Este cãozinho estava vivendo entre drogados. Na verdade, ele não pertencia a ninguém. Estava ali pra servir de “saco de pancadas”. Todas as frustrações e as crises de abstinência eram descontadas nele.
O resultado era um cãozinho destruído. Ele não tinha mais forças pra continuar vivo. E se pudesse escolher, já teria desistido.
O pedido de socorro circulou pela rede por muitos dias, até que uma protetora resolveu intervir. Foi resgatado e levado a uma clínica veterinária.
Infelizmente, nem a protetora tinha recursos para dar tudo que ele precisava, e nem os médicos pareciam acreditar que seria possível salvá-lo. Então, a solução foi adotar medidas paliativas e deixa-lo ali, até quando Deus permitisse.
Estava livre das torturas, mas não da dor e do sofrimento.
Quando resgatado, seu olho estava furado e repleto de miíase. Seus dentes estavam quebrados e sua garganta queimada, porque os drogados gostavam de tortura-lo e, em uma dessas seções de tortura, jogaram água fervente boca adentro.
Não satisfeitos, os “montros” arrancaram todas as suas unhas. Quando tosou pela primeira vez, descobriu-se que ele tinha marcas de queimaduras de cigarro pelo corpo.
Ele é um Poodle Toy, chegou na clinica pesando 2 quilos e, dois meses depois, tinha chegado aos 3,5 quilos. Infelizmente, isso mostrava apenas que fome ele não passava mais, mas estava longe, muito longe de significar alguma melhora.
Apesar de tudo, ele ainda encontrava forças pra fazer festa e abanar o rabinho quando escuta uma voz doce. Na época de seu resgate, sua história chegou a ser divulgada e causou comoção, mas em poucos dias ninguém mais falava nele. É que novos casos surgem todos os dias e o Bidu acabou esquecido.
Ele estava em segurança, mas não tinha o que precisava. Seus olhos, embora curados da miíase, eram fonte permanente de infecções.
Conhecemos a história do Bidu quando recebemos um pedido para postagem do anúncio de adoção, mas sem muito entusiasmo. Nem mesmo suas protetoras esperavam que alguém se dispusesse a adotá-lo. Ele já estava havia 3 meses vivendo em uma gaiola.
Ele não estava bem e, todos pareciam conformados de que nunca chegaria a ficar. Bidu precisava de adoção para sair da clínica, mas vida digna, ele não teria. Talvez, uma morte digna.
Assim que soltamos sua história pela rede, mais uma enxurrada de indignação e revolta.
Dentre elas, uma, em especial, intencionava fazer um pouco mais que apenas se indignar.
Ele conseguiu uma adotante lá pelos lados de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. A Mariele se dispôs a adotá-lo e pediu a uma amiga que o resgatasse e providenciasse o que fosse necessário. Ele precisaria se fortalecer pra poder viajar.
A Solange foi quem assumiu a tarefa. Resgatou, levou aos melhores especialistas, o levou para sua casa, cuidou dele por muitos dias e, no final, decidiu adotá-lo. É que o pequeno Bidu já se sentia em casa, já tinha sofrido demais e, mais uma mudança, poderia significar pra ele mais um abandono.
Então, ficou assim: Ele ganhou de uma só vez uma mãe (Solange) e uma tia (Mariele).
Nos dias que se seguiram após o resgate, pudemos acompanhar a evolução do menino, através do “Diário do Bidu”, escrito pela própria Solange.
As notícias não eram as melhores. Nos três meses em que ficou internado, logo após ser retirado das mãos dos nóias, ele apenas tinha se livrado das agressões, mas as dores e o sofrimento persistiam. Ele não tinha mais qualidade de vida. Talvez a eutanásia fosse o caminho natural.
Mas a decisão foi tentar salvá-lo. Seus novos médicos acreditaram que ele ainda poderia voltar a ter qualidade de vida e não pouparam esforços para garanti-la.
Ele trazia severa infeção nos olhos e também na boca. Não é possível descrever a dor que tudo isso causava. Acreditamos que ele tinha dificuldade motora em razão da dor. Tinha horas que ele parecia parar de respirar para tentar diminuir a dor.
A dificuldade de comer não tinha outra causa. A dor nos dentes quebrados e infeccionados lhe tirava o apetite. Ele só comia quando estava faminto, porque o instinto de sobrevivência vinha primeiro.
Além da limpeza dos dentes e da boca, seus olhos precisariam ser removidos cirurgicamente. Eles eram fonte de infecção e não iriam melhorar. Como a cegueira era irreversível, retirar os olhos foi a recomendação médica.
Enquanto isso, ele precisaria se fortalecer e aguardar resultados de exames.
E pra fazê-lo comer, antes da limpeza dos dentes, só mesmo arroz com franco e patê. A essa altura, nutrição equilibrada deveria ficar pra mais tarde. A prioridade agora era outra.
Na clínica, na primeira consulta, era possível sentir a apatia dele. Sem qualquer reação, deixava-se manusear como se não tivesse mais vida ou vontade própria.
O Bidu precisaria também de um ambiente mais tranquilo e limitado. Ração, água e cama deveriam ficar bem ao alcance dele.
Felizmente, os exames de sangue não acusaram nada grave. Alguma infecção mas nada que o colocasse em risco.
Na casa da Solange, lhe foi preparada uma suíte, exatamente como recomendado pelos médicos.
Foi então feita a limpeza de tártaro, com remoção de alguns poucos dentes. Alguns dias de antibiótico cortaram a infecção dos dentes e ele voltou a comer sem dor.
Bidu se mostrou um guerreiro, com vontade de viver. E seja então feita a vontade dele. Se depender dos cuidados de seus novos donos, ele vai bater todos os recordes de longevidade.
Bidu foi salvo duas vezes. A primeira, quando retirado dos drogados e a segunda, quando foi recebido pela Solange. Ambos os resgates chegaram na hora certa. Ele não teria muito tempo.
O Bidu é um cãozinho tão sofrido e tão humilde que não reclamava de nada. Não latia e nem sequer gemia. Parecia ter acostumado com a dor e o sofrimento.
Os cuidados médicos e fortes medicamentos eram indispensáveis, mas ele precisava de mais que isso. E todos os dias ele ouvia a voz de seus donos, com palavras doces: _Mamãe chegou Biduzinho.
E essa rotina se repetiu até que ele passou a reconhecer seus salvadores e sentir, pela primeira vez na vida, afeto.
Além de todos os problemas já narrados, uma forte gripe (tosse dos canis) lhe consumia. Sua resistência estava baixa e uma simples gripe canina poderia ser fatal.
Assim que melhorou, ganhou o direito a passeios pelo jardim.
E foi aí que o pequenino Biduzinho começou a viver.
No primeiro dia, aproveitou o sol e caminhou muito. Nem parecia cego. Guiava-se pelo faro e percorria cada canto.
Ele estava trocando o dia pela noite e, nada mais oportuno que cansá-lo durante o dia para inverter estes horários.
Na medida em que o “Diário do Bidu” era divulgado, o garoto tornava-se conhecido. Muita gente quis conhece-lo. Recebeu visitas e muitos agrados.
Bidu começava a conhecer uma vida que ainda não tinha experimentado: a vida de um cãozinho de estimação. Ele nasceu pra essa vida, mas por alguma razão que desconhecemos, foi privado dela.
Ganhou um companheiro de quarto: um bichinho de pelúcia, no qual ele gostava de se aconchegar.
O problema do fuso horário não foi fácil. Trocando o dia pela noite e não tendo quem o bajulasse na madrugada, o jeito era chorar.
A solução foi dar a ele uma forma de saber o que era dia e o que era noite. Um radinho ligado bem baixo durante o dia e muitos passeios no jardim foram a salvação do sossego de todos na casa.
Seus olhos continuavam sendo fonte de infecção e exigiam cuidados intensos. Limpeza com soro fisiológico e colírios duas vezes ao dia eram indispensáveis.
Os ouvidos também estavam infeccionados. Otite é um problema recorrente dos Poodles e, sem um cuidado intenso, já era esperado.
Segundo relatos da Solange, ele melhorava dia a dia e já dava sinais de manha.
Ele passou a caminhar com mais firmeza e desenvoltura pelo gramado. O dia em que o Bidu reconheceu o degrau do jardim e subiu sem bater o focinho foi comemorado.
Cada pequeno avanço era motivo de festa.
Os dias se seguiram e o pequenino Bidu aprendeu o que é ser estimado, e demonstrou que, apesar de tudo, não tinha perdido a capacidade de amar.
Já reconhecia a voz de seus novos amigos e demonstrava suas preferências. Solange e Paulo eram seus melhores amigos e, pra eles, o menino já abanava o rabinho.
Ele percorria o gramado todos os dias, espreguiçava e fazia ali suas necessidades. Começava a ter regalias. Podia ficar no gramado até cansar.
Ele já dormia bem à noite. Até uma lâmpada pra servir de aquecedor foi instalada em seus aposentos.
Aprendeu também a chamar com fortes latidos, quando fazia suas necessidades no jornal de sua suíte. Ele fazia questão de tudo bem limpinho. Ficava inquieto e só calava quando o jornal era trocado.
Outra mudança relatada foi a posição de sua cabeça. Quando retirado da clínica, ele tinha a cabeça baixa. Foi condicionado a agressões constantes e sua postura era de quem se protegia do mundo.
Depois de um tempo na nova casa, ele já levantava a cabeça, como se quisesse conhecer o novo mundo. Infelizmente, o tempo de abandono e crueldade durou muito e ele não vai poder ver nada do que a vida lhe proporcionou.
Melhor não acreditar que foi tarde demais. Precisamos acreditar que tudo isso teve um propósito. Não é justo com ele, mas que essa história sirva pra salvar outras vidas e tirar outros Bidus de situações assim.
Paulo, um dos funcionários da casa, é quem mais se afeiçoou ao menino, depois da Solange. E o Bidu sente e retribui. Numa manhã de sol, enquanto passeava pelo jardim, ele encontrou sozinho o Paulo e o cutucou com o focinho, pedindo carinho.
Ele agora sabia que podia confiar nas pessoas. Agressões nunca mais.
Os avanços eram muitos e visíveis. Ele já estava forte e, finalmente, foi possível agendar a nova cirurgia, para a retirada dos olhos.
Bidu já reconhecia e interagia com Mel e Melissa. Quem diria, hein, menino?
Sabemos que o poder da matilha opera milagres, mas aquelas duas moças eram tudo de bom.
Também já tinha adoração por sua mãe humana. Procurava e lambia as mãos da Solange e abanava o rabinho sempre que percebia a presença dela.
Ele estava sendo cuidado como um bebê. E era o que ele merecia e precisava. Não dava mesmo pra fazer por menos.
A cirurgia aconteceu e, felizmente, correu bem. Mais uma etapa vencida. Seus olhos eram mesmo uma fonte constante de infecção. Ele se coçava e se incomodava muito.
A remoção do globo ocular trouxe maior conforto ao menino.
O pós operatório não foi fácil. A cirurgia é complicada e interfere em muitos vasos.
Seu sofrimento era motivo de angústia. Nada era mais urgente que vê-lo gordinho, forte, com o pelo bonito, feliz e confiante.
No retorno dessa segunda cirurgia, mais sinais positivos. Ele chegou reconhecendo a caminha e seu espaço. Aninhou-se na caminha e dormiu, sentindo-se seguro e protegido.
Depois de 14 dias de muitos medicamentos, finalmente ele estava pronto para retirar os pontos.
Os dias revelaram também um aumento substancial em sua autoconfiança. Bidu é um cãozinho traumatizado. Tem adoração por seus novos amigos, mas deixava claro a estranhos que não aceitava aproximação.
Talvez ele nunca venha a ser um cãozinho sociável e carinhoso com pessoas estranhas.
Mas nem é preciso exigir isso dele. Tem todos os motivos do mundo pra ter os quatro pezinhos atrás com gente.
Ter a amizade e o carinho de meia dúzia já é suficiente pra ele.
A ansiedade era grande para vê-lo recuperado, livre de qualquer desconforto, tendo uma vida mais normal.
Já passava da hora dele poder tomar banhos regulares e participar da rotina daquela casa que agora também era sua.
As evoluções não param. Em um dos seus diários, a Solange nos contou que ele agora deu pra ter ciúmes dela. Quando está no colo, não deixa ninguém se aproximar e fica uma fera.
Quem vê esse anjo dormindo não imagina nada parecido com isso. Mas essa autoconfiança não podia ser melhor sinal.
O que antes era só uma desconfiança, foi confirmado. O menino estava se tornando um cãozinho manhoso e cheio de vontades.
E não está faltando quem lhe faça todas as vontades, o que só vai contribuir para agravar o quadro.
Mas isso não será problema. Ele merecia mesmo fazer as pazes com Deus.
Depois de 70 dias na casa da Solange, o Bidu era outro cãozinho.
Os passeios no jardim, que nos bons tempos aconteciam três vezes ao dia, agora já era reivindicado de hora em hora.
A preferência dele por aquele jardim vai acabar o transformando em um cachorrinho de jardim, com direito a casinha de cachorro no canto da varanda. Ele até que gostaria, mas essa vontade não será atendida. Ele é cachorrinho de dentro de casa e assim será. Jardim é lugar de passeio durante o dia.
Seu mundo se expandia a cada dia. Aquele cercadinho do início já não existe mais e o Bidu agora já tem acesso à casa e começa a reconhecer o ambiente.
Já se acostumou com todos da casa e aceita que façam carinhos e o peguem no colo.
Ele está feliz, alimentado e seguro.
Seu tratamento agora é com florais e outras terapias alternativas. Os males que ainda restam para serem curados são os da alma.
Os dias se passaram e o Bidu fazia novos avanços. Pedir colo, subindo nas pernas de sua mãe, foi um momento que pereceu o registro.
A roupinha nova de marinheiro foi a comemoração pela participação dele no primeiro banho coletivo da matilha.
Cachorros que tomam banho juntos, são amigos para sempre.
Acreditamos que este diário ainda vai longe, e teremos muito prazer em acompanhar e publicar cada novidade na vida do Bidu. Daqui em diante, deixaremos a narração com a Solange.
Sexta-feira, 22 de agosto de 2014.
“Bidu está ficando bege. Quando o pelo cresce e aumenta, fica dessa cor, mas depois ele vai clarear com certeza. As partes despeladas já foram preenchidas. A parte escura foi onde queimaram os cigarros no corpinho dele.
Ele ainda bebe muita água, é rouco e quando late muito a voz quase não sai. Creio que pelo fato de terem jogado água quente na garganta dele. Tenho de deixar muita água para ele e trocar varias vezes ao dia.
Quando coloco um agradinho na ração, olhem o que acontece. Mel e Melissa se aproximam, aguardando ele largar a vasilha pra atacarem a comidinha dele.
Nas fotos onde eles estão nas suas respectivas caminhas, todos os três estão no meu quarto durante a noite. Tem três noites que coloco o Bidu na sala de TV até na hora de dormir ai subo para o andar de cima e o levo pra dormir com agente. Ele não aceita mais ficar sozinho nem de dia nem de noite. Reclama mesmo.
Aceita a companhia das poodles, caso não tenha a minha companhia nem do meu marido nem da Irene, que trabalha aqui.
Já anda em parte da casa, que é bem grande. Ele conhece o andar de baixo e se perde cada vez menos. Sobe degraus, mas não consegue descer, tem medo e fica parado latindo e chamando.
E seguimos com muito amor e carinho por ele, cada vez mais nos apegamos e ele a nós.”
Bidu agora tem uma turma. E nada pode ser melhor pra um lobinho como ele que ser integrado a uma matilha equilibrada.
Um resgate de Solange Ikeda: slikeda@terra.com.br
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