Este menino é um bichinho do mato. Mesmo assim, foi arrancado de sua mãe enquanto ainda mamava e criado como se fosse um cachorrinho, dentro de casa.
Foi apreendido pelas autoridades ambientais e levado ao Cetas de Belo Horizonte.
A espécie é muito comum na região de Minas Gerais, sendo um dos menores cervídeos do mundo, encontrado em grande parte do Brasil, na Argentina, Uruguai e Paraguai. Seu nome científico é Mazama gouazoubira, mas tem vários nomes populares, sendo conhecido como veado-virá, virá, virote, veado-branco, guaçutinga, guaçucatinga e guaçubirá.
Ele estava bem e as autoridades precisariam tentar uma reintrodução. Entretanto, ele havia sido amansado e, com o manejo diário, as chances de reintrodução seriam bem reduzidas.
Foi aí que surgiu a ideia de tentar uma alternativa, de mantê-lo fechado e seguro, sem contato humano, mas em um espaço que simulasse a vida livre, sem os perigos dela.
Ledo engano o nosso acreditar que os perigos da vida livre pudessem ser evitados.
Tínhamos um recinto vazio que seria perfeito pra ele. No total, 20.000 m2, sendo metade em mata nativa e metade em capim Tanzânia, com touceiras que chegam a 2 metros de altura, recortado de trilhas, água corrente, abrigos feitos com quiosques de piaçava e até um pequeno rancho de alimentação, tudo cercado com tela de alambrado e sanção do campo.
Claro que não estamos à prova de predadores como suçuaranas, mas esse risco é parte do processo.
A região já é habitada por veados da espécie, que costumam comparecer aos cochos dos cavalos, pra filarem sal mineral. O espaço destinado pra ele é totalmente fechado e separado do espaço ocupado pelos cavalos.
Dar nomes a animais silvestres prestes a serem libertados não é a melhor forma de não nos afeiçoarmos, mas neste caso, dar nomes e atribuir a eles pensamentos e sentimentos humanos é a forma mais eficiente de despertar e sensibilizar, levando as pessoas a se colocarem no lugar deles.
Veado é um animal de hábitos solitários e naturalmente arredios. Criá-los como Pets, definitivamente, não é a forma mais adequada para ajudar em sua evolução espiritual. Eles não se sentem amados por viverem dentro de casa. Pelo contrário, se sentem prisioneiros, pois têm espírito livre.
Francisquinho, como decidimos chama-lo, chegou ao nosso território em uma caixa de transporte bem grande e escura, para minimizar o estresse.
A caixa foi posicionada na entrada do recinto e a porta aberta.
Ele levou alguns minutos dentro da caixa, observando tudo e tentando entender onde estava.
O ambiente, que deveria ser natural, parecia estranho pra ele. Faltou coragem para saltar e correr para a liberdade.
Ele então tentou olhar em volta, esticou o pescoço e colocou a cabeça pra fora, como se vistoriasse a nova moradia.
Logo depois, uma última olhada pra dentro da caixa, como se conferisse o que estava deixando pra trás.
Apenas alguns passos separavam sua antiga vida daquele novo começo.
Chiquinho é um machinho ainda jovem, quase um adolescente, embora já tenha atingido o tamanho adulto. A espécie não é dotada de grandes galhadas. O veado-catingueiro tem apenas um pequeno chifre, que no caso de nosso amiguinho, é pequeno e vai crescer um pouco mais.
Logo depois dos primeiros passos, ele levantou a cabeça e olhou com maior interesse para o que estávamos lhe oferecendo.
Deu alguns passos, parou mais uma vez, olhou para trás e seguiu, sem pressa alguma.
Daquele pequeno descampado, ele subiu o morro em direção ao que seria o “alto da serra”.
Pegou uma trilha em capim alto e desapareceu totalmente.
A Fazenda não recebe visitantes e ele terá a privacidade e isolamento necessários para uma tentativa de recuperar a vida livre.
Durante mais de duas semanas, ele não foi mais visto. Em uma área tão grande e bem camuflada, ele só seria visto se ele mesmo se apresentasse.
Infelizmente, foi o que aconteceu. Ele descobriu um canto do recinto, de onde era possível avistar a casa sede da fazenda, e passou a ficar ali com maior frequência, vigiando o que não deveria lhe interessar.
Ele chegava a esticar o pescoço pra avistar o pouco movimento. A Fazenda não é aberta, não recebe visitantes, tem apenas um empregado e é bem isolada, longe de estradas.
O isolamento era perfeito pra ele, mas Chico não dava sinais de que poderia ser solto.
O recinto oferece tudo que ele precisa. Tem pasto em abundância, tanto de Tanzânia, um capim altamente nutritivo e palatável, quanto de Capitinga, uma espécie de capim nativo que cresce no interior e bordas da mata e que os veados muito apreciam.
As visitas humanas ao recinto acontecem apenas uma vez por semana, para conferir o tanque de água, abastecer cocho de sal ou introduzir outros sabores, como frutas da estação.
Nas primeiras semanas, essas visitas nem sequer eram notadas pelo morador. Tudo caminhava bem, até que ele percebeu a presença humana em seu território.
Ele passou a vigiar todo o recinto e buscar interação. Chegamos a tentar espantá-lo e assustá-lo, mas gritos e gestos não o dissuadiram da ideia de manter contato.
Francisquinho não tem medo de gente, de cachorros, de outros animais de fazenda. Entretanto, ainda é cedo pra fechar diagnóstico e condená-lo a uma vida de cativeiro. Zoológico ou qualquer outro tipo de recinto não era o que ele merecia.
O melhor seria insistir e continuar tentando dar a ele uma vida mais próxima possível de uma vida livre, mesmo que ele não fizesse questão da liberdade.
Por algum tempo, ele viveu bem ali. Tinha espaço e tudo o que precisava para se tornar um veado livre.
Entretanto, a liberdade que esperávamos dar a ele não veio. Mas veio outra, cuidadosamente planejada em planos mais elevados.
Chiquinho passou a frequentar as telas com maior frequência, vocalizando e se expondo, mais do que sua mãe o teria ensinado, se ele tivesse tido a oportunidade de aprender alguma coisa com ela.
O resultado de tanta exposição foi pra ele um novo começo, em outra vida. Sua presença foi notada por seu maior predador.
Uma Suçuarana invadiu o recinto e o matou. Foi um choque pra todos nós, e nunca vamos aceitar que isso possa ter sido um final feliz, mas foi o que tínhamos de melhor a lhe oferecer.
Seu retorno será em breve e, dessa vez, que possa ser criado por sua mãe, no mato onde é o seu lugar. Que animais como ele nunca sejam capturados ou mortos por caçadores. Veados são mamíferos de vida livre e de hábitos solitários. Na escala da evolução espiritual, eles ainda estão distantes de poderem interagir com humanos.
Volte em paz, Chiquinho. Por aqui, vamos continuar tentando conscientizar os homens, para que histórias como a sua não se repitam.
Ficaremos com a lembrança dos seus primeiros passos para a liberdade.
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