Depois de tantos desencontros, ele merecia uma adoção especial.
Da primeira vez que estivemos na casa de D. Tereza, fizemos algumas fotos dele, mas entraram no bolo e nem sequer divulgamos seu nome.
Com mais de 130 cães, e casos tão graves, aquele cãozinho robusto e assustado não era prioridade. Havia tantos cãezinhos cegos, velhos, mutilados, doentes, sem dentes e esqueléticos, que o marronzinho parrudo não chamou atenção. Até o pretinho de focinho branco que dividiu com ele aquele quadro de fotos foi adotado.
Muita coisa aconteceu depois daquele dia. Mais de 70 cães ganharam uma nova chance e deixaram aquele lugar, dentre eles, um a um, os amigos do Bidu. Ele se despediu de cada um deles.
Cada separação foi um estresse. Ele chegou a ser levado para uma feira de adoções e até chegou a ser adotado, mas foi devolvido no dia seguinte, com um diagnóstico de “loucura”, dado pelos adotantes.
Eles não são psiquiatras caninos, mas preferiram dizer que o Bidu era louco, talvez pra justificar o fracasso daquela adoção ou da paciência e disposição para conquistá-lo.
Naquele tempo, o Bidu parecia saudável. Seus olhos ainda brilhavam, ainda tinham vida.
Após a partida do último de seus amigos, ele acabou se apegando a uma cadelinha chamada Branquinha, que vivia escondida debaixo da cama.
E ele acabou se mudando para debaixo da cama e lá passou a viver, escondido do mundo. Algumas circunstâncias alheias à nossa vontade nos afastaram da casa de D. Tereza por alguns meses.
Em Agosto de 2014, quando retornamos (6 meses depois), tivemos a notícia de que o Bidu estava debaixo da cama.
Eu já conhecia aquela situação e sabia que ali havia animais em permanente agonia. Não tive coragem de pedir para vê-lo.
No mês seguinte, sentindo o peso daquela omissão, insisti para ir até o quarto e reencontrar o Bidu.
Encontrei um cãozinho destruído, tomado pela depressão e estresse.
Os pelos brancos em seu focinho pareciam mais realçados e os olhos já não brilhavam mais como antes.
Naquele dia, fiz fotos dele e de sua nova amiga, a Branquinha. Mais uma vez, a adoção da Branquinha deixaria o Bidu novamente sozinho (sozinho não é a melhor definição) e ainda mais triste.
Foi aí que surgiu alguém disposto a fazer algo por ele. Bidu foi retirado da casa de D. Tereza, levado para um Pet Shop e, de lá, para uma feira de adoções.
Sem pretendentes, ele teria que voltar, mais uma vez, para a casa de D. Tereza. Aí, sua madrinha decidiu mantê-lo em um lar temporário, por mais algumas semanas. A nova chance dele não poderia ser de apenas uma manhã de sábado. Ele precisaria de mais tempo.
Naqueles dias, já era possível saber que o brilho que se apagava em seus olhos tinha outras razões, além da tristeza e da desesperança. O Glaucoma já havia lhe tirado a visão de um dos olhos.
Se enquanto era saudável e não tinha nenhum problema de saúde, não teve sorte, agora suas chances seriam ainda mais reduzidas. Mas, devíamos a ele outras tentativas, quantas fossem necessárias.
No lar temporário, ele conheceu a Belinha, uma cadelinha de porte pequeno a médio, que tinha sido encontrada na rua, já castrada pelo CCZ, com os pontos da cirurgia infeccionados.
Nova feira de adoções e, mais uma vez, lá estavam os dois (Bidu e Belinha), dividindo o cercado.
Mais uma expectativa de despedida. O Bidu era forte o bastante pra aguentar qualquer tranco, mas tudo aquilo estava demais pra ele.
Bidu e Belinha estavam nervosos ali, como se acreditassem que algo de ruim estava pra acontecer.
Recebemos uma visita especial, de Mariana e André. Conheceram o Bidu, conversaram com os voluntários e partiram, com a promessa de que pensariam no assunto.
Estatisticamente, as chances deles voltarem não eram boas. Só nos restava consolá-lo e prometer a ele que… Não tínhamos mais o que prometer.
O desânimo e a desesperança já atingia a todos nós, voluntários.
Mas aí, uma ligação inesperada da Mariana dava a notícia de que tinham pensado, conversado e que a decisão estava tomada: estavam voltando para buscar o Bidu. Nesse momento, um afago especial de sua madrinha era o sinal de que surpresas estavam a caminho.
Quando Mariana e André chegaram para buscá-lo, ele parecia ter passado a vida inteira esperando por eles. Foi retirado do cercado, sem nem mesmo se lembrar que ali havia uma menina chamada Belinha, que sentiria saudade.
Ali mesmo, na Rações Rabelo, onde estava acontecendo a feira da Brigada Planetária, a Mariana e o André compraram todo o enxoval dele.
Caminha, coleira, roupinhas, petiscos e até brinquedos, tudo do melhor.
Claro que tínhamos motivos de sobra pra comemorar muito, mas precisávamos também aproveitar a oportunidade pra registrar o que acontecia do lado de dentro do cercado.
As pessoas precisam compreender a crueldade que existe em um abandono. Não são apenas animais, como acreditam alguns. São espíritos em evolução e muitos deles conseguem entender, sentem o desafeto, a angústia, tristeza e decepção.
Ao ver o Bidu deixando o cercado, Belinha ficou de pé, como se buscasse despedir-se de seu amigo. Ela procurava o Bidu com os olhos.
Depois, se agarrou aos braços que a afagavam. Aquele foi o choro silencioso mais intenso que já assistimos. Ela ficou alguns minutos naquela posição, se prendendo ao meu braço, pedindo que a deixasse ir também.
Infelizmente, despedidas assim são inevitáveis. Quem sabe um dia conseguimos riscar do dicionário a palavra “abandono”?
Esta adoção foi o final feliz que esperávamos para o Bidu, e será também o passaporte para que a Belinha também tenha uma nova chance.
É certo que ela, ao chegar ao lar temporário, fará outros amigos e se afeiçoará a eles, com a mesma intensidade com que se afeiçoou ao Bidu. Eles superam rápido.
Alguns metros dali, muita festa. Nas fotos abaixo, Bidu com os novos pais, Mariana e André, despedindo-se também da Lilian, a madrinha que o tirou da casa de D. Tereza e deu a ele uma hospedagem pra lá de especial no SPA Lucinédia.
No dia seguinte, recebíamos as primeiras fotos do Bidu na nova casa, com as notícias de sua imediata adaptação.
E como não se adaptar? Na foto abaixo, no colo do pai, junto com a irmãzinha Kiara, com quem ele se deu muito bem. É certo que vai transferir pra ela toda a afeição que um dia dedicou à Branquinha, à Belinha e todas as outras.
Que este novo amor seja para sempre.
É um final feliz, mas como protetores não têm tempo pra viver luto e nem pra comemorar as graças, terminamos esta matéria com as fotos do que sobrou no cercado: Belinha, uma lobinha muito dócil, carinhosa, agitada, sapequinha mas, temporariamente, triste.
Que esta tristeza não dure para sempre.
ATUALIZANDO: Belinha também foi adotada, algum tempo depois.
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