O título desta matéria poderia ser trocado para: Enzo. O Alquimista. Afinal, é pelo exemplo que seremos capazes de mudar o mundo. Mas, aproveitemos o título da história da Lessie, para contar a história de uma matilha inteira.
Esta é a Lessie. Ela veio ao mundo com a missão de transformar pedra em gente.
Se as pessoas soubessem o que é uma visita a um abrigo de animais, fariam isso todos os dias, seriam voluntárias, adotariam animais abandonados, transformariam o mundo.
Se nossos representantes na política tivessem de fato a vontade de praparar gerações futuras, manteriam canis públicos, tipo modelo, preparados para receberem excursões escolares.
Se animais abandonados são capazes de provocar grandes transformações em humanos adultos, imaginemos o que poderiam fazer em crianças.
Se esperamos pelo dia em que todos os humanos serão protetores de animais, devemos começar pelas crianças. Mas, importa aqui mostrar como são recebidos os visitantes em um abrigo de animais.
Lessie sabia deitar, virava a barriga, pulava pedindo atenção, se jogava no colo quando a oportunidade surgia, tinha a capacidade de ensinar solidariedade, despertar compaixão, transformar vidas.
Também se mostrava triste e abatida, quando a visita dava sinais de que iria partir. Eles sabem que estão sendo avaliados. Sabem que não são as últimas bolachas do pacote e que, fora das telas que os confinam, outros cães também estão se empenhando pra conquistar alguém.
Restava esperar. Um dia, quem sabe.
A Lessie sempre foi especial. Demorou muito para ser adotada. Mas cada minuto de sua espera valeu, e muito. Isso porque ela não só conquistou uma ótima segunda chance, como arrastou consigo outros dois que também esperavam há anos pela adoção. Na carona de Lessie, Peludinho e Sissi.
Peludinho sempre foi um cãozinho especial, muito sociável. Era um dos mistérios do abrigo. Como um cãozinho daquele poderia estar encalhado há tanto tempo?
Além dele, outra encalhada era a Sissi. Sempre foi uma cadelinha muito alegre, adorava carinho e companhia humana. Quando chegava visita ao abrigo, ela era a primeira do canil e se aproximar do visitante, pedindo carinho. Mesmo assim, sempre foi preterida.
Meses e anos se passaram. Mas no sábado, dia 16 de dezembro de 2012, oito dias antes do Natal, alguém especial esteve na Cão Viver. Este alguém decidiu dividir seu território com lobos. Uma casa construída em um terreno de mais de mil metros quadrados. Muito espaço, jardins e, sobretudo, atenção e cuidados humanos.
Queria dois e acabou adotando logo três lobos. Quais os critérios levariam alguém a escolher Lessie, Peludinho e Sissi? Muito simples. A escolha foi direcionada para os animais que estavam há mais tempo no abrigo.
Para pessoas assim, existe uma ordem de prioridades um pouco diferente. Pra eles, não importa a raça, a cor, o aspecto físico ou a idade. O sentido daquelas adoções era outro, algo verdadeiramente coerente com o sentido da data que se aproximava.
Os visitantes a que nos referimos são Cláudia, a mãe, e Enzo, um garoto de seis anos que está aprendendo, pelo exemplo, o tipo de gente que este planeta precisa. A família já tinha cães. Entretanto, eles se mudaram recentemente para uma casa grande em um condomínio, com muito espaço.
Decidiram, então, dividir sua conquista e transformar outras vidas. Enzo, com apenas seis anos, mostrava-se encantado com tantos cães em um só lugar. Durante a visita, ele confidenciou que queria crescer, estudar muito para ter um abrigo de animais igual à Cão Viver.
Quando chegaram, traziam alguns nomes, já previamente escolhidos com base nos critérios acima. Dentre os vários nomes, dois ainda esperavam por adoção: Lessie e Sissi.
Foram primeiro ao parquinho, onde alguns cães festejavam os minutos de liberdade a que tinham direito. Dentre eles, Lessie, que veio saudar o Enzo, como costuma fazer com todos os visitantes. Enzo então se abaixou para afagá-la e, olhando para Cláudia, sentenciou: __ Mãe, a Lessie gostou de mim e disse que quer ir morar na nossa casa.
O destino de Lessie estava selado. A visita continuou, nos outros canis, com endereço certo. Chegaram até Sissi, que também sorriu com aqueles dentes brancos e a comunicação foi a mesma: Mãe, a “Sissa” também vai com a gente? A intenção era adotar duas cadelinhas, que já estavam escolhidas.
Mas como ignorar tantos latidos, tantos pulos, tantas lambidas? Cláudia confirmou que a intenção seria mesmo escolher entre os mais antigos. Embora já escolhidas as duas sortudas, a visita continuou, até encontrarem Peludinho, outro esquecido. A interação foi a mesma e o Peludinho foi também escolhido. O território tinha espaço e cabia mais um.
Os três, agora juntos, passeando pelo pátio, davam sinais de que sabiam que aquele momento era especial. Eles sabem quando são escolhidos.
A notícia da adoção de Lessie, Sissi e Peludinho se espalhou pela ONG. Funcionários e diretores tinham motivos pra comemorar. As despedidas foram intensas e carregadas de emoção. Só quem trabalha em um abrigo de animais pra entender o que representa um “final feliz”.
Vivenciamos frustrações, angústias e tristezas profundas, todos os dias. Choramos a morte de animais desconhecidos, mas que nos são estimados desde o momento em que são resgatados. Acompanhamos suas lutas, suas dores, desejamos a eles donos especiais. Infelizmente, abrigos de animais costumavam ser procurados por pessoas que apenas procuram um animal “de graça”. Mas esta realidade está mudando. O perfil dos adotantes de hoje é outro.
Cláudia e Enzo são os melhores exemplos. São estes os adotantes que queremos despertar. São estes os adotantes que precisamos, e que fazem o trabalho de proteção valer a pena.
Mas, se o território era grande demais pra caber mais um, o mesmo não se podia dizer do carro. Como levar 3 cães médios de uma vez? O frete precisou ser dividido. Cláudia, sob o inconformismo do Enzo, levou Lessie e Sissi no sábado, voltando no domingo para buscar Peludinho.
Já na nova casa, Lessie e Sissi terminaram o dia esgotadas. Afinal, havia anos que não sabiam o que era correr e brincar um dia inteiro. Ambas estavam um pouco acima do peso. Afinal, em um abrigo, a comida precisa ficar permanentemente à disposição, para evitar disputas e brigas. O espaço reduzido lhes impedia de exercitar o suficiente e o sobrepeso acabava sendo inevitável.
Mas agora, tudo será diferente. A experiência nos ensina que, fora do abrigo, eles se transformam. Elas chegaram e logo se enturmaram com os outros cãezinhos da casa. Percorreram o território, examinando cada canto. Ao fim do dia, dormiram como pedras.
No dia seguinte, mais emoções. A chegada do Peludinho viria colocar um pouco mais de lenha naquela fogueira. Peludinho era, visivelmente, o mais animado. Ele corria e pulava, esbanjando a alegria que, na verdade, é de todos nós.
Dentre outras coisas, terá que aprender que o tapete da varanda não é o melhor lugar pra chupar manga. Mas ele tem tempo e donos pacientes para ensiná-lo o que é certo ou errado.
Lessie, Sissi e Peludinho têm agora um grande território. São lobos, finalmente, vivendo vida de lobos.
Quanto ao Enzo, ele vai assumir a presidência de honra do nosso Clube de Lobinhos, com direito a carteirinha de Presidente.
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