Nosso personagem da vez é um Papagaio-moleiro, nome científico “Amazona farinosa”, que significa papagaio da floresta Amazônica borrifado com farinha. Ganhou o nome de Gael depois que chegou às nossas terras.

É o maior papagaio do Brasil e é encontrado em florestas densas. Ele foi trazido do Pará, na Boleia de um caminhão, num tempo em que as pessoas ainda se julgavam no direito de aprisionar e escravizar. (Ledo engano achar que isso não acontece mais).

Viveu em cativeiro por aproximadamente 25 anos, até que um dia ele ficou órfão de dona e os familiares de sua tutora acharam que ele precisava de um destino diferente.

Assim ele chegou às nossas mãos, confinado em uma pequena gaiola. Era uma gaiola de transporte, mas refletia bem o que foi uma vida inteira de provações e reclusão. Não existe cativeiro adequado. O único lugar adequado para um animal silvestre é na natureza.

E se um dia ele foi tão machucado, é tempo de tentar corrigir, pelo menos em parte, dando a ele uma chance de vida.

Nosso menino chegou ao santuário em uma manhã de sábado. Ele estava nervoso e assustado, mas logo se mostrou curioso com o mundo que se descortinava.

Nem sempre é possível o final feliz que desejamos, mas nossos mentores já nos ensinaram que “toda reintrodução é bem sucedida”, e que “mais vale um dia em liberdade, que toda uma vida em cativeiro”.

O cativeiro aprisiona, congela e interrompe o processo evolutivo. Cada espécie traz características que os capacita a viver as experiências que necessitam, nessa longa jornada que chamamos de vida. Aprisionar é matar lentamente.

Precisamos corrigir nossos erros e reconduzir tantas almas aprisionadas ao caminho evolutivo do qual nós os arrancamos. Muitas vezes, o desvio foi tão significativo que é preciso recomeçar, em outra vida.

E é aí que precisamos nos conformar com os finais, confiando de que, se a felicidade não chegar para algum de nossos protegidos, é porque ainda não chegamos ao fim. Às vezes, um santuário é apenas uma pequena parte do caminho.

Como qualquer psitacídeo, Gael é animal de bando e precisa de companhia. Não seria fácil encontrar pra ele outros de sua espécie, pois ele estava bem longe de casa, mas tínhamos dois moradores no viveiro, que ali também estavam esperando pela Liberdade.

Um deles é o Juninho, uma maritaca que ainda não teve coragem de deixar o viveiro, embora já lhe tenhamos oferecido a liberdade.

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O outro é uma fêmea de papagaio-verdadeiro, que também ficou órfã de dona e teve a sua segunda chance.

Zequinha chegou por aqui apenas uma semana antes, no início do outono, quando as amoreiras do viveiro estavam iniciando a frutificação.

Uma semana depois, chegou o Gael, quando os frutos estavam no auge. Assim que o Gael chegou ao santuário, colocamos sua gaiola dentro do viveiro e abrimos a portinha.

Ele então empoleirou na gaiola e passou um bom tempo avaliando o lugar. Parecia não entender o que se passava.

Dos galhos da amoreira, uma algazarra que as lentes não mostram, com a vocalização de Juninho e Zequinha dando a ele as boas vindas, bem ao estilo dos psitacídeos.

Zequinha até improvisou uma dancinha, pra mostrar que estava receptiva àquele forasteiro bonitão.

Infelizmente, eles são de espécies diferentes. Seria perfeito assistir uma nova versão de Driano e Arinúbia, mas seria pedir demais ao céu. Não tínhamos essa expectativa.

O Gael se acostumou à solidão e, se ele puder voar livre o resto da vida que ainda tem, já nos daremos por muito satisfeitos.

Restava-nos acompanhar a evolução dele em nossas terras. Pra nossa tristeza e quase desespero, ele não usou as asas pra deixar a gaiola.

Bico e pernas compunham seu aparelho locomotor. Que pena! Não era o que desejávamos, nem o que ele merecia, mas ainda confiávamos de que as coisas poderiam mudar.

Ele caminhou pelo chão de terra, procurando um caminho pra chegar à copa da amoreira, até se empoleirar em uma laranjeira, ainda pequena e de galhos finos.

Do alto, Juninho e Zequinha o observavam curiosos.

Da laranjeira para um arbusto de fruta-do-sabiá, onde ele se equilibrava com dificuldade. Os galhos finos e flexíveis eram desconfortáveis pra ele, mas fazem parte do treinamento.

Na natureza, ele não vai encontrar somente poleiros retos e fixos.

Dói muito ver um animal silvestre encontrando tanta dificuldade na preparação para a liberdade. Ele nasceu livre e deveria dominar a natureza com desenvoltura. Toda essa dificuldade é a confirmação do tamanho da covardia que lhe fizeram.

Ele ficou ali nos galhos do arbusto por muito tempo, até que decidimos mostrar a ele o que o esperava no andar de cima.

A amoreira estava carregada de frutos, como sinal de boas-vindas.

Oferecemos a ele o novo sabor. Talvez ele não conheça, mas é certo que vai gostar. Papagaios são frugívoros e amoras são parte importante do cardápio dos recém-libertados nessas terras. A Fazenda foi reflorestada com frutíferas e são mais de 300 amoreiras que produzem boa parte do ano.

Depois de experimentar a amora, ele resolveu usar o poleiro que improvisamos pra ele, fazendo uma ponte do chão até o alto da amoreira.

Não era o caminho que queríamos que ele usasse. Preferíamos vê-lo usando as asas, mas sabemos que algumas reintroduções são mais lentas. Ele vai precisar de mais tempo, mas daremos a ele o tempo que for necessário.

O papagaio moleiro tem tendência à obesidade e uma dieta à base de girassóis pode ser bem perigosa pra eles. Talvez por isso ele esteja com dificuldade de voar. O sobrepeso atrapalha.

De qualquer forma, naquele momento, vê-lo no alto já foi um grande avanço. Sabemos que a espécie habita as copas das árvores nas florestas mais densas e esperávamos que os instintos sufocados pelo cativeiro pudessem aflorar e conduzi-lo à liberdade.

E, assim que chegou ao alto, logo encontrou uma forma de alcançar as amoras.

Nas semanas seguintes, ele se esbaldou de amoras. Depois, vieram os coquinhos, as mangas e até os girassóis, que ele conhecia tão bem, mas que aqui são servidos “in natura”. Terá que aprender a arrancar as sementes direto das flores.

Ele já estava pra lá de adaptado ao nosso viveiro, mas essa não era a nossa intenção. O viveiro é apenas um caminho, um campo de treinamento. Queremos vê-lo voando com desenvoltura e ansiando pela liberdade do lado de fora das telas.

Ele tinha em casa dois bons exemplos. Juninho e Zequinha voavam bem e logo teríamos que abrir o viveiro pra eles.

Algumas semanas depois, quis a vida que outros papagaios cruzassem nosso caminho. Negão, Cravo, Eva e Rosinha viveram juntos por muito tempo em cativeiro, mas seus donos decidiram oferecer a eles uma chance de vida livre.

Eles chegaram em etapas, primeiro Cravo e Negão, depois Eva e Rosinha. Eles são da mesma espécie do Zequinha e esperávamos que formassem um pequeno bando.

Dessa vez, foi ele, o Gael, quem se mostrou curioso diante da chegada dos forasteiros.

Os novos moradores já tinham algum entrosamento e logo iniciariam um pequeno bando livre. Só precisavam agora se descontaminar um pouco da presença humana.

Poleiros não faltam no viveiro, e todos eles preparados pra simular um pouco do que encontrarão do lado de fora.

Os papagaios-verdadeiros são os mais comuns, muito abundantes em toda a região do santuário, e também os que mais são vistos em cativeiro.

Eles sabiam voar, mas precisavam com urgência se descontaminar da vida urbana e da companhia humana. Eles conversam entre eles, numa linguagem que não é natural. Preferíamos ouvi-los vocalizando, mas sem pronunciar sílabas e nem formar palavras.

Devemos deixar essa coisa do “quase falando” para os lobos, esses sim em estágio evolutivo mais adiantado.

Enquanto o bando se preparava para a liberdade, Gael e Juninho, os dois solitários, ficavam por ali, tentando interagir, mas formalmente ignorados.

A amoreira se tornou o refúgio do Gael, que percorria o viveiro diariamente, usando as pernas e as diversas pontes que preparamos pra ele.

O Juninho terá mais sorte, pois maritacas são abundantes na região e muitos bandos visitam as frutíferas no entorno do viveiro.

Não sabemos se ele tentará acompanhar um dos bandos, e nem se terá asas pra ir tão longe, mas acreditamos que é uma questão de tempo.

A espécie do Gael também habita as matas mais densas de Minas e São Paulo, mas esses estados não oferecem mais matas tão densas quanto as do Pará.

Gael talvez não encontre outros de sua espécie na região. Ainda assim, achamos que ele merece a liberdade. Que ela venha ainda nesta vida, mesmo que seja por pouco tempo. E quando chegar a hora de se despedir, que nossos amigos invisíveis o conduzam a algum ninho no meio de uma floresta bem densa, lá pelos lados do Estado do Pará, de onde ele não deveria ter saído.

Até lá, nossa amoreira vai puxando da memória instintiva dele as lembranças da vida livre.

E enquanto a liberdade não vem, ele vai se preparando, aproveitando o pouco que podemos oferecer, do muito que o tiramos.

Cravo e Negão são os mais adaptados e que voam melhor. O Gael tem observado bem e, algumas vezes, o flagramos se preparando para um voo. Não sabemos se ele já tentou alguma vez.

Os movimentos são discretos, mas ele abre levemente as asas e a cauda, nos mostrando que está pronto pra tentar.

A vasilha de água, que nos primeiros dias penduramos nos galhos mais próximos, não está mais lá.

Sabemos que instintivamente, ele vai buscar os galhos mais altos. Então, a água, semelhante ao que ocorre na natureza, estará sempre no baixo, e ele terá que se esforçar para alcança-la.

Sinto muito, amigo, mas você precisa se exercitar e perder essa pança.

Por enquanto, ainda está usando as pernas para descer até a fonte, mas com tempo, ele vai perceber que é mais fácil bater as asas.

Entre os 5 da mesma espécie, ainda não temos um bando, mas eles estão se aproximando aos poucos. Talvez, quando o primeiro deixar o viveiro, os outros o acompanhem.

O nosso Gael precisará de mais tempo. Talvez ele se torne um morador definitivo, mas se isso ocorrer, será por vontade própria, pois, de tempos em tempo, o viveiro será aberto e daremos a ele a oportunidade de sair.

Animais silvestres não deveriam se conformar com o cativeiro. Não é o que queremos pra ele e não temos a ilusão de achar que nosso viveiro é bom.

É grande sim, mas continua sendo uma prisão. O desejo é que todos os nossos hóspedes deixem o viveiro.

Claro que muitos deles não terão vida longa fora das telas, mas em alguns casos, este é o único caminho para a liberdade.

Reintrodução é um caminho sem volta e, de uma forma ou de outra, eles sempre chegam à liberdade.

Já recebemos animais com deformidades nas asas, que nunca poderiam voar. Por mais de uma vez, acreditamos que teríamos um morador permanente, mas a vida tem seus métodos pra devolver cada um deles à natureza.

O processo de reintrodução é lento, mas é contínuo e certo. Eles serão livres, ainda que pra isso, precisem nascer de novo.

Às vezes, a passagem vem através de predadores. Outras, por acidentes ou mesmo por escolha dos anjos que vêm busca-los, sem causas aparentes.

Um santuário é apenas uma parte do caminho, que é longo demais pra conhecermos o fim da história. O final vai muito além do que podemos ver e acompanhar.

Já nos preparávamos para soltá-los quando o santuário recebeu mais uma hóspede. A última a chegar pra completar o time foi a Mari, uma maritaca da mesma espécie do Juninho. Esperávamos que eles se enturmassem e pudessem deixar juntos o viveiro.

Mari foi encontrada no estacionamento de um supermercado, com as asas aparadas. Talvez tenha saltado para a liberdade, através de uma janela no alto de um prédio. Não sabia ela quantos perigos havia ali do lado de fora, mas a vida conduziu muito bem sua trajetória.

Foi encontrada, resgatada e abrigada em outra gaiola. Parecia mesmo sina, mas na verdade, aquela segunda gaiola era apenas uma parte do caminho que se traçava. Viveu com seus salvadores por alguns meses, tempo em que passou por completa muda de penas e pôde, finalmente, conhecer a extensão de suas asas. Agora sim ela tinha envergadura suficiente para ganhar o céu.

Assim que suas asas cresceram, seus amigos nos pediram ajuda para devolvê-la à natureza. E foi com essa esperança que ela chegou por aqui.

Sua chegada foi acompanhada por vários pares de olhos curiosos, mas nenhum mais interessado que o Juninho.

Ela deixou a gaiola escalando as grades, o que era um sinal de que talvez sua preparação durasse mais tempo.

Receber pássaros que usam mais as pernas que as asas é sempre motivo de muita tristeza, pois significa que o cativeiro durou tempo suficiente pra fazer estragos.

E dali das grades da gaiola, ela recebeu as primeiras boas-vindas. Um arbusto de goiaba se espichava até ela, que prontamente aceitou o convite.

Folhas de goiabeira não são exatamente uma refeição de boas vindas, mas já valeu pra ela experimentar novos sabores . Na natureza, as dietas são mais diversificadas e é isso que nossos hóspedes precisam também aprender.

Como ela não se desgrudava das grades e parecia insegura de soltá-las, decidimos então dar uma mãozinha. Mas a última vez que ela empoleira em dedos humanos.

Estávamos mesmo angustiados com aquele momento, quando a Mari decidiu nos agradecer da forma mais bela que poderia.

Dali mesmo, pousada em minhas mãos, ela bateu as asas, com vontade, como se nos mostrasse o que sabia fazer.

As câmeras registraram o momento, que não durou mais que alguns segundos. As fotos nos permitiram também saber que suas penas já estavam recompostas. Instrumentos para voar ela já tinha.

Mais uma pequena pausa nos dedos, um novo bater de asas e, dessa vez, um voo curto e seguro até um arbusto próximo.

Logo encontrou um comedouro. Deixamos uma pequena vasilha de água, mas em seguida, um voo mais consistente nos mostrava que ela não precisava de muitas facilidades.

Enquanto ela comia, de longe Juninho a observava. E assim foi a sua chegada ao nosso território. Tínhamos formado uma grande família e eles ganhariam a liberdade juntos.

Esperamos que a história de Gael, Juninho, Mari, Zequinha, Cravo, Negão, Eva e Rosinha, sensibilize e desperte homens, para que outros como os nossos personagens tenham também uma segunda chance.

É tempo de despertar. Animais silvestres não podem mais permanecer escravos. Os cativeiros devem ser denunciados, para que sejam resgatados pela polícia ambiental e devolvidos à natureza.

Os nossos hóspedes ganharão a liberdade, e desejamos que essa liberdade seja exercida em sua plenitude, ainda que pra isso precisem nascer de novo.

É isso, amigos. Que vocês esqueçam a dependência. Assim que deixarem o viveiro, do lado de fora, terão à disposição bebedouros e comedouros, sempre preparados para lhes dar o suporte necessário nos primeiros meses.

Esses primeiros meses serão uma parte da preparação, com maior liberdade e maiores perigos. Não percam o foco.

Queremos que vocês descubram as frutas silvestres e sejam capazes de se alimentarem sozinhos. Com o passar do tempo, visitem menos os nossos comedouros. É importante que vocês se tornem independentes.

Os girassóis plantados dentro do viveiro são para o treinamento de vocês. Do lado de fora, também terão uma roça de girassóis, de milho e muitas e variadas frutas. Fome vocês não sentirão.

Tomem cuidado com os predadores, pois nessas terras, eles estão por todos os lados. Contudo, se um deles cruzar o caminho de vocês, não sintam medo. Em alguns casos, eles são o caminho para a verdadeira segunda chance.

A reintrodução é apenas uma pequena parte do caminho. O objetivo final é recolocar almas nos trilhos.

Por favor, mantenham-se longe dos homens. Não somos seus amigos. Vocês nos aceitaram por necessidade, por imposição, por condicionamento, pela covardia do cativeiro.

Fujam dos homens como o diabo fugiria da cruz. Resistam à tentação e não acreditem na oferta de comida fácil.

Vocês estarão bem nutridos, quanto mais diversificada for a dieta. E, acreditem, vocês terão frutas variadas em todas as estações do ano.

Fiquem aqui por perto que não sentirão fome. Só partam quando se sentirem fortes e capazes de viverem livres. O tempo lhes dará essa condição.

Entre a chegada do primeiro membro dessa nova família e o dia da soltura, foram muitos meses. Juninho chegou por aqui em 2018, mas em meados de 2019, Zequinha chegou pra começar a formação de um time.

Depois da chegada da Mari, foram meses de preparação, até que todos estivessem voando. As duas maritacas e os cinco papagaios verdadeiros já estavam prontos para uma nova etapa.

Somente o nosso Gael ainda não estava no ponto de soltura. Ela já voava o viveiro inteiro, mas não com a desenvoltura necessária para a vida livre.

Em abril de 2020, achamos que já era hora de acabar com a quarentena. Juninho e Mari, que esperávamos formassem um pequeno bando de dois, não se entendiam muito bem.

Como a espécie não tem dimorfismo, é possível que ali tenhamos dois machos ou duas fêmeas. O fato é que eles não se uniram, mas de qualquer forma, estavam prontos para a liberdade.

Entre os papagaios, os atritos também ocorriam, principalmente com o Gael, que é de uma espécie diferente dos demais.

As maritacas, embora bem menores, também se atreviam a tirar satisfação com os papagaios.

Então, chegamos à conclusão de que o tempo de cativeiro tinha chegado ao fim. Eles já estavam bem, voando com desenvoltura e deixando claro que ansiavam pela liberdade.

O dia da soltura chegou e algumas cenas são figurinhas repetidas.

Juninho foi o primeiro e único a deixar o viveiro no primeiro dia.

No dia seguinte, entrou novamente e não saiu mais. Parecia que queria confirmar se teria pra onde voltar se tudo desse errado.

Quando saiu em definitivo, ficou ali nas telas do viveiro, olhando para dentro. O nosso desejo talvez seja interpretar aquilo como uma despedida, ou mesmo um agradecimento. Mas a verdade é que está mais pra “Até nunca mais”.

Claro que eles não sentirão saudades, e nem têm motivos pra agradecer. Afinal, se nossa espécie não tivesse interferido, ele teria sido livre a vida inteira.

Gael também se aproximou da janela, ficou um dia inteiro por ali, como se avaliasse suas possibilidades.

Assistiu um a um de seus “amigos” deixar o viveiro.

Primeiro Juninho e Mari, depois Zequinha. No dia seguinte, Negão e Cravo deixaram o viveiro e não voltaram mais. Ficaram por ali, no entorno.

Os comedouros em volta do viveiro passaram a ser o ponto de parada obrigatório pra todos eles.

Mari era a mais aventureira e mostrou-se curiosa diante de um ninho artificial. Talvez estivesse procurando bichinhos, já que aquele ninho não serviria pra ela.

Cravo e Negão também se aventuraram longe, mas logo retornaram, não pra dentro do viveiro, mas para o entorno.

Assim será de agora pra frente. Eles ficarão por ali mas, com o mundo à disposição, é certo que em mais alguns dias, estarão mais distantes, até decidirem que não precisam mais daqueles comedouros.

Pra nós, vai restar contemplar o verde… no verde. E de preferência, bem de longe. Uma de nossas preocupações após a soltura era que eles buscassem interagir com as pessoas, mas para nossa alegria, isso não aconteceu.

Eles se mantiveram distantes, bem distantes, e é isso que vai garantir a eles a liberdade que tentamos lhes oferecer.

Com a abertura do viveiro, todos os companheiros do Gael decidiram partir para a liberdade.

Ele ficou no viveiro sozinho novamente por mais alguns meses, até receber a Gabi, uma garota da mesma espécie daqueles que partiram.

Dessa vez, ele seria mais receptivo. Afinal, talvez tenha sido os seus maus modos que tenha feito com os companheiros partissem.

Assim como ele, Gabi também não conseguiria voar. Ela tinha as asas cortadas. Tínhamos esperanças de que assim que as penas crescessem ela pudesse voar.

Gael e Gabi, embora de espécies diferentes, aproximaram-se e formaram uma dupla quase inseparável. Passaram a viver juntos, dividindo tudo.

Eles pareciam bem e acabaram tomando conta do viveiro, como seu território permanente.

Entretanto, área de soltura não pode ter moradores permanentes.

A esperança de que nossos dois gorduchos reaprendessem a voar diminuía à medida que o tempo passava.

A troca das penas da Gabi aconteceu, mas nem isso a estimulava a tentar voar. Talvez soubesse que o voo seria seu passaporte para a liberdade, mas também a despedida de seu amigo.

Gael é um Papagaio Moleiro, o gigante brasileiro. Em cativeiro, eles ganham peso com facilidade e isso dificulta muito a sua reintrodução.

Ele passou pelo menos 25 anos sem poder esticar as asas. Não sabemos se ficará confortável algum dia pra tentar voar.

O fato é que as leis ambientais são rígidas, e precisam mesmo ser, pra combater o tráfico, o mesmo que retirou dos nossos dois amigos o direito à vida livre.

Precisamos acionar o Ibama e comunicar a presença dos dois resgatados em nossos domínios.

Gael e Gabi precisariam de um novo destino. Talvez uma morada definitiva em algum santuário.

Eles foram levados de nossas terras, pelas mãos de veterinários e biólogos do Ibama, com a promessa de que teriam o melhor destino que pudessem usufruir. A liberdade não virá e desejamos que essa história, que ficará registrada em nosso site, ajuda a ensinar um pouco de compaixão e empatia aos homens.

Sentiremos saudades, é claro, mas o objetivo do trabalho que fazemos é despertar as pessoas, para que outros como Gael e Gabi nunca sejam retirados da natureza.

Voar é privilégio de poucos. Garantir esse direito é obrigação de todos.

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