Nenhum animal que tenha vindo ao mundo com asas evoluiu pra ficar empoleirado em dedos ou ombros humanos.
Ninguém imagina o tamanho da crueldade que existe no “amansar” um periquito.
E ainda tem criadores que ensinam como aparar as asas. Se a cirurgia estética nos cães (corte de cauda e orelhas) já foi proibida, quando será que essa atrocidade vai receber o mesmo tratamento?
E é graças a esses maus-tratos propagados livremente que nos deparamos com histórias como dessa periquitinha chamada Belinha.
Ela foi retirada da natureza e teve as asas aparadas. A intenção era amansá-la para exibi-la nos ombros, “tirando onda” para os amigos do boteco.
Ela não amansou e continuou brava, se debatendo e caindo no chão a cada tentativa de seu algoz de subjuga-la. Irritado e com raiva da menina, decidiu livrar-se dela.
Um amigo a resgatou e a manteve em uma gaiola por alguns meses, até que as penas das asas fossem substituídas.
Quando já estava com quase todas as penas trocadas, ele nos pediu ajuda para soltá-la. Ainda era cedo pra soltura, mas ela precisaria de um espaço maior pra começar a fortalecer os músculos usados no voo.
Sua primeira parada, depois da gaiola, foi um viveiro de quarentena. Não era muito grande, mas o suficiente para aquela etapa da preparação.
Por algumas semanas, tivemos que manter a gaiola dentro do viveiro, pois ela ainda usava as grades pra se empoleirar.
Belinha é uma periquitinha verde, conhecida como Periquito Rico, uma espécie silvestre muito comum, inclusive em áreas urbanas. São vistos sempre em bandos numerosos, em parques e praças, até mesmo nas grandes cidades.
Assim que as penas das asas cresceram, era hora de ensiná-la a voar e, pra isso, tínhamos o recinto ideal pra ela. Ali tudo era longe. Pra beber ou comer, ela precisaria usar as asas.
Os primeiros dias foram difíceis, mas ela se esforçou. Estava mesmo com saudade da liberdade. Uma folhagem nativa passou a ser sua casa e, mais tarde, uma amoreira.
Além da liberdade, ela sentia também a falta do bando. Sabemos que psitacídeos são monogâmicos e que se apegam muito ao parceiro.
Não sabemos onde ela foi capturada e nem se ela tinha algum parceiro.
É possível que, naquele crime, uma família tenha sido destruída. Talvez filhotes estivessem esperando o retorno dela.
Durante o tempo em que passou conosco, vocalizava durante o dia inteiro. Não era canto, mas um chamado quase desesperado.
Os primeiros voos foram tímidos e sempre muito ensaiados. Muitas foram as vezes que a flagramos batendo as asas sem soltar os galhos. Não tinha segurança.
Depois de tantos tombos durante a fase pós captura, ela parecia ter perdido a confiança em suas asas.
Algumas vezes, o tempo consegue curar as feridas, mesmo que sejam tão profundas.
Sua aclimatação coincidiu com a chegada ao santuário de mais de 200 aves, apreendidas do tráfico.
Infelizmente, nenhum periquito havia naquele lote.
Ainda assim, pode se dizer que a Belinha fez amigos.
E também inimigos. Estes dois pássaros pretos, que passaram a ser chamados de Diego e Samuel, estavam sempre ali, gritando nos ouvidos dela e, algumas vezes, beliscando as penas da sua cauda.
Belinha se estressava feio com eles, e os colocava pra correr.
Mas até que a convivência foi saudável pra ela. Talvez por necessidade, sentindo que a liberdade estava próxima, ela se arriscava mais.
O dia da soltura chegou. Naquele dia, em especial, o santuário amanheceu diferente. Uma neblina densa tornava o ambiente mais úmido.
Achávamos que a Belinha fosse das últimas a deixar o viveiro. Chegamos a imaginar que talvez ela não saísse e, se ocorresse, poderíamos fechar o viveiro novamente para esperar os próximos amigos. É que a próxima soltura do IBAMA será de psitacídeos e, quem sabe poderia vir uma nova família pra ela.
Mas, para a nossa surpresa, ela tinha pressa e não quis esperar. Afinal, na área existem outros bandos e ela certamente vai se unir a um deles.
Vá em paz, moça. Vá ser feliz, de novo.
E que a nossa espécie entenda que vocês não vieram ao mundo pra alimentar caprichos insanos.
ATUALIZAÇÃO: Belinha foi vista uma semana depois da soltura. Estava bem, conseguindo voar alto, mas ainda estava sozinha.
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