A patativa (Sporophila plúmbea) é um passeriforme da família Thraupidae. Conhecida também como Patativa-da-serra, Patativa-do-cerrado, Patativa-da-amazônia, Patativa-do-campo, Patativa-verdadeira.
Varia de incomum a localmente comum, em campos com gramíneas altas, cerrados, vegetação à beira de rios, buritizais e outros locais pantanosos. Vive em pequenos grupos, às vezes associados com outros pássaros que se alimentam de sementes.
Seu canto é considerado melodioso e triste.
Tudo isso só serve para aves livres. Para o Cicinho, que nasceu em uma gaiola e viveu nela por 20 anos, os hábitos e características são outros:
Adora jiló, mamão, maçã, mistura de sementes variadas. A maçã e o mamão precisam ser cortados em forma de triângulo. Ele come a ponta, até chegar à casca. Também gosta de banana e manga.
Toma de 3 a 4 banhos por dia, em banheirinha pequena. Tem medo das grandes.
Só toma água no bebedouro, mas nunca na banheirinha. Costuma pegar água com o bico no bebedouro e jogar respingos pro alto.
Gosta de ciscar areia nova e dorme com a gaiola coberta.
Ele chegou ao santuário levando na mala um punhado de sementes e alguns jilós. Junto com a gaiola, a mesma toalha azul, que já fazia parte de sua vida, usada para escurecer o ambiente durante a noite, evitando que ele fosse acordado pelas luzes da casa.
Tudo isso refletia o carinho de quem cuidou dele nos últimos anos, mas que nunca desistiu da ideia de soltá-lo.
Claro que no trabalho de preparação, a toalha não teria utilidade, mas foi importante para reduzir o estresse da viagem.
E foi assim, com a gaiola coberta, que ele chegou ao nosso território.
Claro que todas aquelas recomendações para o Cicinho não faziam sentido se a intenção era prepará-lo para a liberdade, mas era um indicativo muito claro do tamanho da responsabilidade que assumimos. Ele teria que aprender a viver sozinho, mas não custava facilitar a adaptação nos primeiros dias.
E o desejo de acertar era tanto que decidimos deixar de lado a técnica e seguir à risca as dicas de sua amiga.
Antes de soltá-lo, imaginando que ele fixaria morada no arbusto seco que fica na parte coberta do viveiro, decidimos preparar o ambiente pra ele, com tudo o que fazia parte de sua vida.
As frutas preferidas cortada em formato de triângulo, a bacia de banho, a mistura de sementes em dois comedouros bem próximos e até a toalha azul, que penduramos em um dos galhos mais altos.
Com cem metros quadrados e uma fonte de água corrente 10 vezes maior que sua gaiola, era possível que ele se sentisse intimidado num ambiente tão amplo, principalmente porque, segundo informações de quem o conhecia tão bem, ele tinha medo de banheirinhas maiores.
E logo nos primeiros instantes, percebemos o tamanho daquele desafio. Seria uma tentativa e a possibilidade de abortar a soltura não estava descartada.
Preparamos o arbusto para recebê-lo, posicionamos a gaiola próximo e abrimos a portinha. Para facilitar a saída dele, decidimos retirar o poleiro superior e fixar o inferior um pouco mais abaixo, bem diante da portinha aberta.
A gaiola então estava com apenas dois poleiros, e a distância entre os dois poleiros, de 10 cm, passou para 20 cm. E foi aí que sentimos uma grande angústia, quando ele ficou reticente em pular para o poleiro mais baixo, como se medisse a distância e não tivesse coragem de pular tão longe.
Depois de pousar no poleiro mais baixo, onde propositadamente estava também o bebedouro, ele pousou na beirada da portinha, bebeu um pouco de água, olhou para fora e se arriscou a sair, agarrando-se nas grades.
Logo depois, tentou o primeiro voo. Pra nossa surpresa, ele voou bem alto, fazendo curva, como se procurasse um lugar seguro pra pousar.
E o primeiro pouso foi sobre o telhado de um pequeno viveiro de quarentena.
Pousou ali e ficou por um bom tempo. Parecia estar tentando recuperar o fôlego perdido naquele que havia sido o mais longo voo de sua vida. Na verdade, havia sido o único, até aquele momento.
Percebemos que ele precisaria logo encontrar a fonte de água e, pensando em uma possível dificuldade inicial, decidimos fixar a gaiola de portas fechadas no arbusto que escolhemos pra ele, com o bebedouro e o poleiro posicionados de forma que ele conseguisse acessá-los sem precisar voltar para o interior da gaiola.
Tínhamos tempo e disposição para cuidar individualmente daquela vida. Não era apenas mais um pássaro. Era o Cicinho, que nos foi confiado.
O Cicinho parecia muito bem. Do telhado de zinco, ele buscou um poleiro na área descoberta e, mais uma vez, mostrou que cada voo pra ele exigia uma energia e força que ele ainda não tinha.
O biquinho aberto e as asas caídas eram um sinal claro de cansaço.
Não poderímaos esquecer que foram 20 anos em uma gaiola. Ele nasceu escravo e nunca havia usado as asas.
Precisávamos confiar que uma força chamada instinto estivesse preservada. Apesar de toda a dificuldade, ele estava muito melhor que muitos outros que por aqui chegaram. Chiquinho, o Curió, passou uma semana nos caibros do telhado.
O Cicinho conseguia voar, e com direção e controle. Sabia direcionar o voo e pousar com segurança, o que nos indicava que aquela soltura estava programada para dar certo.
Ele não encontraria outros de sua espécie, já que Patativas estão extintas em muitas regiões onde um dia a espécie reinou. São os resultados da predação humana.
Mas o fato da espécie viver em bandos, geralmente em consórcio com outras espécies, era uma possibilidade para o Cicinho. Ele acabaria se unindo a um dos bandos que vivem ali, mesmo que não houvesse na turma nenhum de sua espécie.
Nas primeiras horas, ele ficou por ali, naquele poleiro, arriscando pequenos e discretos voos, sempre voltando para o mesmo ponto.
Parecia estar testando as asas. Os ensaios foram intensos e constantes. Ele tinha pressa. Sabia que precisaria se adaptar à nova vida.
Posicionamos um comedouro do lado de fora do viveiro, bem perto das telas, para forçar a visita de outras aves. Queríamos que ele percebesse a presença de outros pássaros.
E a reação não poderia ter sido melhor. Diante de pequenos bandos de canários e coleiros, ele se mostrou curioso e interessado em segui-los. Chegou a ensaiar o bater de asas em direção aos pássaros externos.
_Segura, menino. Ainda está cedo pra você.
Mesmo assim, para um primeiro dia, tínhamos motivos pra comemorar.
Pra quem tomava 4 banhos por dia, ele teve que dormir a seco em sua primeira noite. O banho até que poderia passar, mas era nossa preocupação que ele encontrasse o bebedouro.
E talvez pra nos deixar tranquilos, voou até a árvore que preparamos pra ele e encontrou sua gaiola.
Posicionou-se no poleiro externo e bebeu, exatamente ali, no bebedouro que esperávamos abolir.
Não será assim pra sempre. Esperamos em breve retirar a gaiola e o bebedouro. Ele precisa aprender a beber na fonte.
Esperamos o cair da noite, imaginando que ele viesse a dormir empoleirado na gaiola, ou talvez próximo daquela toalha azul.
Isso seria totalmente antinatural, mas diante de tantas recomendações, decidimos seguir todas as dicas, sem pular nenhuma. Se não ajudar, é certo que não vai atrapalhar.
Mas, para a nossa surpresa, o garoto voou até o lado descoberto do viveiro e posicionou-se em um dos galhos da amoreira.
Ali ele passou a primeira noite, longe de sua gaiola, da toalha azul, e até dos comedouros que havíamos preparado.
O sons da noite, em uma reserva, não são dos mais amistosos, sobretudo para uma criatura tão pequena e com tantos predadores. Mas ele não parecia estar com medo. A busca de abrigo em um arbusto denso era o sinal de que aquilo que chamamos de instindo não lhe foi roubado.
No dia seguinte, bem cedo, preparamos o lanche da manhã, que foi servido na amoreira.
Era muito bom vê-lo camuflado entre o verde das folhas. O segundo dia ele passou na amoreira, para onde transferimos também a gaiola e seu bebedouro preferido.
A toalha azul foi retirada de vez. Estava claro que ele não fazia nenhuma questão dela. O momento de dormir e de acordar seria determinado pelo amanhecer e entardecer, sem nenhuma interferência.
Na manhã do terceiro dia, encontramos outro Cicinho, nem de longe parecido com aquele que estava descrito na carta de sua cuidadora.
De seu posto de observação, era possível ver a mata ao fundo e a algazarra dos pássaros que insistiam em revoar por perto do viveiro. Ele se encantou e tentava todo o tempo interagir com os novos amigos.
Em três dias ele já estava à vontade. Havia esquecido o bebedouro, a gaiola, a banheira de banho e tudo que lhe remetia aos primeiros vinte anos de sua vida.
Por muito bem cuidado que tenha sido, e não temos dúvida disso, o fato é que nenhum passarinho que experimenta a liberdade sentirá saudade do tempo de cativeiro.
Cicinho está nascendo de novo. Experimentou, pela primeira vez, usar as asas, e gostou muito. Teve medo nas primeiras tentativas, mas logo tomou gosto.
E aquela história de que ele tinha medo de banheiras maiores, era lenda.
O rapaz se aproximou da lagoa, debruçou-se para beber da água que desce direto das montanhas e até tentou um primeiro banho. Foi só uma tentativa, mas foi suficiente pra sabermos que o menino tem futuro.
É só uma questão de tempo pra ele perceber o ponto onde a lagoa dá pé pra ele. E aí, será só alegria.
Por enquanto, até a manhã do terceiro dia, havíamos flagrado apenas um ensaio, mas banho mesmo, daqueles de tirar macuco, ele ainda não tomou.
Também tem experimentado sabores novos. A amoreira que ele elegeu como refúgio está ainda em produção. Ele descobriu também algum petisco nas pedras da fonte. Não sabemos se são musgos ou mesmo alguns bichinhos, mas o fato é que ele passa um bom tempo beliscando aquelas pedras úmidas.
Assim que ganhar a liberdade, experimentará outras frutas. O território oferece de tudo aos moradores. Verduras e sementes ele poderá colher direto da fonte.
Claro que poderá também contar com os comedouros. E já aprendeu o que são comedouros.
Cicinho está bem. Em apenas 3 dias, evoluiu mais do que esperávamos para duas semanas inteiras.
Parece feliz. Já ensaia alguns piados, tentando se comunicar com amigos que o esperam do lado de fora.
Também já o vimos cantar. E neste caso, a fama de canto melodioso e triste não lhe faz justiça. Ele está feliz sim, e já se sente livre.
Segue em aclimatação, mas pra ele, aquele viveiro é mais do que ele imaginou ter um dia.
E quem disse que um passarinho nascido em gaiola, com 20 anos de escravidão, não aprenderia a voar?
Cicinho veio pra nos mostrar que não existe impossível para a vida. Devolva-lhe as asas e surpreenda-se com a capacidade de regeneração.
Não sabemos se ele terá vida longa, mas temos a convicção de que um só dia em liberdade terá valido mais que todo o resto de sua vida.
Nos vídeos abaixo, os primeiros dias de liberdade monitorada do Cicinho.
No primeiro, explorando o novo território (A amoreira) e tentando interagir com um coleiro que se aproximou do viveiro.
No segundo, Cicinho fazendo a refeição da manhã, em um dos comedouros. Nada de vasilhas pequenas. Ele agora fará suas refeições em comedouros grandes, que serão compartilhados com muitos outros pássaros.
E por fim, o garoto já explorando e usando o espaço disponível, voando e bebendo na fonte.
Atenção. Não recebemos animais silvestres. Só o IBAMA tem essa prerrogativa, através do CETAS – Centro de Triagem de Animais Silvestres.
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ATUALIZANDO: Cicinho precisaria de alguns amigos, pra aprender a viver em bando, mesmo que de outras espécies. Instintivamente, sabíamos que ele procuraria naturalmente a companhia de outros pássaros, mas seria muito bom que isso acontecesse durante o período de aclimatação.
E foi aí que conhecemos os garotos, Marcos e Pedro, que não se conformavam com a vida de um passarinho chamado Bilico, que eles haviam ganhado do avô.
Era um coleirinho, ainda pardinho, que tinha sido retirado filhote do ninho.
Ao conhecerem a história do Cicinho, não tiveram dúvidas. Decidiram que não esperariam 20 anos para devolver a liberdade ao Bilico. Queriam que ele fosse solto agora e, se possível, que se tornasse amigo do Cicinho.
E assim foi feito. Chegou onde estava o Cicinho e, com as portas abertas, sua gaiola foi posicionada em uma árvore, apenas para que ele pudesse beber, comer e descansar um pouco da viagem.
Logo depois, teve a gaiola posicionada no chão. E foi o Cicinho quem se aproximou, para dar as boas vindas ao novo amigo.
O Bilico estava na muda de penas e tinha algumas penas das asas desalinhadas, que ele mesmo terminou de arrancar com o bico.
A muda de penas e o fato dele ter sido aprisionado ainda filhote, tiraram dele a condição de voo. Infelizmente, nosso menino deixou a gaiola sem usar as asas. Até que tentou, mas não tinha forças pra voar.
Ele refugiou-se debaixo da amoreira, onde o Cicinho fica quase o dia inteiro. Decidimos então colocar bebedouros e comedouros no chão, debaixo da amoreira, bem perto dele.
Bilico terá o tempo que precisar e não temos dúvida de que em alguns poucos dias ele estará voando.
Já está dando seus pulinhos e ciscando a terra, em busca de sementes que propositadamente enterramos.
Uma semana depois da chegada do Bilico, tudo caminhava bem. Ele não sabia mesmo voar, mas encontrou uma forma de, aos pulinhos, escalar a amoreira e fazer dela sua casa, junto com o Cicinho.
Neste vídeo, os primeiros dias do Bilico, já posicionado no galho mais alto da amoreira: https://youtu.be/U7LA0H8rXMc
Alguns dias mais tarde ele começou a explorar o ambiente, ensaiando pequenos voos.
Neste vídeo, o menino fazendo de uma pequena pitangueira seu Play.
Esperávamos que a aproximação entre Cicinho e Bilico acontecesse por iniciativa do Cicinho. Afinal, o hábito de viver em pequenos bandos, associado com outras espécies, é próprio das Patativas e não dos Coleiros.
Mas quando lidamos com vidas, ninguém pode saber ao certo o que vai acontecer. E nesta história, descobrimos um coleirinho ainda jovem que, talvez por não saber voar, decidiu se espelhar e buscar a amizade da Patativa, com quem dividirá o território.
Pelas telas, ele interagia com outros de sua espécie, pois são muitos no entorno do viveiro, mas o Bilico buscava a companhia do Cicinho durante todo o dia.
Estava sempre perto dele e até se arriscava em voos mais longos, para seguir o amigo.
Não é exagero dizer que eles se tornaram amigos. Afinal, estão receberndo juntos a tão sonhada segunda chance.
Neste vídeo, temos o Cicinho chegando à lagoa pra beber água, e logo atrás, seu amigo Bilico, que aprende com ele cada passo desse caminho para a liberdade.
Aliás, em algum momento desta história, alguém disse que o Cicinho tinha medo de tomar banho em banheiras grandes.
Essa parte da história não existe mais. Ainda não flagramos aquele banho, mas o menino já lava o pé pra dormir, e com muito gosto.
Trinta dias depois da chegada do Bilico, não tínhamos mais passarinhos aprendendo a voar. Eles já voavam com a mesma habilidade de pássaros livres e, melhor que isso, haviam aprendido a evitar a aproximação humana.
Tentamos registrar os últimos momentos dos dois antes da liberdade, mas eles deixavam claro que não queriam aproximação. E como o objetivo desse trabalho é o bem deles, não insistimos. O melhor, nesse caso, é entender que o processo de preparação havia chegado ao fim, que tudo tinha dado certo e que agora precisaríamos apenas deixa-los seguir a vida.
O viveiro estava mais cheio de verde, em razão das chuvas das últimas semanas. Na amoreira densa, não conseguiríamos, nem mesmo com o zoom da máquina, fotografar as crianças.
Então, do momento da soltura, só temos algumas fotos da casa deles. Abrimos a portinha do viveiro e nos despedimos. A saída deles e o voo em liberdade acontecerá longe de olhos humanos. Talvez consigamos avistar o Cicinho em liberdade. Já o Bilico, será impossível distingui-lo entre os seus.
Do lado de fora, a vida segue seu curso. E eles terão muitos exemplos para se espelharem.
Sejam livres, meninos. Levem nas asas os nossos sonhos, de um dia vivermos em um mundo em que cada criatura viva cumpra seu estágio, sem escravização, mutilação, abate ou qualquer tipo de sofrimento.
Virá o dia em que todos os homens serão protetores de animais.
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