Um dia, as homens aprenderão que soltar pássaros é verdadeiramente prazeroso, e que prendê-los é crueldade que sempre volta contra os agressores.

Entenderão que preservar a natureza garante o equilíbrio da vida no Planeta, e que pra evoluirmos como humanidade, precisamos garantir a evolução dos nossos irmãos.

Virá o tempo em que seremos capazes de entender que a vida é uma grande teia e que o sofrimento que provocamos, mesmo na menor das criaturas, é o maior obstáculo para a nossa própria evolução.

Soltar animais apreendidos do tráfico é sempre um prazer indescritível, pra todos os envolvidos. Para os veterinários e biólogos do IBAMA e IEF, é missão e paixão. Pra nós que os recebemos em nosso território, a oportunidade de aprender e abastecer nosso Projeto de histórias com força pra despertar e sensibilizar. Por fim, para os próprios animais, que ganham ali uma segunda chance, depois de uma temporada, às vezes longa, de escravidão e sofrimento.

Eles chegam muito cansados, visivelmente debilitados. Deixam as gaiolas usando as pernas no lugar das asas. Pisam a terra como se fosse a primeira vez.

Infelizmente, estes são os mais fortes, aqueles que foram aprovados na triagem do CETAS e que esstão aptos a retornarem à vida livre.

Ainda mais triste é saber que eles são uma pequena minoria, dentre todas as vítimas da insanidade e crueldade humana. A grande maioria morre nas mãos dos traficantes, ou passam uma vida inteira entre grades.

O que pode ser melhor que ter cenas como as mostradas abaixo? Que prazer pode ser maior que assistir filhotes nascendo livres?

O chiado característico de um filhote sendo alimentado pelos pais é como música a quem respeita e ama a natureza. O canto de aves livres é diferente, mais intenso, assim como suas cores.

No emaranhado de cores e penas, temos ali animais nativos e reintroduzidos, vivendo livres e em harmonia. Não é mais possível notar diferença no comportamento desses dois grupos, sendo diferenciados apenas pela anilha vermelha do Projeto de Reintrodução, que só é visível naqueles que um dia conheceram a escravidão.

Mais uma grande soltura em agosto de 2017, onde mais de 200 animais ganharam uma segunda chance.

Queríamos dar nomes e contar a história de todos, mas seria impossível individualizar mais de 200 pássaros.

Em um primeiro momento, são todos iguais. São animais redescobrindo o prazer de voar e tentando entender onde estão.

Percorrem o viveiro, usam as asas, experimentam os comedouros, o lago, a grama, o banco de areia.

Leva alguns minutos, até entenderem que têm um pouco mais do que tinham, e que estão a caminho da liberdade.

Agem, pela primeira vez, como animais livres. Mostram-se atendos na grama alta e às sombras dos rapinantes que voam alto. Parecem atentos aos predadores e rotas de fuga.

Claro que, enquanto estiverem dentro do viveiro de aclimatação, os perigos não os atingirão, mas é gratificante ver que os instintos de preservação e sobrevivência ainda estão ali, prontos para entrarem em ação quando a liberdade chegar.

Os galhos finos da amoreira, mais que decorar e fornecer alimento aos frutívoros, servem para o treinamento. Muitos desses animais viveram tempo demais em gaiolas, contando com poleiros na espessura exata de seus dedos, fixos e verticais.

Por isso, eles precisam de tempo pra aprender a se equilibrar em galhos finos, inclinados e flexíveis.

Precisam também encontrar água nas fontes. No viveiro, não temos vasilhas pequenas. A fonte e o laguinho têm profundidades variadas e simulam as mesmas dificuldades que encontrarão na natureza.

A comida também precisa ser posicionada no alto, simulando as condições em que serão encontradas em área aberta.

E depois de uma temporada de aclimatação, finalmente estavam prontos para experimentarem a vida livre.

Não daremos nomes aos mais de 200 que chegaram, mas elegerem os alguns dos principais personagens dessa nossa história.

As Saíras estão entre os mais belos passeriformes, graças à sua rica variedade de cores. São muito apreciadas, mas pouco vistas em cativeiro, pois é alta a mortandade da espécie, quando aprisionada.

Como têm alimentação muito variada, baseando-se em frutas e insetos, não se adaptam à alimentação limitada das gaiolas. Além do mais, Saíras têm espírito livre (Todos os animais o têm).

O nosso personagem é da espécie Saíra Amarela (Tangara cayana) e a máscara negra é uma característica dos machos. Demos a ele o nome de Zorro.

Assim que foi solto em nosso viveiro, notamos que ele voava com dificuldade, característica comum em aves que passaram tempo demais em gaiolas.

Mesmo assim, sua vontade de viver era visível nos pequenos gestos. Agradeceu a oferta de frutas e comeu bastante.

Também se esbaldou na fonte de água, tomando banho e bebendo como um dia fará quando ganhar a liberdade.

Foram 30 dias de aclimatação e, neste período, notamos uma profunda transformação.

As frutas servidas nos comedouros continuavam sendo a base de sua alimentação, mas, aos poucos, ele mesmo cuidou de buscar outros sabores.

Nos troncos secos, que servem de poleiros à maioria das espécies, para o Zorro, era fonde de petiscos, pois buscava e encontrava insetos e pequenas larvas, que lhe aguçavam o gosto pela alimentação variada de sua espécie.

A grama e o banco de areia também se tornaram parada obrigatória pra ele, que estava sempre ali buscando bichinhos.

Ao final do período de aclimatação, nosso amigo estava no ponto pra ganhar a liberdade.

A espécie vive em pares ou mesmo em pequenos bandos. E nosso território tinha o que ele precisava. A espécie é muito comum e é vista quase o ano todo, pois a variedade de frutas oferece suprimento de janeiro a dezembro.

A desenvoltura no lago era também um sinal positivo. Ele já sabia como encontrar comida e água. Saberá também identificar uma fêmea de sua espécie e com ela construir um ninho e preparar a futura geração das Saíras Amarelas.

Outro personagem que mereceu especial atenção, até mesmo por ter sido o primeiro da espécie que recebemos em nosso Projeto de Reintrodução, foi o Guga, um sabiá-do-campo.

É conhecido por ter um variado repertório de canto, chegando a imitar outras aves.

Também é conhecido como tejo-do-campo, sabiapoca ou calhandra. Em nossa região, é muito comum e é chamado de galo-do-campo.

Seu nome científico (Mimus saturninus) significa Imitador Cinzento, referência à sua coloração e à incrível capacidade de imitar o canto de outros pássaros.

Ele passou pelo período de aclimatação sem dificuldade. Usou o espaço disponível para fortalecer as asas e os músculos.

E tanto assim que Guga foi dos primeiros a deixarem o viveiro, quando a janela foi aberta.

Acerola é um Sabiá que, definitivamente, não gostava de gente. Passou os trinta dias de aclimatação concentrado no desejo de atacar qualquer um que se aventurasse a entrar no viveiro.

Era valente, mas isso não era um sinal positivo. Ele não tinha medo das pessoas e isso poderia ser um problema quando se visse em liberdade.

Se ele continuasse atacando depois que ganhasse a liberdade, teríamos que abortar sua soltura e dar a ele mais tempo, talvez até deixa-lo como retardatário, esperando o próximo lote de animais.

Por sorte, não foi o que aconteceu. Ele deixou o viveiro e ficou alguns dias nos arredores. Chegou a se aproximar da casa, passou um tempo em nossa varanda, mas logo cuidou de se integrar ao ambiente mais amplo.

Encontrou uma fêmea da espécie e parece ter visto nela algo bem mais interessante que os tratadores.

Os comedouros foram abastecidos, e continuam ali, à disposição. Eles têm muito a aprender até estarem totalmente integrados à vida livre e, até lá, terão a alimentação facilitada.

O coleiro de peito amarelo é um passarinho que já foi abundante, mas anda sumido de muitas regiões. Na verdade, o peito amarelo é apenas uma variação do coleiro, mas é a mesma espécie.

Na região temos muitos coleirinhos, tanto nativos quanto reintroduzidos pelo órgãos ambientais em solturas anteriores. Mas todos que avistamos até hoje eram os de peito branco.

Ele vai se adaptar e encontrará muitos de sua espécie. O peito amarelo será sua marca, até mesmo para facilitar seu avistamento depois da soltura.

Entre os papa-capins, que também são partes da mesma família, o peito amarelo é mais comum. Em algumas regiões, eles são chamados de coleiro sem gravata.

Entre os trinca-ferros, havia ali um bando bem numeroso, Mesmo assim, em poucos dias eles cuidarão de se espalharem pelo território. A espécie tem vida solitária e é bem territorialista.

No nosso viveiro de aclimatação, eles convivem muito bem, mas sabemos que, na natureza, terão que dividir o território, não apenas entre eles, como com aqueles que lá chegaram antes.

São aves que habitam as matas e são muito arredios. Quando capturados, eles se debatem contra as grades até quase se matarem.

Os traficantes costumam cobrir as gaiolas com panos pretos, transformando o ambiente em uma noite contínua, por até uma semana, para que eles possam “amansar”.

Por aí se tem uma noção do tamanho da covardia que se comete quando se aprisiona um pássaro.

Azulões, sanhaços e bicos-de-veludo também estavam presentes na grande soltura.

Quando o dia da soltura chega, eles fazem a festa. Não apenas os comedouros lhes dão as boas vindas, mas a própria vida se encarrega.

Do lado de fora, os sabores são variados. São variadas as sementes disponíveis e as frutas vão de uvaia a grumixama. As ameixeiras em plena produção somam quase 200 árvores. Amoreiras, na mesma quantidade, além dos frutos silvestres, que eles instintivamente conhecem bem.

E nada pode ser mais gratificante em uma soltura que acompanhar e registrar os primeiros voos livres.

Um trinca-ferro foi o primeiro a voar.

Logo depois, o Zorro. Deixou o viveiro e ficou muitos dias por ali, ora sozinho, ora com outros da espécie.

Conseguimos alguns discretos registros do nosso mascarado em liberdade.

De todos os recém-libertados, Guga foi o que mais nos permitiu boas fotos.

Logo após deixar o viveiro, ele ficou por ali rodeando as telas, como se não acreditasse que estava do outro lado delas.

Depois veio catas sementes no chão, bem abaixo de onde estávamos fotografando.

Visitou a varanda, os comedouros, permitiu que o flagrássemos nos primeiros voos livres.

Depois foi até o galho de uma mangueira e cantou, cantou e cantou até quase arrebentar o papo.

Claro que já tínhamos ouvido sua voz durante a aclimatação, mas nada como naquela manhã.

A algazarra foi tanta que chamou a atenção de outro ex-prisioneiro.

E dentre todos os tons de amarelo, aqueles que florescem no início da primavera são um espetáculo à parte, mas nem de longe são nossos preferidos.

Os canários são aqueles que marcam presença o ano inteiro. Nidificam ali mesmo, criam seus filhos ciscando as sementes que espalhamos no terreiro.

A multidão de sementeiros, formada por canários, coleiros e tico-ticos, sempre faz a festa.

Mas, dessa vez, como se já não houvesse verde bastante em todo o santuário, flagramos entre os amarelos e pretos, um verde diferente.

Era o Tunico, o mesmo periquito Tuim libertado há 6 meses, e que partiu depois que seu irmão, Rubinho, perdeu a vida ainda dentro do viveiro.

É possível notar em sua perna direita, a anilha do projeto de reintrodução.

Ele tem sido visto nos arredores da casa sede da fazenda, em companhia de uma fêmea da espécie. Eles preparam o ninho. E que sejam bem vindos aqueles que nascerem em liberdade.

Tentaremos registrar o casal alimentando os filhotes nascidos livres. Será perfeito para confirmarmos que todo “adeus”, no fundo, não passa de um “até breve”.

O monitoramento dos animais em liberdade continuará por mais alguns meses, até fecharmos o relatório da soltura.

E que as pessoas sejam capazes de entender que aprisionar vidas é feio. Que aprendam que não há nada mais mórbido que uma gaiola pendurada na parede. Ostentar vidas em sofrimento é coisa de gente fraca, pobre de espírito.

E isso vale não apenas para animais silvestres oriundos do tráfico, mas pra qualquer animal. Seja silvestre, exótico, legalizado ou não.

A única forma de acabar com essa crueldade é não comprar. Só assim essas crueldades deixarão de existir.

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