Por dois dias ela vagou entre ruas, se refugiando debaixo de carros estacionados e dormindo em varandas das casas. Com seus dois quilos e seiscentos gramas, ela passava fácil em qualquer greta.
Por quinze dias seus donos foram procurados. Suas fotos foram espalhadas, mas ninguém estava procurando por ela.
O resgate não foi dos mais fáceis, e nem tampouco recebemos uma lobinha alegre e saltitante. Ao nosso território, chegou uma menina triste, mas não muito carente. Buscava o colo, mas não ficava à vontade nele.
Nem os afagos lhe davam prazer. Ela os recebia com uma postura claramente tensa, nervosa, como se pedisse: _Eu só quero colo, mas não precisa ficar me pegando.
Isso não era normal pra uma coisinha como ela, que nasceu e evoluiu pra dividir o ninho com uma mãe humana.
E que seja feita a sua vontade, pequenina. Não vai faltar colo por aqui.
Clarinha sempre se mostrou uma cadelinha frágil. Se tentássemos abraçá-la ou apertá-la, mesmo que com muito jeito, ela gritava como se doesse muito.
Essa sensibilidade toda era um sinal de que ela precisa de pais adultos. A convivência com crianças pequenas não seria o ideal pra ela.
E nesse caso, colo de mãe é sempre mais macio.
Experimentou todos os colos a que tinha direito, mas foi apenas para se recompor. Os dias na rua tinham minguado suas forças. Ela estava cansada demais.
Não parecia faminta, porque qualquer migalha a sustentava, muito embora a balança tivesse acusado, no primeiro dia, 2.6 quilos, e apenas 15 dias depois, duzentos gramas a mais.
Assim que o cansaço cedeu, no mesmo dia, ela mostrou que não queria ficar em nossa casa. O portão da rua era seu principal atrativo.
Ela arranhava, esticava os bracinhos para fora, chorava e nos olhava, como se dissesse: _Eu não sou uma qualquer. Eu tenho casa e quero encontrar meus donos.
Nós até que tentamos encontrá-los, mas eles não estavam procurando por ela, ou não queriam ser encontrados.
A Hanna até que tentou: _Não foge, Clarinha. Aqui é bom. Você vai gostar.
Duda também cumpriu seu papel e recebeu muito bem a menina. Chegou a chamar por ela: _Vem ver onde você pode dormir.
_Esta é a cama do Guilherme. Você pode dormir aqui se quiser. Até caminha ela ganhou.
Esta caminha foi de uma cadelinha que não está mais entre nós. Seus donos nos entregaram seus pertences, com o pedido para que fizéssemos chegar a algum lobinho bem especial.
Ela parece que gostou da ideia, mas, pra dormir na cama, teria que tomar banho. Não adiantou muito, porque ela achou que a grama seria um bom lugar pra se secar.
Na verdade, tudo serviu. Da parede de pedra até a toalha de banho.
As tentativas de fuga continuaram por uns 3 ou 4 dias. Ela estava mesmo sentindo muita falta de casa.
Não queríamos acreditar em abandono, mas espalhamos suas fotos e ninguém se manifestou. Ela estava mesmo acostumada a dormir dentro de casa, na cama, enrolada sob lençóis.
Também conhecia bem uma clínica veterinária, pois assim que a levamos para a faxina inicial, ela não parava de tremer, indicando que sabia bem o que era aquele ambiente.
Mas o tempo, sempre ele, é um santo remédio para curar dores da alma.
Não havia escolha. Ela precisaria se acostumar com essa nova vida. Tínhamos como missão prepará-la para adoção e encontrar pra ela donos que a fizessem esquecer rapidamente aqueles que um dia renunciaram ao privilégio de tê-la sob o mesmo teto.
E a adaptação não tardou. Mesmo com menos da metade do tamanho de nossa Hanna, a Clarinha se mostrou bem disposta a se integrar à nossa matilha.
Em poucos dias ela já estava correndo e saltando na varanda, brincando na grama.
E foi uma festa ver e registrar as caras e bocas de uma lobinha alegre e cheia de vida.
Clarinha estava feliz e isso nos fazia a todos, também felizes.
Tomou posse da caminha rosa, mas nela só se deitava durante o dia.
À noite, era debaixo dos lençóis que ela se aninhava, grudada às costelas de uma mãe postiça e temporária, mas que a recebeu com o amor maternal de que ela tanto precisava.
Em mais alguns dias, como seus donos não foram mesmo encontrados, partimos para mais uma etapa de sua preparação. A castração era necessária e, pra isso, ela ganhou de presente a cirurgia com as madrinhas lá do Hospital Veterinário da UFMG.
Para o hospital, ela foi de véspera, levando a tão apreciada caminha, que a ajudaria a passar melhor a noite.
A cirurgia correu tudo bem e, antes mesmo que ela recebesse alta médica, nossa princesa já tinha conquistado meia dúzia de admiradores.
Dentre eles, a Núbia, secretária do Hospital, que se candidatou a mãe do ano. Do hospital, ela foi direto para a casa da Núbia, fazer o pós-operatório, com caminha e tudo.
E apenas três dias depois da cirurgia, estivemos na casa da Núbia pra saber como estava a adaptação da criança.
E foi a própria Clarinha quem nos contou que estava feliz ali. Ela adaptou-se à nova casa e à nova família, muito mais rápido do que em nossa casa.
Correu para a caminha e buscou a bolinha. Nem parecia que estava operada.
Além da Núbia e do Wesller, ela teria também uma irmãzinha canina chamada Mel, uma coisinha também pequena e das mais dóceis e companheiras que a Clarinha poderia encontrar.
A Mel é uma cadelinha do bem, que recebe com festa qualquer estranho que chega em sua casa, sejam humanos ou lobos.
A vida ali será de festa, de segunda a domingo. Não faltará colo, afeto e disposição para dar a elas a vida que todo cachorro merece.
Seja feliz, Clarinha, e leve alegria a esta abençoada casa.
Obrigado Núbia e Wesller, pela acolhida de nossa princesinha.
Nas redes sociais, a Clarinha já é conhecida dos amigos da família.
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