E tem gente que acha que tudo isso é só coincidência.

Às margens de uma estrada havia um carro incendiado. Um carro incendiado deixado às margens de uma estrada.

Próximo do local, uma cadela sem raça. Por acaso, prenhe. Nada que não possa ser visto em qualquer esquina.

Na hora de parir, muitas delas buscam ou improvisam abrigos. Buracos escavados em terrenos baldios é sempre uma opção. Escombros de qualquer coisa também são úteis. E por que não um carro abandonado?

Por alguns dias, mantiveram-se em sigilo. É certo que os filhotes nasceram ali, dentro da carcaça daquele carro queimado. Não era seguro, nem confortável, mas foi o melhor que aquela fêmea conseguiu.

Passadas as primeiras três semanas, os lobinhos abriram os olhos e começaram a se interessar em explorar o território em volta.

E nesse momento, passaram a ser vistos. O acostamento era o parque de diversão dos pequenos, alheios ao movimento e aos perigos da estrada ao lado.

Eles corriam, brincavam, se divertiam com as folhas secas de um galho caído durante uma tempestade.

Uma caixa de papelão desmontada podia ser também vista por ali, talvez fruto da boa ação de alguém que passou mas não deixou outras marcas.

A mãe estava sempre ali cuidando dos filhotes, com exceção para os momentos em que precisava se ausentar para também se alimentar.

Alguém viu a cena, se angustiou com a situação, contou os filhotes (10 lobinhos) e decidiu buscar ajuda.

O pedido de socorro chegou até a Lucinédia que, junto com alguns outros protetores, partiram para o resgate.

Ao chegarem ao local, encontraram um único filhote. O pedido de ajuda dava notícias de uma mãe e dez filhotes.

Estava evidente que alguém havia feito o resgate e, por descuido, havia deixado pra traz uma lobinha bem neguinha. Ela foi resgatada, depois de um “pente fino” feito nos arredores, para certificar de que nenhum outro filhote estivesse sendo deixado.

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No dia seguinte ao resgate da pequena Gabriela, a Lucinédia recebe um novo pedido de ajuda, dessa vez para uma mãe com 9 filhotes que havia sido resgatada no sufoco, mas que não tinha onde ficar.

A pessoa que viu fez o resgate, mesmo sem ter estrutura ou condições de dar o que eles precisavam. Não tinham sequer onde ficar.

Quem sabe uma família substituta para a pequena órfã?

Mas aí, alguns minutos de conversa e algumas informações foram dando forma à história e juntando as pontas. A mãezinha resgatada era a mesma do carro abandonado da estrada.

A resposta da Lucinédia não poderia ser outra: __Você deixou um filhote pra trás. Pode me trazer a família toda que a Gabriela está aqui esperando pela mãe e os irmãos.

A comemoração do reencontro foi com um banquete, ração para a mãe e muito leite para os pequenos, que esvaziaram o suprimento de leite da mãe. Ela reconheceu a filhotinha e fez muita festa, lambendo-a até quase afogá-la.

Maria, como passou a ser chamada a mãe, deve ter ficado admirada com a inteligência e astúcia de sua filha mais nova, que não apenas descobriu um lugar bem melhor que o carro abandonado, como conseguiu ainda levar toda a família pra lá.

A mãe continuava tão disponível para os filhotes como antes, sempre pronta a oferecer suas tetas para que eles sugassem até não ter mais nada pra sair.

Trocaram o carro abandonado por uma casinha redonda, forrada com muitos panos e cobertores, colocada sob o telhado de uma varanda.

Do lado de fora, vasilhas com água fresca e ração de ótima qualidade. Os filhotes já estão quase desmamando e já se arriscam a mastigar alguns grãos.

Os pequenos lobinhos continuam alheios a tudo. Eles não sabem que estavam em perigo. Pra eles, a segurança é a presença da mãe, tivesse ou não ela, o que comer.

Não sabem que, se hoje o leite é mais abundante, é porque a mãe tem comida farta e não precisa mais matar um leão por dia pra se manter viva.

Infelizmente, nem tudo são flores. Não sabemos o que efetivamente viveram naquele lugar. Até o momento do resgate, eles ainda mamavam e foi isso que os manteve vivos.

Mas os pequenos já estavam crescendo e começando uma dieta sólida, talvez regurgitada pela mãe, como ainda hoje fazem os lobos selvagens. E nessa fase eles precisam também de água. Não havia fonte de água por perto e eles já começavam a se desidratar.

Infelizmente, o resgate não chegou a tempo para dois deles. Dois dos filhotes estavam muito fraquinhos, foram internados, receberam todos os cuidados médicos mas não sobreviveram.

Lamentamos muito pelas duas vidas que não puderam ser salvas. Mas, apesar disso, temos um final feliz se desenhando, pelo menos para os oito filhotes sobreviventes e a mãe.

A mãe recebeu o nome de Maria e todos os filhotes terão nomes de anjos. Uma justa homenagem aos dois lobinhos que hoje habitam as estrelas.

A mãe ainda sai e deixa os filhotes sozinhos, mas agora não mais pra buscar a sobrevivência.

Agora ela deixa o ninho pra passear sozinha pelo jardim, ou apenas pra deitar sossegada e descansar. É que os filhotes agora têm babá e ela não precisa mais ficar todo o tempo lambendo a cria. Tem quem lamba por ela.

E ela é uma lobinha muito dócil e inteligente. Sabe que está sendo ajudada e confia cegamente em sua protetora.

Os lobinhos já receberam os primeiros cuidados e, um a um, foram adotados. A mãe também passou por uma longa preparação, com castração, vacinação, exames, etc.

Cada um deles seguiu seu caminho. Agora é torcer pra que tenhamos acertado na escolha dos adotantes, e que a história dessa família sirva pra sensibilizar e despertar quem ainda falta.

Um resgate de Lucinédia Figueiredo: lucinediafigueiredo@gmail.com

Pra ficar registrado, a assistência médica completa a toda a família foi dada pelos Dres Keisler e Rafaela, da Clínica e Pet Shop Estimação.

Fica aqui registrado nosso muito obrigado por tamanha dedicação. A vida saberá retribuir.

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