O tico-tico é um dos pássaros mais conhecidos e estimados do Brasil. Seu nome vem do tupi e deriva do seu chamado. Entre os nomes populares conhecidos, destacam-se: “salta-caminho” (Pernambuco e interior da Paraíba), titiquinha e ticão, gitica, mariquita-tio-tio (São Paulo), tiquinho (Paraná), catete (bahia), toinho (Paraíba – Região do Seridó Ocidental) e piqui-meu-deus (sul do Ceará).
Ao contrário da figurinha acima, é uma espécie sem diformismo sexual. (machos e fêmeas não apresentam diferenças visíveis). E por esse motivo, ambos são capturados e trancafiados covardemente.
O Luidi chegou ao nosso território em Fevereiro de 2014, passou uma curta temporada de aclimatação em nosso viveiro e foi libertado, junto com outras 150 aves.
Fixou morada no entorno da casa sede e ali passou a viver. Estava sempre ali, ora sozinho, ora compartilhando os comedouros com outras espécies e até com outros de sua espécie.
Mas nunca vimos sinais de que ele tinha se acasalado.
As coisas começaram a mudar em Julho de 2015, quase um ano e meio depois de sua soltura, quando chegou ao santuário a Rosinha. Junto com ela, mais de duzentos outros pássaros, inclusive outros tico-ticos machos, mas nenhum tão bonito e elegante quanto ele.
Depois de um ano e meio de vida livre, ele já tinha recuperado o brilho que a liberdade os confere.
Foram trinta dias de aclimatação, com alguns tímidos encontros. Ela esperava por ele na janela todas as manhãs.
E o nosso galã não se fazia de desentendido. Bastava a Rosinha pousar próximo à tela que o garoto se aproximava.
Acompanhamos o namoro e também a adaptação da Rosinha. Ela estava ali para fortalecer as asas e ganhar a liberdade.
E pra ficar forte suficiente para a vida livre, haja treinamento e boa comida.
Frutas e verduras orgânicas fazem parte da dieta. Água corrente e árvores de galhos finos também são essenciais.
Depois de muito tempo em uma gaiola (onde os poleiros, fixos e horizontais, têm o diâmetro exato para o tamanho dos pés), as aves perdem a habilidade para se equilibrarem em galhos finos ou inclinados.
Alguns pássaros, ao pousarem pela primeira vez em um galho fino, desequilibram-se com o balanço e chegam a cair.
Habilidades primárias são arrancadas pela crueldade das grades.
Sentir a água se movimentando sob seus pés também fazia parte do treinamento, assim como encontrar sementes na terra e ciscar a areia fina. Tentamos simular no viveiro de aclimatação tudo o que eles encontrarão do lado de fora.
E o dia da soltura chegou. O santuário amanheceu tomado por uma neblina densa.
Era inverno, mas a primavera parecia ter chegado mais cedo, talvez para dar as boas vindas aos novos moradores.
E lá estava o Luidi, ansioso. Os dois pareciam saber que algo especial estava pra acontecer.
Quando a janela do viveiro se abre, os pássaros não saem em revoada. Eles não demonstram pressa, como se não percebessem que estavam livres, ou como se quisessem nos mostrar que estavam gratos e satisfeitos com a hospedagem.
Claro que aquele viveiro é um paraíso para animais que passaram boa parte da vida em uma gaiola, mas mesmo assim, é uma prisão. Não podemos nos iludir e achar que viveiros amplos são soluções.
Esses animais vieram ao mundo com asas e não é justo impedir que eles as usem, no máximo de sua capacidade.
Depois de alguns minutos, a Rosinha chegou até a janela, pousou nela e ficou olhando o mundo que a esperava. Virava o pescoço de um lado pro outro, procurando alguém que deveria estar ali esperando por ela.
E ele estava logo ali, tirando a maior onda, se exibindo sobre um ninho decorativo pendurado do lado de fora do viveiro.
Parecia querer mostrar que já tinha preparado tudo para a chegada dela. Ele cantava e batia as asas quase sem controle.
Dali, ele a chamou e voou para o terreiro, onde o banquete da manhã já havia sido servido.
Ele queria mostrar a ela todas as novidades.
As sementes estavam nos comedouros, mas também as espalhamos no chão de terra. Eles agora são livres e não precisam mais ser servidos em vasilhas plásticas.
A água que vão beber é corrente e vem direto da cachoeira no alto da montanha. As sementes eles vão encontrar pelos pastos e nas plantações de alpiste.
E os ninhos, é claro, terão eles mesmos que fazer. Algumas espécies podem nidificar nos nossos ninhos artificiais, mas os tico-ticos gostam de construir os seus próprios ninhos, geralmente em buracos nos barrancos.
E não demorou muito para que o garotão começasse, ele mesmo, a juntar folhas secas. Ele queria mesmo mostrar serviço, dizer que é um macho honesto e trabalhador, e que será um bom pai para os pequenos que a vida lhes confiar.
Quando a noite caiu, os dois voltaram pra dormir dentro do viveiro. A vida seguiu no santuário. Luidi e Rosinha estão juntos.
Não sabemos se conseguiremos registrar o nascimento dos filhotes. Não sabemos sequer se eles serão pais bem sucedidos.
Mas reintrodução é isso. É dar uma segunda chance, mas é também ensinar as pessoas o valor de uma vida.
ATUALIZANDO: Quarenta e cinco dias após a soltura e descobrimos onde os dois preparavam o ninho. Não foi difícil descobrir, porque eles escolheram um vaso de flor bem na entrada da varanda da casa.
Fotografamos o ninho e nos mantivemos afastados. Queríamos muito a sorte de poder registrar os primeiros dias de vida dos filhotes e, quem sabe, já grandinhos e voando por todos os lados.
Tudo parecia bem, até que um terceiro ovo visivelmente maior foi depositado no ninho por um conhecido saqueador de penas pretas.
Deixamos a natureza seguir seu curso, mas os pais parecem ter entendido e abandonaram o ninho logo em seguida.
Dias depois, novo vinho, desta vez construído em um arbusto de babosa, bem denso.
Também não durou. O ninho foi saqueado, possivelmente por um Teiú, que foi avistado nos arredores.
Nidificaram pela terceira vez, dessa vez em um arbusto muito denso e espinhento. Não conseguimos avistar o ninho mas, dias depois, conseguimos vê-los, de longe, alimentando filhotes já crescidos.
Finalmente, uma família havia se formado. A vida de Luidi e Rosinha não foi em vão. Eles deixarão filhos, a perpetuar seus genes.
Animais não processam pensamentos lineares. Vivem o presente e são movidos por uma força chamada instinto.
Mas quando se tem como objetivo “despertar e sensibilizar”, nada é mais eficiente que atribuir a eles características e sentimentos humanos. Isso os aproxima de nós, cria a empatia e leva as pessoas a tentarem sentir como eles.
E é assim que, de grão em grão, vamos despertando e sensibilizando, preparando as pessoas para o que se espera delas, no novo mundo que está nascendo.
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