Sua primeira grande perda foi o abandono. Ela apareceu em uma rua calma, demonstrando insegurança com a vida livre. Ficava cheirando por baixo dos portões, como se procurasse alguém conhecido.

Ela não era uma cadelinha de rua. Estava claro que teve donos. Pessoas em que ela confiava e pelas quais tinha adoração, como qualquer cão, jogaram-na na rua. Se um cão não puder confiar em seus donos, vai confiar em quem?

Os dias se passaram e ela se mostrava cada dia mais carente. Virava de barriguinha pra cima pra qualquer um que decidisse lhe dar um mínimo de afago.

Acabou fixando residência na abertura do padrão de luz de uma casa, onde os proprietários lhe ofereciam comida e água, preparando-lhe também uma cama improvisada.

Nesta casa, havia um Poodle chamado Shrek, por quem Fiona acabou se encantando (Aliás, o nome de Fiona lhe foi escolhido recentemente por sua protetora, em razão de sua história com Shrek).

Fiona e Shrek se davam muito bem. Era só abrir o portão que o Shrek corria para se encontrar com Fiona. Saíam juntos para pequenos passeios pelo bairro, já que Shrek era um legítimo representante dos semi domociliados (cães que têm donos mas que costumam sair sozinhos pelas ruas).

O tempo passou, Fiona entrou no cio e acabou prenhe de seu companheiro. Ela continuou na rua, vivendo no padrão de luz durante o dia e dormindo dentro de casa à noite. A essa altura, ela já tinha abrigo e cuidados médicos, dados pela família do Shrek. Foi vacinada contra raiva e recebeu tratamento para uma infecção nos olhos.

O tempo passou e o dia dos filhotes nascerem se aproximava. Ela tinha abrigo, mas, por alguma razão, preferiu buscar outro canto pra amamentar e cuidar dos filhotes.

Talvez não se sentisse amparada, talvez não se sentisse parte da família. O fato é que decidiu buscar sozinha o melhor lugar onde os pequenos pudessem nascer. Desapareceu por alguns dias e ninguém teve notícias dela.

Em uma manhã, Fiona voltou pra casa. Sem a barriga, com a cabeça baixa, sem vontade de fazer nada. Deitou em seu canto, nos fundos do padrão de luz, demonstrando toda a frustração de não ter conseguido cuidar de seus filhos.

Estava claro que ela havia fracassado como mãe. Nenhum filhote havia sobrevivido. Sem ajuda humana, sem abrigo adequado, sem alimentação de qualidade, este seria o desfecho esperado. Esta foi sua segunda grande perda.

Nos primeiros dias, mostrava-se triste, sem ânimo pra comer ou para os passeios com Shrek, que chegava a se deitar ao lado dela, como se a chamasse de volta à vida.

Mas cães se esquecem muito rápido o passado. Em poucos dias, Fiona e Shrek estavam de volta juntos, aproveitando os passeios desassistidos.

Mas eis que a vida lhe prepara mais uma grande perda. Em um destes passeios matinais, estavam eles deitados na calçada de uma padaria, quando alguém decidiu espantá-los, batendo os pés. Shrek se assustou e correu pra rua, sem ver o caminhão que se aproximava. Não teve tempo de reação e acabou morrendo ali mesmo.

Muito assustada com a cena, Fiona corre para a casa e se deita nos fundos do padrão. Não se levantou de lá até ver uma moradora da casa com o Shrek morto dentro de uma caixa de papelão. O portão foi aberto e ela entrou, coisa que não gostava muito de fazer. Mas ela precisava se despedir do amigo.

A despedida foi triste. Ela se deitou ao lado do corpo, como se o pedisse pra levantar. Pedia, a seu modo, que ele tivesse forças, que acordasse daquele sono, que não desistisse da vida.

Quando percebeu que Shrek não acordaria mais, ela se acomodou ao seu lado, onde ficou até a hora que os donos vieram buscá-lo para que fosse enterrado.

A sua segunda chance demorou muito. Ela continua morando no padrão de luz. Isso porque, depois da morte do Shrek, ela não quis mais entrar em casa. Os donos do Shrek tentaram chamá-la, mas ela recusava-se a entrar.

Não lhe faltava uma caminha, ração e água, mas a segurança de uma casa e os cuidados de uma família, a vida não lhe trouxe.

Algum tempo se passou, sua história tornou-se conhecida e, finalmente, uma nova segunda chance.

Foi adotada, ganhando, além de uma ótima família, um novo companheiro canino e alguns tigrinhos. Ela hoje tem um território, um terreiro bem grande, onde ela adora correr e gastar a energia que não precisa mais ser gasta lutando pela vida.

Um resgate de Jéssica: jjessicasa@hotmail.com

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