Algumas histórias são escritas por anjos, pra nos fazer melhores.
Lindinha tem entre seis e sete anos de vida e está há quatro anos na casa de D. Tereza. É a única paraplégica que conseguiu sobreviver ali. Na verdade, ela não sobreviveu, mas apenas se mantém viva. Há uma diferença sutil entre essas duas coisas.
Ela foi atropelada e teve uma perna esmagada. O socorro que recebeu foi ser retirada do local e deixada em uma caixinha de papelão, aguardando “sabe lá o quê”.
Quando D. Tereza soube do caso, dias depois do atropelamento, foi buscá-la e a levou a um veterinário, mas sua perna já estava necrosada e precisou ser amputada.
Há quatro longos anos ela vive exatamente como está mostrado nas fotos, se arrastando pelo chão da sala de D. Tereza, junto com mais um tanto de outros cães.
A quem não conhece o caso, eis os links das matérias principais.
http://oloboalfa.com.br/nao-era-esse-o-combinado/
http://oloboalfa.com.br/nao-era-esse-o-combinado-parte-iii/
Quando a conhecemos, na primeira vez que estivemos na casa de D. Tereza, não tivemos sequer coragem de fotografá-la. Não queríamos ter nada pra relembrar aquela cena.
As primeiras fotos foram tiradas na segunda visita, dias depois.
Já devíamos ter aprendido que, como voluntários do Projeto O Lobo Alfa, não devemos enxergar obstáculos, e não devemos desistir de nenhuma vida.
Mas como acreditar na salvação de uma cadelinha nessas condições? Seu mundo era o chão de cerâmica onde se arrastava, quando tinha chance. Na maior parte do tempo, ficava confinada a uma bacia quebrada.
Ela estava ali havia 4 anos e, pra dificultar ainda mais, me recebeu com rosnados e demonstração explícita de que não queria minha amizade.
A segunda vez que a fotografei, foi no colo de D. Tereza, no dia de uma campanha de vacinação. Naquele dia, não tínhamos vacinas para todos e precisávamos escolher os mais adotáveis.
Mesmo assim, naquele dia, escolhi a Lindinha pra receber uma das vacinas. Não foi uma escolha muito racional, mas foi o que me ocorreu naquele momento.
Logo depois de receber a vacina, foi ela novamente deixada na mesma bacia. Na posição em que foi deixada ela ficou. Não tinha reação nem mesmo para buscar uma posição mais confortável.
Seu olhar era uma mistura de medo, tristeza e desesperança.
Daquele dia em diante, decidi que sempre que entrasse ali faria fotos dela. Não importava o tempo, nem a minha falta de fé em relação a um futuro diferente pra ela.
O mundo teria que saber da existência dela, e não deixaríamos que fosse esquecida, até que um dia seu coração deixasse de bater, ou que por alguma circunstância, eu deixasse de frequentar aquela casa.
Muitas coisas aconteceram desde o dia que a vi pela primeira vez, em Fevereiro de 2014.
Por 5 meses tive que me manter afastado da casa de D. Tereza por motivos alheios à minha vontade. Neste período, alguns adoeceram e perderam a vida, mas a Lindinha manteve-se forte, talvez graças àquela dose de vacina que foi “desperdiçada” com uma cadelinha sem muita chance de adoção.
Em setembro, depois de uma quarentena, nova vacinação e mais quarentena, pudemos finalmente voltar e, pra minha surpresa, lá estava a Lindinha, ainda confinada a outra bacia quebrada.
As coisas começaram a mudar quando a Kátia viu a matéria e decidiu apadrinhar a menina.
Esteve lá, conversou com D. Tereza e pediu para conhecer a Lindinha. Como a casa de D. Tereza não é um lugar onde se possa fazer visitas, a menina foi trazida lá de dentro e entregue à Kátia pela grade.
E foi assim, em um lençol estendido na calçada, do lado de fora, que a Lindinha recebeu os primeiros afagos, ouviu as promessas veladas, muitas vezes transmitidas no toque dos dedos.
Foi ali, na calçada, que ela ganhou uma caminha, alguns petiscos e até brinquedos, muito embora ela já tivesse passado da idade de brincar com eles.
Já sabíamos da visita da Kátia e pedimos a ela que registrasse em fotos os momentos em que ela passasse com a Lindinha e nos enviasse.
Assim ela fez e assim pudemos preparar mais uma chamada. Quem sabe a imagem daquela lobinha sem eira nem beira, agora proprietária de uma caminha macia e de alguns bichinhos de pelúcia, tivesse a força de sensibilizar alguém tão especial quanto ela?
As visitas à Lindinha passaram a acontecer periodicamente. Do lado de fora do portão, ela se transformava. O ranço de agressividade desaparecia e ela ficava ali, sem reação, sem entender o porque daquela situação nova.
Afinal, ela estava há quase 5 anos naquele lugar e nunca ninguém esteve ali apenas para acomodá-la na calçada e acariciar sua cabeça, conversar com ela e fazer promessas de dias melhores.
Ela não entendia nada, mas aceitava os afagos. Criava-se ali um vínculo verdadeiramente especial.
Algumas coisas não precisam ser explicadas, e nem adiantaria, pois também não podem ser compreendidas.
A cada visita ela se mostrava mais receptiva. Aceitava os afagos, entendia os sinais daqueles toques. Eles eram como promessas.
O tempo passou e a história da Lindinha ganhou força. Ela agora já era conhecida e podia contar com a torcida de um País inteiro. (Na verdade, só com a torcida dos seguidores do Projeto O Lobo Alfa no Facebook, mas vale exagerar um pouco).
E aí, além da madrinha que ela já tinha, acabou ganhando um padrinho.
O Dr. Flávio Medeiros, médico veterinário lá da Intensivet, uma clínica veterinária especializada em fisioterapia e reabilitação de animais com necessidades especiais, decidiu nos contatar e doar para a Lindinha uma cadeirinha de rodas.
E o dia marcado para levarmos a cadeirinha de rodas para a Lindinha, era também o dia de mais uma visita especial.
Mais uma vez, a mesma calçada, na esquina, um pouco de sombra, um pouco de sol, um lençol forrado no chão, como um piquenique de doidos, no lugar mais improvável possível.
Lindinha já conhecia aquela rotina e já sabia que aqueles encontros eram bons. Petiscos e muitos, muitos afagos e promessas.
Naquele dia, entretanto, algo de diferente estava pra acontecer, e não era só a cadeirinha de rodas. Além da Kátia, Márcia também estava ali, mas não apenas para conhecer a Lindinha.
É isso menina. Você não volta mais para aquela casa. Esqueça aquela bacia e aqueles panos que ficaram do outro lado do portão.
Esqueça também os amigos, os desafetos e até de D. Tereza, que de alguma forma fez o que pode pra que você vivesse.
Mas tudo isso agora é passado. Você acabou de ganhar uma mãe, que deixou outros filhos de patas em casa só para vir busca-la, disposta a mudar sua vida.
A cadeirinha doada por seu padrinho foi só a primeira novidade. Você não ficou muito a vontade né? Tudo muito novo, aquele amontoado de ferros e parafusos.
Mas é certo que você vai se acostumar. E ela vai te dar maior mobilidade, mais independência, mais qualidade de vida.
Não foi ainda o momento de flagrar um sorriso seu, menina. Você estava séria, um pouco assustada e até com medo, embora demonstrasse confiar naquelas mãos que te afagavam.
Quantas novidades! O tempo vai ajeitando as coisas.
Já combinamos com a Márcia que faremos algumas visitas para a Lindinha e, nessas visitas, tenho a esperança de conseguir registrar um sorriso.
Aquela manhã de sábado foi dedicada à comemoração. Nem a Lindinha estava entendendo a diferença. Afinal, em todas as vezes em que a Kátia a visitava, era chorando que se despediam. Virar as costas e devolvê-la pelo portão era pesado demais pra alguém que já tinha se afeiçoado à pequena lobinha de 3 pernas.
E foi assim que nos despedimos da Lindinha naquele dia. O combinado era de que voltaremos a visita-la, mas agora, na nova casa.
Como sonhar não custa, espero ser recebido por ela, não mais com os rosnados naquele primeiro encontro. Se a vida me permitir um pedido muito especial, quero ser recebido por você amiga, andando na cadeirinha, com uma lambida. Só isso.
Ainda vamos registrar aqui as atualizações, com as fotos de nossa primeira visita à Lindinha na nova casa.
E também das fotos que a Márcia nos enviar, coisa que ela já prometeu fazer e que vamos cobrar.
Por hora, fica registrado nosso muito obrigado a todos que, de alguma forma, contribuíram pra isso. Ao Dr. Flávio da Intensivet, obrigado por proporcionar um pouco mais de independência para a nossa menina.
À Kátia, obrigado pelo apadrinhamento, que foi muito além dos petiscos e mimos. Suas fotos fizeram a diferença para que a história da Lindinha se tornasse conhecida.
Por fim, à Márcia. E não há muito o que dizer. Que tipo de gente adotaria uma cadelinha como a Lindinha?
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