Mais um lote de animais apreendidos de tráfico chegou ao nosso território, pelas mãos de biólogos e veterinários do Ibama e IEF.

Pequenos mamíferos são libertados assim que chegam. Dessa vez, uma família de gambás, um ouriço e um bando inteiro de micos.

Os pequenos pássaros são os mais numerosos. São também aqueles, dos quais temos a possibilidade de registrar os momentos finais de preparação, já que ficam por algumas semanas em nosso viveiro de aclimatação antes de ganharem a liberdade.

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Neste período, conseguimos individualizá-los (pelo menos alguns), identificar suas características, suas dificuldades e, aos poucos, conseguimos desvendar o passado que deixaram pra trás.

São muitos e variados, de todas as cores. Cada um traz o sonho de liberdade e uma história de escravidão e sofrimento.

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A grande maioria chega pronta para a vida livre. Os dias de aclimatação ajudam a fortalecer as asas, mas notamos que as condições para viverem na natureza já estão ali.

Outros, infelizmente, trazem marcas profundas das atrocidades que viveram.

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Desses mais debilitados, a grande maioria consegue se recuperar, contrastando com alguns óbitos (Infelizmente, uns poucos terminam sua história dentro do nosso viveiro, a poucos metros da janela que os levaria à liberdade).

Para nós, cada vida conta. Lamentamos por cada um daqueles que ficaram pelo caminho, mas temos muitos motivos também pra comemorar.

É gratificante acompanhar a evolução de cada um deles, sobretudo daqueles que deixam as gaiolas sem saberem usar as asas e que, em uma semana, já são capazes de voar com agilidade e controle.

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É emocionante vê-los experimentando e aprovando os sabores que encontrarão do lado de fora das telas.

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A tímida descoberta da mina d’água e do pequeno lago de água corrente, tudo preparado dentro do viveiro para reproduzir, com a maior perfeição possível, o novo mundo que os espera.

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Nosso viveiro de aclimatação é um paraíso para quem acabou de deixar uma gaiola, mas não nos iludimos. Sabemos que é uma prisão e que eles precisam e merecem muito mais.

O tempo que passam ali costuma ser de aproximadamente 30 dias.

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E é neste período que identificamos as histórias que serão usadas no processo de “despertar e sensibilizar”.

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Dessa vez, uma história, em especial, nos causou comoção e, ao mesmo tempo, revolta, por imaginar que nada disso precisaria acontecer se as pessoas tivessem um mínimo de compaixão e respeito por todas as criaturas.

E abordaremos aqui temas delicados e polêmicos, mas que são necessários para desconstruir conceitos ultrapassados e egoístas.

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Entre os mais de cento e cinquenta passeriformes, havia apenas dois psitacídeos. Eram dois periquitos da espécie Tuim, os menores do mundo.

Logo na chegada ao santuário, foi possível notar que um deles, que ganhou o nome de Rubinho, tinha dificuldade pra voar.

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Até aí, nenhuma preocupação, já que isso é comum entre animais que passaram muito tempo sem exercitar o voo. Sabíamos, ou melhor, esperávamos, que, em uma semana, já estivessem usando as asas como aves livres.

Os dois verdinhos logo se uniram, o que também é comum entre psitacídeos. A espécie vive em bandos e, por isso, eles sentem-se seguros estando em companhia de outro da espécie.

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O fato de serem dois machos não interfere, pois o comportamento de bando é instintivo. Assim que deixassem o viveiro, acabariam se unindo ao primeiro bando que encontrassem.

O tempo passou e o dia da soltura chegou. Infelizmente, os 30 dias não foram suficientes para o Rubinho.

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O nosso personagem já estava voando, mas com muita dificuldade, longe do que considerávamos desejável.

Ele usava as pernas mais que as asas e, quando forçado a tentar o voo, deixava claro que pra ele a liberdade não viria.

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O amigo, Tunico, já se mostrava pronto para a liberdade desde os primeiros dias da aclimatação.

Tudo indicava que eles nasceram em cativeiro. Ou foram apreendidos com pessoas que não tinham as licenças, ou foi entrega espontânea de tutores atentos aos valores dos novos tempos.

O dia da soltura se aproximava e havia duas possibilidades: Uma delas seria o Tunico deixar o viveiro sozinho e partir de encontro a um bando nativo, deixando o Rubinho continuar a vida de cativeiro.

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Outra, talvez a mais provável, seria o Rubinho romper seus limites e deixar o viveiro, na tentativa de seguir seu amigo.

Se assim fosse, sabíamos que ele não teria vida longa, pois os perigos da vida livre estão todos ali, à espreita de vidas inocentes e debilitadas.

Essa possibilidade não nos incomodava. Temos amigos que nos ensinaram que mais importante que ter onde viver, é ter pra onde voltar, e mais vale um só dia em liberdade que uma vida inteira em cativeiro.

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Entretanto, algo inusitado aconteceu. O viveiro foi aberto e os pássaros começaram a sair.

Em uma semana, todos já haviam deixado o viveiro e já não voltavam mais. Continuavam ali, no entorno, frequentando os comedouros externos, e buscando, a cada dia, um pouco mais de liberdade.

Essa busca pela liberdade não chegou para dois deles. Os dois pequenos psitacídeos continuaram ali. A janela aberta para a liberdade não os convidou a sair.

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E aí nos damos o direito de traduzir a comunicação entre eles: __Se você não pode sair, eu também não saio. Ficaremos juntos, seremos amigos e faremos desse viveiro a nossa casa.

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Não poderíamos manter o viveiro aberto por muito tempo, pois isso atrairia predadores. Além de colocar a vida deles em risco, poderíamos inviabilizar o trabalho de reintrodução.

Se predadores descobrirem o viveiro como fonte de comida fácil, teremos prejudicadas as solturas futuras.

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Então, o viveiro foi novamente fechado, trancafiando os dois amigos.

Esperávamos que não fosse “para sempre”. Acreditávamos que, quando o próximo grupo de pássaros chegasse, se nele estiverem outros Tuins, o Tunico buscaria a liberdade junto com os demais.

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E o nosso pequenino Rubinho talvez ficasse sozinho, ou tentasse acompanhar o bando.

Queríamos acreditar que o tempo devolveria a ele as habilidades de voo, mas, infelizmente, o Rubinho tinha mesmo alguma limitação grave, contraída durante os anos de escravidão.

Sabíamos que ele continuaria no viveiro. Teria a oportunidade de assistir a chegada e a partida de muitos outros, sejam da espécie dele, sejam de outras cores.

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A amizade eterna que aqui tentamos desenhar, talvez não dure para sempre. Animais não processam pensamentos lineares. Vivem o presente e são movidos por uma força chamada instinto. Se o Tunico encontrar a oportunidade de se integrar a um bando livre, assim ele fará, sem nem mesmo olhar pra trás.

É preciso explicar que, quando se tem como objetivo “despertar e sensibilizar”, nada é mais eficiente que atribuir a eles características e sentimentos humanos. Isso os aproxima de nós, cria a empatia e leva as pessoas a tentarem sentir como eles.

Mas nossa história ainda estava longe do fim.

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A saga de Rubinho e Tunico continuou, com os dois trancafiados. Assim viveram por mais 4 ou 5 meses, até que chegou ao santuário mais uma turminha bem numerosa.

Nosso viveiro estava preparado pra receber mais uma grande turma. Muito verde, muitas sementes e tudo que eles precisavam.

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Infelizmente, não havia nenhum Tuim no grupo, que pudesse estimular o Tunico a partir. Se o Rubinho não poderia voltar a viver livre, o Tunico tinha o mundo à sua espera.

Outros psitacídeos chegaram, de duas espécies diferentes.

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Logo formaram casais e bandos inteiros. Alguns tinham dificuldade de voar, outros estavam mais espertinhos.

Mas o período de aclimatação serve exatamente pra deixar todos nas mesmas condições, prontos para a vida livre.

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Além dos psitacídeos, muitos outros pássaros, de todas as cores. Em alguns dias, já começavam a formar novas famílias.

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Quando o dia da soltura chegou, os pássaros começaram a sair.

Dentre os psitacídeos, os periquitos de encontro amarelo foram os primeiros a sair. Em seguida, os Periquitos Reis. Deixaram um a um o viveiro e pousaram em uma mangueira em frente, como se esperassem o bando completo.

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Só partiram depois de reunido todo o bando.

Dentro do viveiro, ficaram dois Tuins, dividindo uma pitangueira desfolhada com outros retardatários da turma.

Mas, dessa vez, algo parecia começar a mudar. O Tunico ficava na tela, olhando o mundo do lado de fora, como se contemplasse algo inatingível.

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E não demorou muito pra ele pousar na janela do viveiro e contemplar o mundo sem as telas entre ele e a liberdade.

Logo ele decidiu se arriscar um pouco mais e voou até a copa de uma mangueira. Dali ele seguiu para outra árvore mais distante, depois pra outra, e depois de volta à mangueira de frente ao viveiro.

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Ciscava os grãos do lado de fora do viveiro, junto a outras aves livres. Acreditamos, num primeiro momento, que o Tunico não voltaria mais para o viveiro e que o Rubinho ficaria sozinho, como imaginamos que seria.

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Mas algo inusitado aconteceu. O Tunico não conseguiu partir. Bandos de Tuins na região existem aos montes, mas ele não se uniu a nenhum daqueles bandos.

Deixava o viveiro muitas vezes durante o dia, voava por todos os lados da fazenda, sempre sozinho, e voltava pra dentro do viveiro, para junto de seu amigo.

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O Rubinho parecia mais triste, por não poder acompanhar o Tunico, e também porque sentia que pra ele a liberdade não chegaria, não nessa vida.

De dentro do viveiro, ele acompanhava as saídas do Tunico e talvez sentisse a angústia de imaginar que o amigo talvez não voltasse.

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Mas o Tunico sempre voltava. Por mais de 30 dias nós os monitoramos. Queríamos tentar entender um pouco do que poderia ser um indício de afetividade entre animais em estágio evolutivo tão rudimentar.

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Eles estavam sempre juntos a maior parte do tempo, dentro do viveiro, mas um pedaço do dia, o Rubinho ficava sozinho enquanto o Tunico se aventurava, cada vez mais longe.

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E foi aí que algo aconteceu. Numa tarde, ao voltar de um de seus longos passeios, o Tunico pousou na tela do viveiro como se procurasse o Rubinho.

Não o avistou dentro do viveiro. Ele olhava ao redor, como se tentasse encontrar algum sinal do amigo. Vocalizava pra chamar o Rubinho, e esperava ouvir o grito de resposta.

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Infelizmente, os sinais que ele procurava estavam dentro do viveiro. Debaixo de uma touceira de sementes, onde o Rubinho gostava de ficar, havia um verde diferente.

As penas espalhadas eram o sinal de que aquela história de amizade havia chegado ao fim. Um predador havia invadido o viveiro naquela tarde e levado consigo o que sobrou de um periquito que um dia sonhou que poderia voar novamente. Não sabemos se foi um gambá, um rato ou mesmo um gavião, mas isso já não importa.

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O Tunico ainda ficou por ali mais algum tempo, mas sem entrar no viveiro.

Ao lado das penas, bem debaixo de uma laranjeira, havia um bilhete.

Rubinho 40“Meu amigo. Preciso lhe agradecer por sua amizade. Para o seu bem, eu precisei partir. Não seria justo você atrelar seu destino ao meu. Eu nunca mais poderia voar e você tem o mundo e uma vida inteira pela frente.

Eu estou bem agora. Me sinto livre pela primeira vez e, acredite, já posso voar. Eu conheci anjos que prometeram me trazer de volta na primeira oportunidade.

E é sobre este meu retorno que preciso lhe falar agora. Por favor, vá e seja livre, como eu não pude ser. Encontre a liberdade, aquela mesma que um dia sonhamos juntos que encontraríamos. Faça novos amigos e una-se a um bando nativo. Entre esses novos amigos, encontre aquela que será minha mãe, prepare com ela um ninho bem aconchegante e me espere.

Logo estarei de volta, e com uma vontade grande de ganhar o céu. E é você, meu amigo, quem vai me ensinar a voar.

O nosso sonho de liberdade não acabou. Ele está só começando.

Até breve!”

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A triste história do Rubinho nos leva a uma reflexão: Quando um animal silvestre nasce em um criatório comercial autorizado, ele recebe uma anilha de identificação, que serve de controle para os órgãos ambientais.

Aquela anilha, que só é possível colocar nas primeiras horas de vida, é a garantia de que aquele animal nasceu em cativeiro e, assim, não houve “dano ambiental”.

É como dizer a eles: __Bem vindo ao mundo. Você nasceu em um criatório autorizado. Você receberá esta anilha como atestado de que você é um animal “legalizado”. Viverá toda a vida como prisioneiro. Seu dono pagará caro por você e terá o direito de mantê-lo sob seu domínio. Não anseie pela liberdade, pois ela não virá. Conforme-se e aceite pois esse é o seu destino.

E assim, a brutalidade humana segue sacrificando vidas inocentes.

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Do ponto de vista ambiental, não há crime.

Mas nosso foco aqui é a proteção animal. Cada vida conta. Não importa se um animal nasceu em um criatório autorizado ou se foi retirado do ninho por traficantes covardes. A crueldade é a mesma.

E lembrando que são os criatórios legalizados que alimentam o tráfico, pois os animais exibidos por gente pouco evoluída como troféus despertam a cobiça em outros tão imbecis quanto.

E é do desejo daqueles que não podem pagar, que o tráfico surge como alternativa.

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Não queremos apenas leis ambientais. Queremos leis de proteção animal. Não basta apenas proteger o meio ambiente. É preciso proteger cada espécime.

As pessoas precisam entender que cada espécie viva veio ao mundo com habilidades e características que precisam ser desenvolvidas, em prol da evolução daquele ser que ali habita.

Se não comprar animais de traficantes é a forma mais eficiente de combater o tráfico, não comprar os “legalizados” é também a forma mais eficiente combater tamanha covardia.

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E não fiquemos restritos aos pássaros. Cães e gatos evoluíram pra dividir conosco a cama e o coxo. Todos os outros são escravos.

Isso vale para os animais de produção, animais de trabalho ou “ornamentais”.

A imbecilidade humana está presente em muitas frentes. A necessidade de autoafirmação e a vaidade de “dominar” uma fera, por muito tempo, estiveram presentes nos picadeiros dos circos.

Se os circos com animais estão em declínio, hoje temos os palhaços modernos. Exibir-se dominando e subjugando animais é coisa de gente fraca. Os antigos domadores dos circos não são diferentes dos peões de rodeio, ou dos falcoeiros.

São homens que se exibem, dominando e subjugando feras, que podem ser cavalos “selvagens”, touros bravos ou aves de rapina, o que não é nada diferente do que acontecia nos picadeiros dos circos.

Os cavalos e os touros não são selvagens, mas são estimulados a saltar pela dor. As aves de rapina não nasceram pra se empoleirarem em braços humanos. Seus algozes as treinam para realizarem performances para imbecis aplaudirem. Com todo o respeito, estamos diante de circos modernos.

E chamam a isso de “educação ambiental”. Ainda não conseguimos entender o que eles ensinam e a quem eles “educam”.

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Fica o convite à reflexão…

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