Em um sábado, ainda na parte da manhã, alguém decidiu que não queria mais cuidar de uma cadela e seus 6 filhotinhos. Os pequenos já estavam com olhos abertos, indicando que o abandono ocorreu exatamente no momento em que os filhotes começavam a andar e brincar, período em que de fato dão um pouco mais de trabalho.

Foram deixados na calçada de uma rua do Bairro Castelo, abrigados por alguns pedaços de madeira e lona plástica.

Como último gesto nobre, foi deixado também um punhado de ração. Não deixaram água e nem precisava. Afinal, chovia muito.

Como choveu o sábado inteiro, era certo que chovia no momento do abandono.

Mas deixemos os humanos em seus lugares e falemos de lobos (esses sim merecem meu tempo).

A notícia de uma lobinha com filhotes, na chuva, alcançou uma protetora que, mesmo voltando pra casa lá pelas 10 horas da noite, decidiu ver de perto.

Ao chegar no local, uma chuva forte havia encharcado não apenas o abrigo, como também os lobos. Filhotes com aproximadamente 30 dias de vida encharcados, tremendo de frio.

Um dos filhotes já estava uns três metros abaixo, na enxurrada, já com dificuldade de respirar.

Foram recolhidos, retirado o excesso de água com qualquer coisa (nessas horas, até a própria roupa serve) e colocados no banco do carro.

Quanto ao abrigo, de tão bem feito, veio abaixo minutos após o resgate dos lobos. Ainda não sabemos se a intenção foi construir um abrigo ou uma armadilha.

Só podemos acreditar que estes filhotes vieram ao mundo com algum propósito divino. Ou então é porque os protetores de animais estão mesmo se espalhando. Já são milhares agindo nos dois planos.

O resto agora são histórias de lobos, tal como devem ser.

Chegando em casa, ganharam uma cama quente e um abrigo. É preciso dizer que o abrigo que ganharam foi um banheiro humano, único lugar da casa onde não havia outros lobos.

Mesmo assim, o olhar de agradecimento desta lobinha refletia as razões porque tanta gente perde tempo pra ajudar essas criaturas.

Já os filhotes, alheios a tudo, não tinham a noção de que nasceram pela segunda vez. Mamavam, dormiam, brincavam e brigavam, disputando a liderança da matilha, como se tivessem um grande território a conquistar.

Nasceram pra ser reis e rainhas e não sabiam que o mundo nem sempre os recebe bem.

Logo após o resgate, já estavam amparados e protegidos, todos vermifugados e à espera de uma família que os acolhesse.

Eram 6 filhotinhos, sendo 4 fêmeas e 2 machinhos. A mãe não parava de lamber a mão de sua protetora. Estava muito magra, mas clinicamente bem.

Quanto aos filhotes, sabíamos que fariam sucesso entre os pretendentes à adoção. Vamos às apresentações.

Esta coisinha dorminhoca deveria se chamar Soneca, mas lhe foi dado o nome de Bia.

fe 5

A Suzi parece de algodão. É peludinha e muito esperta. Adora morder dedos, sapatos, pano de chão, etc.

O Sam é um sujeito folgado, daqueles que acham que o colo é só dele.

O Brian é o mais nervosinho. Não gostou nada da gravatinha amarela. É todo pretinho, mas parece ter pisado em uma bandeja de tinta branca.

A Helô é uma versão feminina do Brian. Os dois pisaram na mesma bandeja de tinta.

A Estrelinha disputava o colo com o Sam. Tem uma perninha toda branca. Entrou na lata de tinta e molhou até o peito.

Como já era de se esperar, eles foram disputados e iniciaram uma nova vida, cada um em uma família diferente.

Já pretendíamos preparar novas fotos da Martinha para poder anunciá-la e dar a ela o mesmo destino de seus filhos, quando o inusitado aconteceu.

Suas protetoras foram avisadas sobre uma ninhada que havia sido abandonada. Seus donos os deixavam na rua para que fossem pegos por pessoas que passassem pelo local, mas, como ninguém os pegou, ficaram na rua, sem comida, água ou abrigo. Tomavam chuva e sol.

Ao comparecerem no local e ver a situação, resgataram todos e os levaram para a Martinha, que os adotou como se fossem filhos. Começou a amamentá-los e VOLTOU A DAR LEITE.

A história da Martinha estava prestes a ser concluída, mas quis a vida que ela começasse tudo de novo. Mais uma turma de lobinhos precisava dela. Alguns dias se passaram, os novos filhotes foram adotados, com exceção de uma única filhotinha, que chegamos a acreditar que teria sido guardada para ser a companhia da Martinha em sua nova casa.

Foi a Martinha castrada e já estava pronta para adoção, quando recebeu de volta a Helô, que havia sido devolvida. Mas, pra ela, foi apenas uma visita, já que chegou, matou a saudade da mãe e, logo a seguir, partiu para uma nova e definitiva adoção.

Após a segunda despedida da Helô, continuou a Martinha em companhia da Tutti, sua filhotinha adotiva.

Se não pôde continuar com um de seus filhotes de sangue, esperávamos que ela conseguisse um adotante, junto com um de seus filhos de leite?

Mas a vida nos surpreende, às vezes.

A Martinha não foi rapidamente adotada, porque ela ainda seria útil na casa onde estava. Uma terceira ninhada órfã foi abandonada na porta e, novamente, adotada pela Martinha. Mais alguns dias, todos novamente adotados, com exceção da Tutti (remanescente da segunda ninhada), que estava em tratamento intensivo. O diagnóstico de Leishmaniose impedia a sua adoção e lhe impunha um pesado tratamento.

A Tutti não reagiu bem aos medicamentos e, no final, desistiu de continuar lutando. A Martinha esteve ao seu lado todo o tempo, como se estivesse adiando a sua própria partida para que pudesse cuidar da Tutti até o último dia.

Foi exatamente o que aconteceu. Martinha foi incansável, cuidando da Tutti. Foi a mãe que a pequena perdeu. Após a morte da Tutti, dez dias se passaram e foi a Martinha finalmente adotada. Ela precisou terminar sua missão, antes de seguir seu caminho.

De fato, eles também têm os seus destinos. A nossa vontade não manda nada. Agora ficou fácil entender. Como uma cadelinha tão especial poderia ter ficado tanto tempo sem que nenhum adotante aparecesse? Agora, a resposta nos parece óbvia. Ela tinha como missão cuidar de 3 ninhadas. A Tutti precisava dela, mesmo já estando desmamada.

A adoção não veio, contra todos os anúncios e formas de divulgação. Só ela sabia que ainda não era a sua hora. Continuou cuidando da Tutti, até o último dia de vida.

Com a morte da Tutti, os caminhos da Martinha se abriram. Pelo menos era o que pensávamos. Foi adotada por alguém que a recebeu de braços abertos. Martinha seria agora a companhia do Bob, um SRD muito amado pela família que estava triste, depois da morde de outro amigo canino. Ao conhecer a Martinha, sua tristeza e apatia se esvaíram. E não era pra menos. Homens (alguns deles) e lobos sabem reconhecer uma criatura especial.

Esperávamos que este final feliz fosse definitivo. Ledo engano.

Mas, ainda não foi dessa vez. Um filho mais velho de sua adotante não gostava da Martinha. Não sabemos exatamente o que aconteceu ou o que motivou aquela antipatia. Mas o fato é que Martinha também não gostava dele. Ela sempre foi uma das criaturas mais doces que já conhecemos, incapaz de rosnar pra quem quer que fosse, humanos ou lobos. Mas daquele humano ela não gostava.

As razões não importam mais. Ela deixou a casa da adotante, sob a ameaça de morte e foi levada a um hotelzinho, onde passou a viver confinada a um canil, em um lar temporário. Por sorte, temporário mesmo. Não foi por muito tempo. A nova adoção veio logo depois. Ela agora será filha única. Terá espaço e companhia.

Não encontramos as palavras pra terminar esta história. Lobos são especiais. Os humanos também serão, quando aprenderem a respeitar e amar esses seres. Por hora, fica a expectativa desta nova adoção. Ela é mesmo especial, diferente, única. E que tenha ela encontrado finalmente seu lugar no mundo.

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Um resgate de Eliana Malta e Cecília Gonçalves: eliana.malta@terra.com.br; ce.cit.gon@hotmail.com

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