A vida tem caminhos que só alguns enxergam.
Zezinho é um mesticinho de Pinscher de menos de 5 quilos. Já estava castrado, o que indica que, em algum momento, alguém se preocupou com ele.
Nós o encontramos às 06:30 da manhã, em um domingo, em uma avenida muito movimentada, tremendo e chorando muito, encolhido na sarjeta, debaixo de uma moita alta de capim. A perninha pendurada e sem mobilidade indicava um grave atropelamento, que num primeiro momento acreditamos que tivesse acabado de acontecer.
Eu estava de bicicleta e não tinha como leva-lo. Tentei pegá-lo mas ele estava distribuindo dentes e saiu correndo, com a perna pendurada, na frente dos carros. Fui atrás, mas notando que se insistisse na tentativa de resgate acabaria fazendo-o correr para a avenida.
Foi aí que um casal, percebendo que eu estava tentando pegar o cãozinho, parou o carro e me abordou:
__Ele estava lá em casa, mas pode levar. Não quero esse bicho lá.
__ Ele é da senhora?
__ Não. Eu não gosto de cachorro. Meu neto que trouxe. É de uma amiga dele.
__ Ele está atropelado e precisa de socorro urgente. Vocês me ajudam a pegá-lo?
__ Não posso. Estamos atrasados para a missa.
__ Deus ficará bem mais feliz se vocês ajudarem a salvar aquele filho dele. Se eu tentar pegar ele correrá para a frente de um carro. Eu preciso que vocês abram o portão de sua garagem pra ele entrar.
Envergonhados, estacionaram o carro e desceram. Abriram o portão da garagem e eu fui cercando o cãozinho até que ele entrasse. Então eu disse à Senhora:
__ Eu não tenho como leva-lo de bicicleta porque ele está muito nervoso. É possível vocês o segurarem aí até eu voltar de carro?
__ Sim. Ele ficará no terreiro.
__ Posso confiar de que ele não “fugirá” novamente? (Eu sabia que a fuga foi permitida)
__ Se você voltar, ele não fugirá. Mas se você não voltar, ele vai fugir com certeza.
Marquei de voltar no final da manhã, quando o casal já teria voltado de seu compromisso, na igreja.
Ao retornar, o neto, suposto responsável pelo cãozinho, não estava em casa. Eu insisti, peguei o menino com uma toalha e o coloquei em uma caixa de transporte. Deixei meu nome, telefone e notei a preocupação daquele senhor de anotar a placa do meu carro.
Fiquei imaginando qual poderia ser a desconfiança deles. Afinal, eles não queriam o cachorro, jogaram-no em uma movimentada avenida com perna quebrada e tudo e não deram nenhuma assistência ao pobre bichinho.
Pelo que entendi, já estava machucado havia dias, quando chegou àquela casa, na noite anterior (Meia-noite, segundo informação indignada da senhora que, na manhã seguinte, por “descuido”, abriu o portão e deixou o cãozinho escapar, “sem querer”.)
Dali, seguimos direto para uma clínica veterinária, onde foi examinado e medicado. Era domingo e foi então agendada a radiografia e uma consulta com ortopedista, na segunda-feira.
Sabíamos que o caso era grave, mas não poderíamos fazer nada no domingo. Ele veio para nossa casa e aqui passou o dia e a noite.
Foi recebido por Hanna e Duda e parecia ter ficado mais tranquilo, apesar da dor que sentia.
Na segunda-feira, demos sequência ao plano inicial. O laudo da radiografia não poderia ser pior: Fratura completa, transversa, em terço médio de úmero.
Mais que consulta com especialista, ele precisaria de uma cirurgia de emergência, o que também ocorreu no mesmo dia.
Constatou-se que a fratura já tinha alguns dias e que as lascas dos ossos tinham retalhado toda a musculatura da perninha dele. Foi necessário reconstituir tudo com pontos internos e colocação de pino para segurar os ossos no lugar.
Mais tarde, recebemos uma ligação da pessoa responsável pelo resgate do Zezinho. Mostrava-se preocupada e queria se certificar de que faríamos por ele o que ele precisava. Restava saber o significado de “o que ele precisava”.
Aquela ligação foi a oportunidade para conhecermos um pouco a história dele. O menino havia chegado à porta de uma casa no Bairro Ouro Preto, já com os sinais do atropelamento. Ali ficou por mais de 4 dias, recebendo comida e água.
Nesse tempo, ele chegou a ser levado a uma consulta médica, que já havia alertado da necessidade de uma radiografia e de posterior cirurgia.
Para a casa da religiosa senhora, ele foi a título de lar temporário, no sábado à noite, com a radiografia já agendada para a segunda-feira.
Foi despejado na hora em que passávamos de bicicleta, às 06:30 da manhã de domingo. Estava escondido no mato alto e colocou a cabeça pra fora no momento exato em que nos aproximávamos.
O melhor é mesmo acreditar que ele estivesse sendo guiado para que nossos caminhos se cruzassem.
Segundo sua primeira protetora, ele estava sendo chamado de Zezinho. Decidimos manter este nome, que de fato lhe caía bem.
A cirurgia foi bem pesada, mas tudo correu bem. Ele teve alta médica no mesmo dia e chegou por aqui com muita fome, o que foi um ótimo sinal.
Reforçamos a ração com bastante patê e deixamos ele comer até se empanturrar. Afinal, de barriguinha cheia ele dormiria melhor.
No dia seguinte, uma maratona de remédios o esperava. A recomendação médica era de repouso absoluto.
Segundo estimativa dos médicos que o atenderam, ele tinha no máximo 10 meses de vida, sendo ainda filhote. (Data estimada de nascimento: 12/05/2016)
Dentre os remédios prescritos, estava antibiótico, anti-inflamatório e analgésico. Sem as dores dos últimos dias, a carinha dele mudou. Isso, somado à energia de filhotinho arteiro e o estímulo de uma matilha alegre e equilibrada, tínhamos aí um indício bem evidente de que o repouso não seria obedecido.
Pra evitar a agitação da Pintada, que também é estabanada ao extremo, decidimos deixa-lo dormir dentro de casa, com Hanna e Duda.
As duas correm e brincam o dia inteiro. Passam boa parte do tempo na varanda, latindo até pro vento.
O Zezinho ficou por ali, mas ainda discreto. Por 3 dias nós não ouvimos um só latido dele.
Mas o comportamento quietinho dele não durou nem uma semana. Com 3 dias de cirurgia ele já dava sinais de que estava incomodado com o repouso sugerido.
E aí ele se transformou. A cirurgia aconteceu na segunda-feira, mas na quinta ele já estava pulando e correndo, latindo na porta da rua e ameaçando avançar em quem chegasse perto das grades.
Conheceu a Pintada e não se intimidou com o tamanho dela. Pelo contrário, foi dele a iniciativa de chama-la para brincar.
Não pode haver no mundo lobo mais especial que nossa Pinta. Ela parece que veio ao mundo com a missão de ajudar na recuperação de outros animais.
Já perdemos a conta de quantos filhotes órfãos ela adotou, de quantos lobinhos tristes ela alegrou.
O Zezinho seria mais um a merecer os cuidados e a amizade dela. E ele sabia mesmo que agora teria uma matilha estruturada e equilibrada, capaz de dar a ele a segurança que tanto precisava.
Estava feliz o nosso Zezinho. Tornamo-nos amigos, apesar do estresse do dia do resgate e dos dias seguintes. Mas precisávamos compreender: As condições em que seu braço se encontrava davam uma noção da dor que ele sentia.
Uma semana depois de ter chegado à nossa casa, Zezinho já se sentia parte de uma família. Tinha afeto, recebia cuidados e ganhou uma caminha bem ao lado da cama da Duda.
Ganhou também o direito de latir na porta da rua, de correr pela varanda e de assumir o papel de lobo alfa da matilha. Afinal, ele era o único macho e estava se achando.
Parecia não se lembrar que nem lobo inteiro ele era. A cirurgia tinha sido um sucesso, mas o estrago foi grande demais e nem mesmo os médicos poderiam prever o que o futuro reservava pra ele.
Se tendões tivessem sido rompidos, ele poderia perder toda a mobilidade da perna, o que poderia resultar em uma amputação no futuro.
Estávamos ansiosos por vê-lo usar a perna. Queríamos a certeza de que o acidente não deixaria sequelas e que ele voltaria a ser o filhote que foi um dia.
Os dias passaram e ele já estava melhor, mas ainda assim preservando a perna, o que era considerado normal para a gravidade dos ferimentos, mas insuficiente pra amenizar nossa angústia.
Alguns dias depois da cirurgia, uma visita ao veterinário para trocar o curativo nos deixaria ainda mais tensos com a situação.
Aquele curativo que imobilizava toda a perna foi trocado por um esparadrapo que apenas lhe cobria os pontos.
Mesmo assim, antes de chegarmos em casa, passamos no Pet Shop para comprar algo pra comemorar o que considerávamos uma ótima evolução.
Ele ainda não tinha mobilidade na perna e andava com ela suspensa.
Mesmo assim, durante o garimpo no ossinho, ele apoiava a patinha. Chegamos a nos arrepender de não ter comprado o osso desde o primeiro dia.
Claro que, em território de lobos felizes, quando uma criança ganha um brinquedo depois da injeção, todos têm que ganhar também, pra não dar confusão.
O Zezinho tem se mostrado bem dominante em relação à comida, o que indica que talvez ele tenha sentido muita fome em algum momento.
Em territórios onde os lobos são obrigados a brigar para comer, eles acabam desenvolvendo esse hábito ruim.
Os dias seguiram e ele melhorava ainda mais. Enfim, chegou o dia da retirada dos pontos. A cirurgia tinha sido um sucesso e ele já dava alguns sinais de que poderia recuperar os movimentos da perna.
Zezinho já estava castrado quando o resgatamos e tudo indica que a castração aconteceu com ele bem novinho. Isso porque o menino não costumava levantar a perninha pra fazer o xixi.
Fazia abaixado na grama, como as fêmeas. Isso é comum em machos que foram castrados antes de atingirem a maturidade sexual.
Claro que isso poderia ser também reflexo da dor. Afinal, foram muitos dias de dores bem intensas, até o nosso encontro.
Ele acabou fazendo amizade com a Pintada, com quem passou a dividir o território depois de alguns dias.
Mas nem tudo são flores. O sujeitinho estava dormindo dentro de casa e, desde que foi pego na rua, não tinha tomado um só banho, nem mesmo a seco.
Não poderia molhar o curativo e, em razão da fragilidade de sua perna, tivemos receio de machuca-lo se tentássemos dar o banho a seco.
Então, o caminho foi mesmo deixar que ele ficasse “fedido” por uns dias.
Mas não por muito tempo. Claro que, assim que ficamos mais seguros com a sua recuperação, fomos obrigados a apresentar a ele algumas contas a serem pagas.
Afinal, se ele tem a pretensão de, um dia, ser um lobinho de dentro de casa, com direito a dividir a cama com os donos, terá que tomar banhos com bastante regularidade.
E ele nem reclamou tanto assim, mas não tem muita experiência com banhos. Talvez ele fosse um cachorro de terreiro, que vivia largado, sem atenção e sem muito carinho.
Vai saber o que foi a vida dele até aqui!
Até mesmo os afagos com a toalha eram bem recebidos por ele.
Zezinho é um cãozinho muito carinhoso. É ligado na tomada e não para um só minuto. Quer brincar e morder o tempo todo, o que nos confirma que ele é mesmo bem novinho.
Faltava agora intensificar os exercícios para que ele voltasse a andar normalmente.
E a recomendação foi hidroginástica. E bastou iniciarmos os exercícios para nos enchermos de alegria. Na água, ele batia as duas patinhas, fazendo instintivamente os movimentos da natação.
Estava evidente que todos os seus movimentos estavam preservados e isso era um sinal de que ele sairia desse capítulo sem nenhuma sequela.
Ele ainda manca bastante e ainda está com a patinha suspensa em alguns momentos. Mas já começa a usá-la para ajudar no apoio, sobretudo na hora das correrias e brincadeiras.
Nesses últimos dias, ele pôde aprender sobre a vida de um cãozinho de estimação, de dentro de casa, de colo.
Não que ele seja exatamente um menino de colo. Pelo contrário, não é. Isso porque, no auge de seus 11 meses de vida, ele é agitado demais e só quer saber de brincar e morder o tempo todo.
Ele precisa estar muito cansado pra aceitar ficar deitado quietinho e ganhando carinho.
Na maior parte do tempo, é agitado e brincalhão.
Os exercícios dele eram acompanhados pela Hanna, que parecia querer dar apoio moral pra ele: __Vamos, Zezinho. Você vai conseguir.
Zezinho passou também por exames, está negativo para leishmaniose e já iniciou a vacinação com a Leishtec. Já podemos dizer que o resgate dele foi um sucesso.
Talvez ele nunca tenha sido um cãozinho de dentro de casa, mas o fato é que agora ele é, e somente será doado pra dividir o ninho com os futuros donos.
Um bom jardim também vai agradar. Em nossa última viagem em família, ele acabou indo na mala, pois não tínhamos onde deixá-lo. Zezinho ainda estava se recuperando e uma aventura selvagem poderia trazer consequências.
Mesmo assim, decidimos arriscar. E foi uma alegria só. Correu muito por todo lado.
Descansou outro tanto, pois não estava acostumado a tanto exercício.
Conheceu muitas trilhas e experimentou laranja serra d’água colhida na hora.
Já tinha, na Pintada, sua grande amiga e a acompanhava por todo lado, algumas vezes se aventurando e enfrentando o desafio, outras demonstrando medo de se lançar no desconhecido.
Aprendeu a cavar buracos, o que era excelente para ele se exercitar. Usou a perninha operada com desenvoltura e cavou bastante.
Descobriu também o gosto pela aventura, embora algumas vezes ficasse com muito medo, sobretudo de se embrenhar na mata.
Comentários / Mais informações sobre o anúncio devem ser obtidas com os anunciantes, no telefone ou e-mail indicados acima.