Quem conhece a raça sabe que um dos problemas mais comuns nos Cockers é a catarata. Com a idade, ela chega e provoca cegueira. Mas quem já viveu a experiência sabe também que o principal sentido do cão é o olfato e não a visão.

Por isso, a perda da visão não os impede de levarem uma vida normal. Em poucos dias se adaptam a novos ambientes ou a novos donos, como um cãozinho qualquer. São capazes de reconhecer os lugares, os móveis, as escadas.

Temos histórias de cãezinhos cegos que, uma semana depois de terem sido adotados, já sabiam correr dentro de casa, desviando dos móveis, subindo e descendo de camas e sofás, conseguindo encontrar os donos atendendo a um simples chamado.

Enfim, não há razão para preconceito. A idéia de que um animal especial dá muito trabalho é mito. Ao contrário, a convivência com um animal assim nos faz crescer e evoluir. Sentimo-nos quase tão especiais quanto eles.

Com a adoção, ganham os animais, é claro, mas ganha muito mais aquele que os recebe.

Francisca. Não por acaso o nome de São Francisco, o símbolo maior do amor pelos animais.

Ela viveu muito. Teve donos e acreditamos que tenha sido bem tratada. De outra forma, não teria chegado tão longe. Mas o tempo passou e a idade trouxe a catarata e, com ela, a cegueira. Total e irreversível.

Foi abandonada, simples assim. Uma cadelinha de raça pura, frágil e sem a visão não se aventuraria a colocar sequer o focinho pra fora dos portões de sua casa. Os sinais do abandono são evidentes. Foi jogada na rua pra morrer. Quem o fez, sabia que morreria em questão de horas.

O abandono é só uma forma diferente de matar, talvez a mais lenta, cruel e covarde.

Por sorte, uma protetora a encontrou antes do acidente. Foi levada para a Cão Viver, onde recebeu a assistência que lhe faltou ao longo da vida. Ela estava doente e muito debilitada. O estado era grave e tudo indicava que não poderia ser salva.

Estava claro que ela não chegou àquele estado depois de ter chegado às ruas. Foi abandonada pelos donos, muito antes de ser despejada. É o caso clássico do “abandono detrás dos muros”. O animal é largado nos fundos de um canil, sem cuidados, sem abrigo, sem qualquer assistência, sem condições mínimas de sobrevivência, algumas vezes sem comida e água suficientes e sem higiene. Muitas vezes são, literalmente, esquecidos.

Esse era o caso da Francisca. Não era apenas a doença e a dor física. Ela estava deprimida e sem forças pra continuar vivendo. Parecia ter desistido. Isso foi lá pelos idos de Dezembro de 2011.

Conhecemos sua história em Janeiro, quando preparávamos uma matéria especial para Goiaba e Angel, os dois velhinhos jogados de uma caminhonete importada. Por coincidência, Angel era uma Cocker, também cega. Naquela ocasião, Francisca estava na enfermaria, tomando soro em razão de uma desidratação, provocada por uma profunda depressão e tristeza.

Ainda assim, nos atrevemos a fazer algumas fotos dela, na esperança de que pudessem ajudar a escrever um final feliz pra ela. Chegamos a divulgar as fotos na campanha “Pela inclusão social”, mas sem muita ênfase, já que ela ainda teria um longo tratamento pela frente.

http://oloboalfa.com.br/goiaba-e-angel-juntos-pela-inclusao-social/

Retornamos à Cão Viver algumas outras vezes e, em cada uma delas, estava a Francisca em tratamento, lutando pela vida. Chegamos mesmo a desistir de fazer novas fotos, acreditando que fossem inúteis.

Mas, cinco meses de cuidados da Cão Viver foram suficientes pra mudar esta história. No final de Maio de 2012, em mais uma visita para fotos de rotina, encontramos a Francisca em um cercado, em companhia da Yasmim, também cega. Ela estava bem. Fizemos a primeira foto ainda de fora do canil. Ela usava um vestido rosa e já se mostrava mais confiante. Ficava cheirando a grade, como se buscasse uma saída ou apenas quisesse saber quem estava chegando.

Não resistimos e decidimos entrar para conseguir melhores imagens e dar a ela uma chance de verdade. Precisávamos preparar uma matéria que fosse só dela, com força de alcance, capaz de chegar a alguém quase tão especial quanto ela.

Esperávamos ser recepcionados com festa. Mas ela não tem mais idade pra isso. Se aproximou, apenas pra saber quem estava entrando, voltando a seguir para seu posto, como se vigiasse o portão na esperança de poder sair.

Francisca 4

Assim que percebeu que o portão não se abriria, decidiu vir nos cumprimentar. Ela gosta de carinho e de companhia mas, na ordem de prioridades, a liberdade vem primeiro. Claro que não falamos de vida livre, mas da liberdade de um território, de uma casa, de poder se movimentar um pouco mais que naqueles apertados 2 metros quadrados.

Às vezes, levantava a cabeça e fitava um ponto qualquer no alto, como se visse amigos imaginários. Talvez eles estivessem mesmo lá, tentando conduzi-la para poses melhores.

Sua sorte foi lançada em um anúncio de sexta-feira. Se Angel, Baltazar, Losk e Magela encontraram seus anjos, tínhamos motivos suficientes para acretirar que o dela também estivesse a caminho. Em algum lugar alguém poderia reconhecer suas fotos.

Esse alguém tinha nome e endereço. Thalita é o nome do anjo que foi enviado pra ela. Ela ganhou uma família e um território que foi preparado com carinho pra recebê-la. Pena Francisca não poder ver tudo aquilo. Ela se sentiria amada de verdade, como nunca foi.

Mas isso não tem nenhuma importância. Ainda que não fosse cega, cães não enxergam todas as cores. Além do mais, como não se sentir amada, com todo este cuidado e carinho?

Francisca não precisa mais dos amigos imaginários. Ela agora tem os melhores donos, pessoas que farão tudo por ela. Seus amigos imaginários sentirão saudade, mas não poderão acompanhá-la. Eles serão agora amigos imaginários de outros cãezinhos mais necessitados de ajuda.

Seja feliz, Chiquinha. A você Thalita, muito mais que gratidão. Deixamos registrada nossa admiração. Orgulhamo-nos muito de fazer parte do seu mundo.

Nas fotos abaixo, muito tempo depois da adoção, a Francisca, em uma visita à Cão Viver. Aquele lugar e as pessoas que ela encontrou lhe trouxeram lembranças. Ali ela foi recebida e teve afeto. Não foi a melhor fase de sua vida, porque os tratamentos aos quais se submeteu foram longos, cansativos e doídos.

Mas, mesmo assim, ela prerecia a vontade, um pouco introspectiva, talvez por sentir a presença de antigos amigos de sua espécie, e que não tiveram a mesma sorte que ela.

Fique tranquila Chica. Acreditamos em mudanças. Em breve, nenhum amigo seu viverá muito tempo em um abrigo.

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