São muitos os casos tristes, mas alguns tocam mais fundo, por nos levar a imaginar o que poderia ter sido.
A Lua foi vista pela primeira vez na região da Vila São José. Andava devagar e com a cabeça baixa. Não aceitou comida. Estava claro que precisava de resgate, mas naquele momento, não foi possível.
No dia seguinte, ao ser procurada novamente, não foi mais vista. Suas fotos da véspera foram postadas, com pedido de notícias, de resgate e até adoção, mas ninguém se pronunciou. É uma região bem simples onde há vários animais abandonados.
Por mais de quinze dias ela foi procurada, em vão. A noticia era de que estava no cio, deitada na calçada, enquanto os machos cruzavam com ela. Não tinha forças nem pra se levantar.
Finalmente, no dia 19/10, à noite, ela cruzou novamente o caminho de sua amiga. Estava sozinha, tentando atravessar a Avenida Tancredo Neves, muito cambaleante.
Era tarde e as clínicas que nos ajudam já estavam fechadas. Pedi ajuda a Dra. Cíntia da Veterinária Alípio de Melo, que na mesma hora abriu a clínica para recebê-la. Já fica aqui registrado nossa eterna gratidão.
Foi medicada e aguardava melhora para ser castrada. No estado em que estava, não suportaria a gravidez.
Infelizmente, os exames estavam muito ruins. Os dias em que viveu jogada na rua fizeram estragos. Ela estava desidratada e com uma anemia bem forte, além da um quadro de insuficiência renal.
Ela tomou um banho de tirar macuco e ficou aguardando uma melhora nos exames para que pudesse ser operada. Seu estado de fraqueza superava tudo que já tinha sido visto.
Tudo indicava que ela não viveu tempo demais nas ruas. Não tinha experiência e nem forças para sobreviver a território tão rude.
Ela não sabia procurar comida, rasgar sacos, não suportaria o frio, a chuva e o sol escaldante. Não sabia se virar em qualquer lugar. Por isso o tempo de rua fez tanto estrago, isso se esse estrago todo não tiver se iniciado por detrás dos muros.
De qualquer forma, uma fuga acidental não poderia ser descartada, pois ela já era velhinha e não viveria tanto se fosse negligenciada. Não tinha lesão de pele ou sinais de doenças contagiosas. Só uma tristeza profunda e falta de coragem para continuar.
Pouco depois de seu resgate, saiu a vaga de castração no projeto da UFMG e seguimos pra lá, torcendo para que os novos exames tornassem possível a cirurgia. Mais uma vez, tivemos o anjo que nos deu a mão, a Prof. Christina.
Na ultrassonografia realizada, apresentou também possível aderência da bexiga e intestino, o que explicava a dor abdominal que ela sentia. O útero também estava bem ruim.
A cirurgia foi na sexta feira, 27/10/17, e correu tudo bem, mesmo o estado dela sendo bem delicado. Tinha que ser feita para que ela tivesse uma chance de vida.
Ela ficou internada ainda por alguns dias, quando teve alta médica, já fora de perigo.
Há casos de castração que os animais voltam para sua comunidade, mas não era o caso da Lua. Ela não tinha dono ou tutor, não tinha casa e ninguém que a acolhesse. Ela não podia ficar internada e precisaria de uma casa temporária, onde pudesse ser medicada. Merecia voltar a ser a cadelinha feliz e brincalhona que deve ter sido um dia.
Ao final, foi ela levada para um lar temporário, onde fez todo o tratamento que sucedeu à cirurgia.
A Lua é velhinha, não late, não estranha ninguém e vai passar a maior parte do tempo deitada em um cantinho. Não incomodará ninguém.
Mas precisava de uma família, até mesmo para que ela recuperasse a vontade de lutar pela vida.
O pior havia passado, mas o estado dela ainda exigia cuidados. Era uma adoção especial. Aos poucos, com boa alimentação e atenção veterinária, foi melhorando a cada dia.
Apesar da avançada idade, ao final ela já estava totalmente recuperada da cirurgia e com todos os exames em dia, inclusive negativa para Leishmaniose.
A chance que ela tanto precisava nunca veio e, depois de quase 2 anos, Lua se despediu da vida. Apesar de tudo, ela foi bem cuidada, teve afeto e carinho.
Na cabecinha dela, teve também uma família, pois ela não sabia que esperava por adoção. O lar temporário foi a família que o destino deu a ela, necessário para amenizar uma vida inteira de sofrimento e descaso.
Um resgate de Eliana Malta: eliana.malta@terra.com.br
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