Bené é um Bico-de-Pimenta, um passeriforme de porte grande, de canto melodioso e bico cor de laranja, que se destoa da plumagem acinzentada.

Seu nome científico (Saltatricula atricollis) significa “Pequeno dançarino de garganta preta”.

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Na natureza, vive em pequenos grupos ou em pares, executando gritarias coletivas ao amanhecer em busca de alimento entre os arbustos. Habita o cerrado, campos cerrados, caatinga e campos adjacentes.

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Juquinha é um Trinca-ferro (Saltator similis) bem velhinho. É certo que viveu por muitos anos dentro de uma gaiola, sendo obrigado a vocalizar para agradar seus agressores.

Deixou o recinto de transporte e logo se empoleirou no braço da veterinária que ali estava para libertá-lo.

Não era um bom sinal, mas mostrava que aquela reintrodução enfrentaria obstáculos.

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Dentre os passeriformes de porte grande, havia dois Bicos-de-Pimenta e vinte e um Trinca-ferros.

Além deles, cinco sabiás (Turdus rufiventris e Turdus leocomelas) e três pássaros pretos (Gnorimopsar chopi).

Todos eles são aves territoriais, capazes de disputar o território até mesmo com os fortes bicos dos psitacídeos.

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A comida nunca foi racionada mas, mesmo assim, eles disputavam cada sementinha.

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Algumas brigas podem ocorrer quando tantos pássaros territoriais ocupam o mesmo espaço.

Entre os dois Bicos-de-Pimenta, uma briga quase vitimou o Bené, que precisou ser separado, para ser tratado dos ferimentos, antes de ser solto novamente.

Como o tratamento foi curto, de apenas uma semana, ele voltou ao viveiro de aclimatação, enquanto seu desafeto continuava por ali. Eles não voltaram a brigar, mas o Benedito evitava ocupar os galhos mais altos e permanecia mais tempo no chão.

O Bené parecia mesmo debilitado, mas não sabemos bem se foi por conta da briga, ou se ele já não estava bem.

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Seu inimigo, ao contrário, parecia forte e preparado para enfrentar os perigos da vida livre.

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Infelizmente, o estado do Bené não era só consequência da briga.

Depois que a janela foi aberta, o amigo brigão logo cuidou de romper as telas e partir para a vida livre. Foi visto em um pasto à frente, disputando o território com outros da espécie.

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Já o nosso Benedito, que esperávamos ganhasse as alturas depois que o perigo não estivesse mais ali, continuou ciscando o chão e voando baixo.

Infelizmente, ele parece ser mais velhinho e não se sentiu seguro bastante pra deixar o viveiro. Está muito bem, mas não o suficiente para se arriscar. Preferiu ficar por ali.

Tem se mostrado mais forte e mais preparado a cada dia, mas não sabemos se um dia deixará o viveiro. Vamos insistir e deixar o viveiro aberto, o tempo que ele precisar.

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Já o Juquinha, não apanhou nem precisou de qualquer tratamento. Ele está bem, sabe voar, mas também não demonstrou interesse em deixar o viveiro.

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A aclimatação foi satisfatória para todos eles, de uma forma ou de outra.

Para o Juquinha, sua docilidade era preocupante, pois um Trinca-ferro capaz de pousar no braço de um humano correria muitos riscos, inclusive de ser recapturado.

Sabemos que, depois que ganharem a liberdade, estarão por sua conta e risco e os perigos serão muitos. Mas nenhum fim será pior que a recaptura. Melhor seria se entregassem a vida nas garras de uma ave de rapina. Um só dia em liberdade vale mais que mais dez  anos de vida em uma jaula.

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Que eles se adaptem rapidamente à vida livre e que consigam se manter longe das pessoas. Que as lembranças dos tempos difíceis os mantenham longes de qualquer coisa que se pareça com uma gaiola.

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Que nem mesmo a fome, se algum dia ela lhes chegar, seja suficiente para que voltem a se aproximar de uma grade.

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Nosso território é grande o bastante para que todos eles se apossem de um pedaço, com suprimento de comida e água suficientes para que possam viver naturalmente.

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Ao todo, vinte e um trinca-ferros deixaram nosso viveiro.

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Estavam fortes e preparados, com grandes chances de se tornarem aves livres e bem adaptadas.

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Foram flagrados nas árvores próximas, experimentando as frutas da estação, mas recorrendo aos comedouros em alguns momentos.

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Enquanto os garotos aproveitavam o início da liberdade, o Juquinha continuava ali, dentro do viveiro, sem demonstrar muito interesse pela liberdade.

Talvez ele não se sinta capaz de ir muito longe.

Se não tivesse sido escravizado, talvez não tivesse vivido tanto. Animais livres têm vida curta, mas seguramente, teria cumprido a etapa evolutiva para a qual veio ao mundo.

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Além das frutas e sementes que fornecemos, ele tem tudo dentro do nosso viveiro. Até mesmo os banhos de sol e os banhos na lagoa podiam ser aproveitados sem se preocupar com predadores.

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Juquinha está bem. Talvez ele deixe o viveiro. É o que desejamos pra ele, mesmo que não tenha vida muito longa.

É importante que eles cumpram todas as etapas. Nenhum espírito evolui quando aprisionado. E por mais que façamos, por muito confortável que seja o nosso viveiro, ele não passa de uma prisão.

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O viveiro permanecerá aberto e as frutas continuarão sendo servidas, dentro e fora de suas telas.

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Que Juquinha siga o exemplo de seus amigos.

As aves que ganharam a liberdade ganharam também novas cores. É que o brilho de suas plumas se intensifica quando estão livres.

E o Juquinha merece novas cores, novo ânimo, ainda que seja em outro corpo.

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Os que saíram continuaram frequentando os comedouros durante muitas semanas, mas cuidaram primeiro de dividir o território.

As frutas nativas e introduzidas estão permanentemente em produção e eles foram vistos e ouvidos pelos quatro cantos daquele vale, e de outros mais distantes.

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Entre os sabiás, pássaros também solitários, todos eles se mostraram preparados para a liberdade.

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Aproveitaram o período de preparação para fortalecerem as asas e se nutrirem.

Ao final de cinco semanas, estavam fortes e bem dispostos. O Laranja era o mais esperto deles, e também o mais brigão.

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Do lado de fora, outros de sua espécie já esperavam pelos próximos a chegarem.

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E um a um eles deixaram o viveiro. Em dois ou três dias estavam todos livres.

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Alguns ocuparam caibros do telhado externo do viveiro. Passaram um tempo por ali. Pareciam mais seguros, como se estivessem examinando o novo mundo que se apresentava.

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Não demorou muito para que eles se aventurassem a ciscar as palhas secas do terreiro.

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Logo eles já estavam se espalhando, ocupando, cada um, um pedaço do território que lhes oferecíamos.

Pelo menos dois deles foram vistos em companhia de outro sabiá nativo.

Não serão os primeiros sabiás reintroduzidos a gerar filhotes livres. Já tivemos a alegria de registrar reprodução bem sucedida entre sabiás libertados. Alguns deles são clientes assíduos e todos os anos fazem seus ninhos na varanda da casa sede.

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Por fim, restava acompanhar a liberdade de um trio especial.

A exemplo de Diego e Samuel, os dois pássaros pretos de nossa última soltura, dessa vez tínhamos mais três superamigos para libertar.

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Pássaros pretos são aves que vivem em grupo. Buscam a segurança e a companhia uns dos outros.

Na região são muitos os bandos que frequentemente nos visitam, mas essas visitas são esporádicas e nosso trio precisaria da sorte de cruzar o caminho de um desses vários bandos nativos.

De qualquer forma, se esse encontro demorar, que eles se mantenham unidos. Que seja um bando de três, até que a vida se encarregue de aumentá-lo.

No período de aclimatação, eles se fortaleceram e experimentaram de tudo um pouco.

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Um pequeno milharal dentro do viveiro garantia o treinamento, para que buscassem sozinhos as sementes e frutas.

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Decidimos chamá-los de Tião, Tatão e Tiara.

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Ali eles se fortaleciam e estreitavam os vínculos. Tudo indica que foram apreendidos separadamente e vieram a se conhecer já em nosso território.

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Ainda assim, o tempo e os instintos ainda preservados fizeram com que os três se unissem.

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Tornaram-se inseparáveis e formaram uma pequena família.

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O canto era o sinal claro de que estavam se adaptando.

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Ao final da aclimatação, sabíamos que tínhamos um pequeno bando de três, com ótimas chances de sucesso em sua reintrodução.

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E assim foi, com tudo que eles mereciam.

Tatão foi o primeiro a deixar o viveiro, na manhã do segundo dia. Passou o dia inteiro no alto do viveiro, chamando os amigos.

No fim do dia, como os amigos não saíram, ele voltou para o viveiro e passaram, os três, a primeira noite de liberdade dentro do viveiro.

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Na manhã seguinte, Tatão e Tião deixaram o viveiro e ficaram por ali, cantando e chamando a Tiara para acompanhá-los.

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Ela não saiu e os dois passaram a noite do lado de fora, em uma mangueira próxima. Temíamos que eles voassem pra longe e se separassem da amiga.

Mas, para nossa surpresa, no dia seguinte, lá estavam eles, firmes e fortes no entorno do viveiro, cantando e chamando por ela.

Assim que o sol raiou, Tiara deixou o viveiro e se encontrou com os dois amigos. Eles ficaram por ali boa parte do dia, sempre juntos, ciscando entre as folhas secas do terreiro.

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No fim do dia, ouvimos o canto da família, há certa distância do viveiro.

Eles foram vistos duas semanas depois, no mesmo pasto próximo da fazenda, o mesmo que recebe a visita constante de outros bandos.

Temos a convicção de que seguirão os mesmos passos de Diego e Samuel e saberão se unir a um dos bandos nativos.

E assim, mais de trinta passeriformes de porte grande tiveram uma segunda chance. Toda reintrodução é bem sucedida.

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