Em Janeiro (2014), estivemos novamente na SMPA, para mais um mutirão de vacinação.
Os animais que estavam na enfermaria não poderiam receber vacinas, mas eu já havia me prometido nunca mais ir lá sem passar pela enfermaria.
E, como de todas as outras vezes, lá estava uma vida que precisava de nós, mais que todas as outras. Lá no fundo, na última jaulinha, uma cachorrinha que já não tinha mais vida. Miíase e gripe foi o diagnóstico recebido. As fotos ruins são o reflexo da falta de luz naquele lugar. O canto escuro e sem iluminação era o retrato da absoluta ausência de esperança. Dali, poucos saem com vida.
Ela rosnava, latia e se refugiava nos fundos de sua cela. Não queria aproximação de ninguém, mas bastou ouvir a voz da Nélida pra se acalmar. Isso indicava que todo aquele nervosismo era apenas medo e insegurança. Certamente ela tinha seus motivos.
E como das outras vezes, deixamos o abrigo com a criatura no carro. Nesse momento, já não era mais uma cadelinha qualquer. Ela já saiu dali com um nome. Dali em diante, ela seria chamada de Aninha.
Não precisamos de muito pra conquistar a confiança dela. Bastou um punhado de carinho pra ela se render. Seu estado era mesmo muito grave.
Levamos a menina direto para a Vet Master. A Dra. Flávia foi quem prestou os primeiros socorros e iniciou o tratamento.
A miíase, embora tivesse lhe comido uma orelha quase inteira, já tinha sido vencida lá mesmo na SMPA. A gripe, na verdade, era cinomose e a conjuntivite já havia lhe tirado, de forma irreversível, uma parte da visão.
Exames mais aprofundados revelaram também outros problemas. O hemograma revelou infecção, hemoparasitas e anemia. Exames específicos mostraram que ela era também positiva para leishmaniose.
O conjunto da obra nos dava a idéia de que aquele resgate seria mesmo longo e doído. A Aninha ficou alguns dias internada e iniciou uma série de tratamentos. A Cinomose era o mais grave e urgente naquele momento. Foram muitas semanas com fortes medicamentos, antibióticos, vitaminas e até vacinas aplicadas nas veias. Tudo foi feito e ela venceu a doença, sem qualquer sequela.
Vencida a Cinomose, era hora de segurar outros probemas. Vitaminas e suplementos venceriam a anemia e fortes medicamentos controlariam hemoparasitas, giárdia, otite, sarna e outros males.
A infecção nos olhos também foi controlada, embora tenha deixado uma cicatriz na córnea que lhe reduz um pouco a visão, mas nada que a impede de ter vida normal.
A alta médica veio bem antes das curas. É que, com o diagnóstico de cinomose, ela não poderia ficar internada. Precisaria de um lar temporário que a recebesse. Da clínica, ela saiu despedindo-se da Flávia, com a promessa de novos encontros.
O lar temporário foi em nossa casa. Nos primeiros dias, precisou ficar isolada. Muitos medicamentos e espaço restrito. Não era o que ela merecia, mas foi o melhor que conseguimos pra ela.
Assim que se viu livre da Cinomose, pôde, finalmente, se integrar à nossa matilha. A pequena Ana já estava melhor. Mesmo durante o tratamento para a Cinomose, ela não deixou de ganhar peso, o que mostrava o quanto queria viver.
E na integração à nossa matilha, ela conheceu a Duda, outra lobinha também resgatada da SMPA com os mesmos problemas e que acabou ficando em definitivo por aqui. Hana, Estopa e Pintada também a receberam como sempre recebem todos os lobos que por aqui chegam.
Seja bem vinda Aninha. Essa casa é um lugar de lobos felizes. Queremos vê-la também assim: feliz e com disposição para brincar.
Infelizmente, a integração à nossa matilha não mudou muito seu estado de espírito. Ela continuava triste, apesar de tudo. As dores não haviam cessado e o incômodo da sarna também se fazia presente.
Nem mesmo os badulaques dos melhores Pet Shops a deixavam feliz. Tínhamos mesmo um longo caminho, mas também não tínhamos pressa. O tempo faria daquela Poodle mix cheia de pintinhas pretas uma verdadeira princesa. A falta de uma orelha não vai fazer diferença, nem pra ela e nem para aqueles que se dispuserem a adotá-la. Pelo menos é esse o tipo de gente que esperamos encontrar pra ela.
O tempo passou e a melhora no estado geral da Aninha podia ser notada, mas ainda muito discreta. A tristeza tinha outras causas. Afinal, de todos os tratamentos que fez, a babesiose (tristeza canina) também já havia sido vencida.
A sarna ia e voltava com frequência. A Aninha chegou a ser internada novamente por causa dela.
Mas, pior que tudo isso, foi nunca ter conseguido registrar um sorriso. O tempo passava, ela se recuperava aos poucos, vencia as doenças, uma a uma, mas continuava triste.
Sempre acreditamos no poder da matilha, mas, pela primeira vez, encontramos uma cachorrinha que não dá a mínima para os outros cães. Ela é dócil, convive bem com todos eles, mas não brinca e não interage.
Ela prefere companhia humana. Adora um colo e, se puder, passa o dia deitada nas pernas de alguém.
No carnaval de 2014, tínhamos uma viagem programada, mas a Aninha estava tomando tantos remédios que preferimos não deixá-la aos cuidados de terceiros. Decidimos então levá-la com a família.
Seria uma ótima oportunidade pra ela esquecer um pouco o pesado tratamento e, quem sabe, reencontrar a alegria. Hanna e Duda também iriam.
Todo cachorro adora um passeio no campo, e com a Aninha não seria diferente. Na medida do possível, ela até que se esforçou pra aproveitar.
É possível que toda aquela terra vermelha não fizesse bem para sua pele, ainda frágil pelo tratamento da sarna, mas seguramente faria muito bem a seu espírito.
Por vezes, ela parava e ficava olhando a algazarra da Duda e da Hanna, mas não parecia interessada em participar das brincadeiras.
Temos o direito de acreditar que aquele foi o melhor carnaval de sua vida, embora não tivéssemos conseguido arrancar dela um único sorriso. As novidades foram muitas, com boas-vindas de outros personagens, talvez pra mostrar à Aninha que existe um mundo diferente daquele que ela conheceu.
Os maus exemplos ela foi capaz de evitar. Ainda não conseguimos entender qual a graça de beber água e tomar banho ao mesmo tempo. Por sorte, a Aninha também não entendeu e preferiu beber da água da maneira tradicional.
Os passeios pelos bosques também foram apreciados. São muitos os cheiros e rastros. Nada pode ser mais divertido para um cachorro que seguir uma trilha de cheiro. Eles são capazes de passar horas investigando um arbusto ou um tronco, onde outro animal deixou suas marcas.
Terminamos o feriado de carnaval com uma lobinha exausta. Infelizmente, nenhum sorriso.
Dias depois, ela foi novamente internada por causa da sarna, que havia voltado com toda a força e já lhe provocava febre.
Novos medicamentos, novas tentativas, novos desafios. A luta continua e não será pequena. O tratametno da leishmaniose já foi iniciado, com uma série de 21 aplicações diárias. Esperamos ainda um dia poder mostrar uma cachorrinho feliz e “pronta para adoção”.
Até então, precisávamos registrar cada passo, mostrando o que de melhor fosse possível. Na sequência abaixo, a moça investigando uma doação que recebemos, de uma caminha e roupinhas que pertenceram a uma cadelinha que não está mais entre nós.
Os cheiros dela ainda estão ali e seguramente, foi o que atraiu a atenção da Aninha.
_Não adianta Aninha, que estas roupinhas não te servem. A pequena lobinha que as usava tinha manequim pelo menos 5 números menores que os seus.
O sorriso já começa a aparecer, discretamente. Geralmente, quando está no colo, brincando, o que me impedia de fazer as fotos.
O poder da matilha continua ajudando mas, no caso da Aninha, ela não faz mesmo muita questão de amigos caninos. Acreditamos que tenha sido filha única, criada desde filhote sem contato com outros cães.
Ela devia amar muito os donos, o que torna aquele abandono ainda mais doído.
Mas não importa mais. Precisamos acreditar que esta história vai atingir o coração de alguém especial. A Aninha precisa mesmo de donos que a recebam como parte da família, com direito a convívio estreito dentro de casa, viagens, passeios e tudo que um lobinho em avançado estágio de evolução precisa.
Ela ainda não é daquelas que “só faltam falar”, mas isso porque ninguém nunca se dispôs a ensinar. Ela só precisa de estímulos, pra assumir a personalidade de cachorrinha de colo.
ATUALIZANDO: A Aninha já aprendeu a sorrir. Levou um ano e meio, desde o resgate, pra começar a latir na porta da rua. Já passou por 3 longas quimioterapias, até agora, sem sucesso.
Não vamos desistir, porque desistir é pra sempre. Ela não está em sofrimento e isso nos conforta. Ela terá todo o tempo que quiser. Enquanto ela sinalizar que quer viver, terá o melhor de nós.
Este anúncio foi retirado da galeria de Cães para Adoção e ficará registrado em Histórias Eternas, pelo menos por enquanto. É que ela ainda não está pronta para adoção e não sabemos se chegará a ficar um dia. O tratamento tem sido pesado demais e já desconfiamos que as altas cargas de corticoide cobrarão seu preço.
Até lá, ela ficará por aqui. Fará parte de nossa família, até quando Deus achar que merecemos.
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