Por algum tempo, as duas espécies foram classificadas como uma só (Didelphis aurita). Um dia, alguém percebeu que havia uma pequena e sutil diferença, nas orelhas.

Mas é claro que as diferenças vão mais além. Quando temos dois filhotes juntos, como na foto em destaque, é possível notar que a garota de orelhinhas pretas tem o focinho mais afinado e as orelhinhas menores e mais pontudas.

A garotinha de orelhinhas brancas é quase uma “dumbinha”. Tem orelhas maiores proporcionalmente, mais redondas, além de desprovida de pigmentos, é claro.

Mas aqui temos uma história muito triste pra contar. Eles são bichinhos do mato e, não raras vezes, invadem áreas urbanas. A covardia e crueldade, o preconceito, a desinformação e, às vezes, até o medo, levam as pessoas a agredirem e até matarem estes animais.

E muitas das vezes, aqueles que são mortos e atacados, não só por humanos, mas também por cães e gatos, são fêmeas levando outras vidas. Os gambás são marsupiais e têm uma bolsa onde carregam os filhotes.

E quando o instinto assassino dá lugar à razão, os agressores percebem que agiram mal e acabam encaminhando o que sobrou de uma linda família para os órgãos ambientais.

E é aí que começa o penoso e gratificante trabalho dos veterinários e biólogos do CETAS (Centro de Triagem de Animais silvestres / IBAMA-IEF).

Nesta primavera, eles receberam uma boa quantidade de filhotes órfãos, de pelo menos 3 espécies diferentes de gambás. São criados na mamadeira, até chegarem a uma idade que possam ser soltos na natureza para se virarem sozinhos.

No final da primavera, as crianças estavam prontas para a soltura. Chegaram ao nosso território amontoados, como instintivamente costumam viver enquanto são pequeninos.

A soltura de animais silvestres é sempre um momento especial para os que partem rumo a outros horizontes, mas tenso e angustiante para os que ficam.

Ajudar animais silvestres não é como proteger cachorros e gatos, onde podemos fazer o pós adoção e pegar de volta se não der certo.

Aqui, eles são libertados em área natural e estarão vulneráveis a todos os perigos naturais. A partir dos primeiros passos, eles estarão por sua conta e risco.

Gambás são onívoros e se alimentam de tudo um pouco, de sementes, raízes e frutas, até insetos, larvas, ovos ou pequenas aves.

Na turminha aqui libertada, havia 10 filhotes, de tamanhos diferentes e de 3 espécies distintas. O lugar escolhido para soltá-los foi um bosque ao lado de um riacho, com muitos troncos, folhas secas, frutos silvestres e tudo que eles precisavam para iniciarem uma história diferente.

Os primeiros a deixarem a caixa de transporte logo tentaram se esconder. Foram em direção à mata, procurando buracos de cupinzeiros e ocos de troncos.

Uma cena inusitada também foi flagrada. Um dos filhotes menores se empoleirou nas costas de um irmãozinho maior, repetindo o instinto natural de se pendurar na mãe.

Claro que o irmãozinho mais velho não teria tanta disposição e logo encontrou uma forma de se livrar daquele incômodo viajante.

Deixou o pequenino pelo caminho e seguiu seu próprio destino, subindo o morro em direção à mata.

O cisquinho rejeitado voltou em direção à caixa e todos esperavam que ele retornasse para a segurança do grupo de retardatários, quando então ele deu uma volta e se dirigiu ao tronco de uma árvore próxima.

Gambás são arborícolas e aquela nova casa era perfeita pra eles. Um bosque com muitas árvores, muitos insetos, muitos frutos, folhas secas, ocos de troncos e cupinzeiros.

Queríamos poder registrar cada um daqueles destinos, mas nossas lentes não iriam além dos primeiros passos.

Eles são animais de hábitos solitários e noturnos. Isso significava que, depois desse último encontro, dificilmente voltaremos a vê-los.

Estava claro que eles se espalhariam e buscariam se entocar, até o cair da noite.

Tínhamos que nos conformar de vê-los partir. O máximo que teriam de seus amigos humanos, de agora em diante, seria a torcida para que encontrassem o caminho certo.

Na verdade, podemos fazer um pouco mais que apenas torcer. Preservar o meio ambiente é a melhor ajuda que podemos oferecer a eles. Ensinar às pessoas que todas as criaturas merecem respeito e proteção também é importante.

Se algum dia, um desses pequeninos, já adultos, invadir um terreiro, uma casa ou um galinheiro, que sejam respeitados e protegidos. Que nenhum gambazinho termine seus dias machucado por mãos humanas.

A soltura se estendeu dia adentro. O dispersar demorou mais do que imaginávamos. Enquanto alguns já estavam longe, outros ainda despertavam do sono da viagem.

O bosque onde eles viverão é todo cercado por tela, exatamente para evitar a entrada de predadores (cães e gatos). Nossos mocinhos estão protegidos, pelo menos de alguns predadores.

Aves de rapina são também um perigo a parte, mas espera-se que seus instintos os mantenham escondidos quando algo ameaçador cortar o céu.

Flagramos ainda uma última despedida, de um dos pretinhos, um legítimo representante de uma das duas espécies brasileiras menos conhecidas. Este não tem somente as orelhas pretas, mas todo o resto.

Por fim, nossas duas últimas retardatárias, uma mocinha de orelhas pretas, a quem demos o nome de Marcela, e outra de orelhas brancas, a quem chamamos de Maíra.

Elas demoraram a despertar da viagem e ficaram por ali, esperando um lanchinho. Já estavam alimentadas quando deixaram o Cetas, mas não dispensariam um suprimento a mais.

Afinal, quanto mais tempo elas puderem ficar entocadas, melhor será para a adaptação.

Comeram com gulodice, encheram ainda mais as barriguinhas, sem se importarem com nossas lentes, que insistiam em registrar os seus últimos momentos ao alcance das câmeras.

As espécies são sazonais e se reproduzem entre o fim do inverno e o início da primavera, geralmente de setembro a maio. Cada reprodução gera, em média, seis filhotes, mas esse número pode variar entre 4 e 14 indivíduos.

A gestação dura de 12 a 14 dias, e os filhotes ficam dentro de uma bolsa por 46 dias. Após 60 dias os filhotes saem do marsúpio e ficam agarrados às costas da mãe.

Apesar de estar classificado como em baixo risco de extinção, os gambás são dos animais nativos com maior índice de atropelamento nas rodovias brasileiras.

Queremos muito que nossos pequeninos hóspedes fixem morada em nossas matas. Não terão galinheiros, mas nossas matas têm suprimentos suficientes pra todos eles. Se quiserem ocupar o forro da casa, serão bem-vindos.

Temos frutas em abundância em todo o santuário, mas, provavelmente, eles acabarão saqueando alguns ninhos, ninhos que também gostaríamos de proteger, mas o fato é que em um ambiente natural, a relação entre predador e presa precisa existir.

Marcela e Maíra permaneceram juntas todo o tempo. Ficaram por ali, compartilhando o mamão e uma espiga de milho.

Ao cair da noite, é certo que elas tomarão caminhos diferentes. Nem da mesma espécie elas são.

Talvez um dia nossos caminhos voltem a se cruzar, mas o desejável, é que todos eles cresçam, encontrem seus pares, se reproduzam, sejam respeitados e cumpram a etapa evolutiva para a qual vieram ao mundo.

E por falar em respeito, a soltura dos pequenos foi acompanhada e registrada, sendo mostrada em uma matéria divulgada no canal da Maíra Lemos, jornalista. Afinal, despertar e sensibilizar é o único caminho e educação ambiental é compromisso de todos.

Abaixo, o link da reportagem sobre reabilitação de animais silvestres, onde os nossos pequeninos viraram astros e estrelas.

https://www.youtube.com/watch?v=3IJUvt4G5qs

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