Quando estivemos pela primeira vez na casa de D. Tereza, havia 130 cães, muitos deles em estado de intenso sofrimento.

Muitos velhinhos, cegos, sem dentes, pequeninos, com dificuldade motora, precisando de cirurgia e até alguns em agonia.

Naquela ocasião, o Samuka era apenas um SRD de porte pequeno a médio, parrudo, capaz de se virar sozinho. Naquele dia, a câmera disparou pra todo lado e tiramos uma única foto dele, que foi divulgada junto a vários outros, sem nenhuma informação individual.

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No mês seguinte, quando voltamos para a segunda matéria da série, os casos mais complicados já tinham se resolvido e aí foi possível começar a prestar atenção nos mais fortinhos.

Naquela ocasião, foi possível notar um cachorro de porte pequeno a médio, perninhas curtas, bem parrudo e com cara de poucos amigos, com muitos pelos brancos na face e um dos olhares mais expressivos que já registramos.

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Mais uma vez, não deu e, por motivos alheios à nossa vontade, tivemos que interromper os trabalhos por tempo indeterminado.

Retornamos 5 meses depois, na expectativa de reencontrar alguns antigos amigos. O Samuka estava lá, mas não notamos nada diferente. As cicatrizes em sua face eram as mesmas de antes. Ele continuava com a mesma cara, que um dia, erradamente, interpretamos como cara de “poucos amigos”.

Usamos uma das fotos dele em um banner, que por um tempo foi a capa da matéria, na esperança de que alguém prestasse mais atenção nele. Àquela altura, já o classificávamos como um dos casos urgentes, por sua avançada idade, que já era notada.

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Explicamos que o Samuka já não mais sorria e chamamos atenção para as marcas das agressões dos outros cães.

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Novamente, outra matéria e, mais uma vez, fotos do Samuka, chamando a atenção para o brilho de seus olhos, que insistiam em não apagar, apesar de tudo.

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E haja recurso pra trocar até mesmo o cenário. Infelizmente, ninguém se interessou por ele. Naquele momento, já sabíamos que aquele cachorro era especial e que precisávamos intensificar a campanha em favor dele.

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Foi aí que ele ganhou uma madrinha muito especial, que insistiu em leva-lo para uma feira de adoções.

E lá foi o Samuka, primeiro para um Pet Shop, fez aquela faxina, pra depois se posicionar confortavelmente em um cercado de feira, fazendo exposição da própria figura.

A adoção não aconteceu e sua madrinha decidiu mantê-lo em um lar temporário. Na verdade, ela fez um pouco mais que isso. É que, naquele dia, foi possível perceber alguns sinais que as lentes da câmera não mostravam e que, na agitação de uma visita ao abrigo, não se podia ver a olho nu.

O Samuka não estava bem e precisaria de muito mais que apenas lar temporário. Seu corpo estava tomado de caroços que, segundo o veterinário, eram calos provenientes de feridas não curadas, uma sobre a outra, por anos a fio.

Os dias seguintes mostraram que o tempo dele naquele abrigo tinha vencido. Ele não tinha mais saúde pra continuar ali. Se não tivesse sido resgatado, não duraria muito tempo.

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Aqueles calos eram a herança das agressões e mordidas, acumulada ao longo de anos. Ele deve ter aproximadamente uns 12 anos de vida e chegou novinho ao abrigo.

Nunca soube o que é ter uma família, o que é dormir em uma cama só dele, ter comida à vontade sem precisar brigar por ela. Trazia no corpo a história de uma vida dura, contada em uma série de cicatrizes, muitas e muitas, algumas se sobrepondo às outras. Dava pra encher um livro com suas marcas.

Além delas, vários outros problemas. Até o pelo já apresentava falhas. Um olhar mais cuidadoso nos dava conta de que ele estava longe de ser o cãozinho parrudo que descrevemos nas primeiras matérias. Pelo contrário, ele estava magro.

A idade já tinha lhe roubado alguns dentes. Além do mais, com aproximadamente 12 anos de vida, todo cachorro precisa de mais assistência. E assistência individualizada é artigo de luxo num lugar com mais de 100 cães.

O resultado foi um acúmulo de problemas que estavam, literalmente, matando-o aos poucos. Uma otite crônica já provocava sangramento. A dor que ele sentia não dá pra descrever.

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Estava também contaminado com um hemoparasita que provoca uma doença conhecida como tristeza canina (babesiose), o que dispensa descrever os sintomas.

Sua cara fechada não era “cara de poucos amigos”. Era tristeza.

Então, ele ganhou de presente o tratamento completo, com todos os exames. Para a alegria geral da Nação, o garoto estava negativo para leishmaniose e com os rins funcionando bem.

Assim que chegou ao lar temporário, ele pulava e agradecia. Até latiu, coisa que não fazia há muito tempo.

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Todas as manhãs, acorda cedo pra correr pelo pátio. Até buracos na terra já está cavando.

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Está também aprendendo sobre afeto. Ele agora já pede carinho, coisa que também não fazia. Descobrimos também que o Samuka é um cãozinho calmo, o que nos leva a acreditar que a estada dele, por toda a vida, em um abrigo, foi muito mais sofrida do que se poderia imaginar.

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Hoje ele tem espaço e parece querer tirar o atraso. Era de se esperar um cachorro mais quieto, que passasse muito tempo dormindo.

Mas este não é o Samuka. Ele é capaz de andar o dia inteiro cheirando cada canto. Se ganhar uma casa com jardim, será a maior alegria da vida dele, mas se ao invés do jardim, tiver donos que se disponham a passear com ele, também será o paraíso.

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Anda não está correndo, mas é por causa de alguns poucos ferimentos nas juntas, mas que já estão se dissipando. Agora seus ferimentos terão tempo de fechar, sem que outro mais profundo seja plantado no mesmo lugar.

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É certo que ele não tem muito tempo, mas ainda dá um caldo. O menino tem energia e, se tiver quem o estimule, poderá aprender até a brincar.

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Samuka já está recuperado de todos os pequenos sinais da triste vida que teve. Seu futuro promete.

Você será feliz, amigo. Que o tempo que lhe resta seja o melhor de todos os tempos, o que não é muito difícil.

Talvez se esqueça dos amigos, não vai saber quem pagou suas contas, mas isso não importa. Ele já demonstra gratidão a qualquer um que chega perto dele. Isso significa que vai se afeiçoar aos futuros donos, instantaneamente.

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Foi castrado e, apesar da idade, correu tudo bem. Na mesma cirurgia, alguns outros pequenos procedimentos precisaram ser feitos, mas o menino está bem, apesar de tudo. Hoje ele está bem e totalmente recuperado.

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Será entregue com vacinação e exames em dia. Ele é um ótimo amigo, dócil ao extremo, com crianças ou adultos. Infelizmente, o tempo revelou um cãozinho pouco sociável com outros cães.

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Samuka é o melhor amigo que alguém poderia ter. Já viveu muito, mas esperamos que ele tenha qualidade no resto de vida que ainda tiver. A adoção precisa ser daquelas que compensará tudo que ele não teve.

Ele precisa partir, acreditando que valeu cada minuto de espera, que cada cicatriz tinha um propósito e que o vínculo afetivo pelo qual ele veio ao mundo continuará vivo.

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Apesar desse sorriso todo, conseguido na seção de fotos, com o menino solto pelo jardim, esta é a triste realidade de qualquer cão que espera por adoção.

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E a espera do Samuka tem durado muito. Na verdade, já durou uma vida quase inteira, quase no fim.

As marcas do tempo já se fazem mais nítidas, e não devem desaparecer mais.

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A adoção nunca chegou para o Samuka. Quando retirado de um abrigo lotado, em 2014, ele já não era jovem e, desde então, mais 5 longos anos se passaram.

As últimas imagens mostram o quanto ele tinha vivido, perto de uns 20 anos segundo estimativa dos médicos.

Nos seus últimos dias, ele andava com dificuldade, estava surdo e com falência de alguns órgãos. Não deu mais pra esperar.

Fica a tristeza de não ter conseguido um adotante pra ele. Mas, o próprio Samuka não sabia disso. Ele tinha o lar temporário como sua nova casa e assim foi.

Vá em paz, amigo, e que você encontre por aqui um mundo melhor.

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