Esta cadelinha viveu anos na rua, acompanhando alguns bêbados e usuários de drogas da região. Não eram a companhia ideal, mas era o que ela tinha.
A cada seis meses ela entrava no cio e despejava seus filhos onde desse, sem estrutura, sem abrigo, sem condições de sobrevivência. E claro, nunca sobreviviam. Nada pode ser mais frustrante para uma lobinha que não ter onde parir.
E ela não tinha nenhuma noção de vida livre. Os lugares escolhidos eram sempre os piores, geralmente, dentro de bueiros ou coisas do gênero.
A última ninhada nasceu dentro de um cano de esgoto. Contra todas as probabilidades, eles sobreviveram alguns dias por lá, até que foram resgatados, abrigados e doados assim que completaram 45 dias.
Foi a primeira ninhada bem sucedida da Branquinha, graças à interferência humana. Se deixasse por conta dela, seria mais uma tragédia, como todas as outras.
Mas aí, chegou o dia da separação e a frustração foi ainda maior. Ela contava em ter uma matilha. Pela primeira vez, viu seus filhos abrirem os olhos e trocarem suas tetas por ração e outros petiscos sólidos.
E, se seus filhos tiveram uma chance, ela também precisaria ter. E teve. Foi levada para uma clínica veterinária.
E foi lá que a conhecemos. O rabinho até que nos acenava, mas com um medo que poucas vezes encontramos. Nunca tinha visto um cachorro balançar a cauda, mesmo com ela entre as pernas.
Ela me recebeu na porta de seu canil, como se esperasse por alguém. Olhou-me como se procurasse algo em meus braços e, ao perceber que eu não trazia nada nas mãos, deu as costas e voltou a se refugiar na casinha.
Cheguei a imaginar que estivesse ela esperando pelo retorno de seus ex-donos. Mas ela não tinha ex-donos de quem pudesse sentir saudade. Eles não davam nenhuma atenção a ela. Viviam pra sustentar o vício e a venderiam fatiada, se alguém se dispusesse a pagar.
Mas sua súplica estava estampada em seus olhos. Nunca tinha visto nada mais expressivo. Ela esperava pelo retorno dos filhos. Queria as crianças de volta e parecia nos pedir isso, com tamanha intensidade que talvez a vida não conseguisse deixar de atender.
Abaixei-me e dei-lhe o tempo que ela precisou pra se aproximar. Afaguei seu pelo e lhe disse que os filhotes estavam bem, que estavam felizes e que ela também seria feliz. Talvez nem eu acreditasse totalmente nisso, mas já me acostumei a fazer promessas sem a certeza de poder cumpri-las.
Às vezes, ela parecia querer me mostrar algo que não estava ali, ou que eu não conseguia ver. Fiquei imaginando o que protetores invisíveis planejavam pra ela. Imaginei que a vida poderia lhe mandar alguns filhotes órfãos, quem sabe alguém especial que se dispusesse a adotá-la junto com um filhote qualquer.
Tenho a absoluta certeza de que seria a melhor mãe do mundo.
Depois de alguns minutos, já mais a vontade com minha presença, ela veio a mim disputar um pouco do carinho com seu companheiro de confinamento.
Ao final, mais uma sequência do mais terno olhar que já registrei. Passei com ela tempo suficiente pra nos conhecermos, pra nos afeiçoarmos. Ela é o tipo de cadelinha que se afeiçoa a pessoas em questão de minutos. E também cativa no mesmo tempo.
Depois de 6 anos vivendo nas ruas, finalmente seu dia chegou. Uma adotante especial decidiu mudar o destino dela. Hoje ela tem casa, cama, ração de boa qualidade, acompanhamento médico e todas as vacinas em dia.
Mas, mais importante que tudo isso, é estimada. Verdadeiramente estimada.
Um resgate de Gylsiane.
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