Insetívoro e de fácil adaptação aos meios mais variados, o bem-te-vi sempre descobre novas fontes de alimento. Dado à predação de ninhos de outras espécies, caça marimbondos, formigas e abelhas. À beira-rio, pega pequenos peixes e à beira-mar, vasculha as pedras das áreas de arrebentação para apanhar crustáceos.
Sabemos que o Bem-te-vi é um predador voraz, capaz de saquear ninhos de outras aves.
Mas assistir ao vivo um exemplar atacando um filhote de rolinha quase adulto, pegando-o em pleno vôo, foi demais.
Esta talvez seja a pequena e sutil diferença entre o ambientalista e o protetor de animais. A batalha entre predador e presa sempre existiu e faz parte do equilíbrio da natureza.
A cena fazia parte da paisagem e o “correto”, talvez, fosse apenas assistir, sem interferir e deixar que a vida seguisse seu curso.
Mas depois do último golpe, ver aquela filhotinha acuada no canto do muro, tentando lutar pra se desvencilhar do predador, não foi uma cena natural pra nós.
Pra um protetor, cada vida conta e foi por isso que, sem nenhuma vergonha ou peso na consciência, nós nos intrometemos e deixamos um bem-te-vi com fome. Desculpe, amigo, mas vá procurar outra presa. Essa aqui, também por força do acaso, cruzou o nosso caminho.
A rolinha, que chamaremos de Florisbela, foi salva da morte, mas foi também trancafiada em uma gaiola. Claro que, entre a morte natural e uma vida na gaiola, seriamos os primeiros a escolher a morte pra ela.
Mas a Florisbela, nossa prisioneira, não ficaria trancada por muito tempo.
O ataque foi grave e lhe rendeu algumas penas das asas fraturadas. Ela vai se recuperar, mas talvez precise de tempo pra substituir as penas machucadas.
No estado em que estava, soltá-la não seria mais opção.
Recebemos uma nova hóspede. Mas tínhamos também estrutura para recebê-la e fazer o que é “certo”. E assim foi feito.
Nosso viveiro de aclimatação no santuário estava fechado. Cuidávamos da aclimatação final de dois trinca-ferros trazidos pelo IBAMA que, em razão de brigas, tiveram a liberdade adiada.
A chegada da menina em nosso território foi bem tranquila. Ela estava assustada e cansada da viagem, mas inteira.
Assim que a portinha da gaiola foi aberta, ela saiu andando, ainda sem ameaçar voar.
Descansou por um tempo, permitiu ser fotografada e até ensaiou um cochilo, ali mesmo no banco de areia.
Depois de alguns minutos, buscou a proteção das árvores. Ela já é quase adulta e viveu na gaiola apenas cinco dias. Não havia desaprendido.
Claro que para viver em um território quase selvagem, ela terá que aprender a voar um pouco melhor do que já estava voando e, pra isso, ela fará a aclimatação por alguns dias.
Estava muito assustada e fugia diante de qualquer tentativa de aproximação, mesmo que fosse apenas para abastecer os comedouros.
E era bom que fosse assim. Quanto mais longe ela se mantiver das pessoas, menos risco vai correr. Não que ela esteja fora de perigo. Pelo contrário, ela está em um ambiente natural com predadores que, na cidade, ela não encontraria, mas a vida a dotou de habilidades e da capacidade de sobreviver.
Do lado de fora, um bando inteiro espera por ela.
O tempo passou e Florisbela mostrava-se cada dia mais arredia. Debatia-se contra as telas e mostrava-se tensa com a aproximação humana.
Isso apenas nos mostrava que ela estava pronta para a liberdade. Nunca foi nossa intenção “amansá-la”. Pelo contrário, não existe manejo no processo de aclimatação que antecede à soltura. A intervenção humana limita-se a abastecer os comedouros do viveiro.
Florisbela refugiava-se e se escondia. Tinha alguns “amigos”, embora sendo de espécies diferentes, não tivessem nenhum grau de relacionamento.
E é bom mesmo que se acostume, já que no entorno do viveiro, além de algumas de sua espécie, ela encontrará mesmo uma rica variedade de fauna.
E que fique atenta, pois durante alguns meses do ano, sobretudo durante a produção de algumas frutas, os bem-te-vis também costumam aparecer.
Mas Florisbela já estava forte quando a convidamos a sair. Não será importunada e saberá muito bem livrar-se das encrencas da vida.
Já está em liberdade, mas continua visitando diariamente o viveiro.
Hoje ela tem uma família, ou melhor, um bando.
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