desse filhote que ela traz na barriga e que terá a sorte de nascer em um santuário.

Desse, ela não precisará se separar. Poderá amamentá-lo até que o desmame ocorra naturalmente. Não era um rebanho, mas uma família bovina que ninguém mais ousaria separar. No santuário, serão animais de estimação, respeitados e valorizados. Terão uma vida digna e muitas histórias pra contar.

Também não será mais usada como reprodutora. Viverá o resto de sua vida em companhia de seus dois últimos filhos, ou melhor, três. Afinal, filho de leite também é filho.

Filhote de Bá só poderia se chamar Joel. Em Janeiro, durante as fortes chuvas que desabaram sobre Minas Gerais, nascia o Joel, um bezerrinho forte e cheio de vida. O santuário estava ilhado e por isso, não pudemos registrar os primeiros momentos de vida do Joel.

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As primeiras fotos vieram mais tarde, já adaptado e integrado entre aqueles que viriam a ser o seu rebanho pelos próximos 20 anos.

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Alvim e Tião se tornaram inseparáveis companheiros. Não se desgrudam e seguem o casco por todo lado, tendo nele o exemplo a ser seguido. O Tião, que por aqui chegou assustado e arredio, já aceita os cuidados do Sr. Irineu, mostrando que aprendeu a confiar em humanos.

Quanto ao Joel, com apenas 4 meses de vida, já buscava a companhia de seus dois irmãos mais velhos. Em breve, serão três a correr, dar pinotes e brincar de dar cabeçadas.

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Esperamos que esse rebanho tenha vida longa, para que possamos atualizar esta matéria, mostrando o crescimento e a vida dessa nova grande família que se formou.

ATUALIZANDO: Abaixo, o Alvim, já um touro de 800 quilos, recebendo o Mingau, um bezerro bem judiado que chegou por aqui.

Mingau e Chuvisco 24

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Desejamos que essa história ajude e sensibilizar e humanizar quem precisa ser humanizado. Precisamos mostrar outras possibilidades e destinos para animais tão massacrados, criados apenas para produção e usados de forma tão cruel nos rodeios.

Lamentamos pelos milhares de bezerros, como o Tião, que são retirados da mãe, antes mesmo de mamarem o colostro, para produzirem a carne de vitelo. Lamentamos pelos outros tantos que são usados nos rodeios, pelas milhares de vacas usadas como reprodutoras e depois, quando não servem mais, são abatidas a facas ou golpes de machado.

Lamentamos, enfim, pelo estágio evolutivo de nossa espécie.

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