Era uma vez uma bailarina. Bailarina era o nome dela, muito embora não tivesse motivo algum pra dançar.

Ao seu lado, um companheiro de tragédia, um Sabiá barranqueiro jovem e ainda cheio de disposição para recomeçar.

O Chauá é um papagaio de testa vermelha, uma espécie em extinção.

Ocorrem exclusivamente no Brasil em regiões de serras próximas ao litoral, de Alagoas ao Rio de Janeiro, passando pelo leste de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo.

A região é de mata atlântica, tão devastada que hoje o Chauá vive em pequenas reservas, confinado ao que sobrou de seu antigo território.

Os dois chegaram às nossas mãos por caminhos tortos, salvos por um despertar que vem atingindo a humanidade.

Aqueles que um dia aprisionaram, hoje são os salvadores, dispostos a corrigir erros passados e dar o exemplo que despertará mais homens e libertará mais vidas.

Nosso viveiro não está vazio. Gael e Gabi, embora de espécies diferentes, formaram, senão um casal, uma dupla inseparável.

O Sabiá, que chamaremos Canelinha foi o primeiro a romper a gaiola e deixar o passado pra trás.

Momentos assim são sempre tensos, pois ali saberemos se aquele resgatado terá ou não uma verdadeira segunda chance ainda nesta vida.

Nosso garoto deixou a gaiola e logo se pôs a ciscar o chão de terra batida, experimentando alguns sabores novos.

O viveiro também é uma prisão, mas uma prisão de passagem. Ali ele vai fortalecer as asas e experimentar uma vida llivre controlada para, mais tarde, romper as telas e retomar a vida.

Ficamos na expectativa pra saber se ele voaria e, bem diante de nossos olhos, mas rápido demais para as lentes da câmera, ele levantou vôo. Foi um voo de reconhecimento, para medir a distância que teria, pousando em seguida em um poleiro mais alto.

De seu observatório, ele contemplou o novo mundo que se descortinava. Olhava pra todo lado, como se tentasse entender a mudança que acabara de viver.

Do poleiro para os galhos de uma amoreira e de lá para outro poleiro mais adiante.

As telas ao fundo de algumas fotos nos lembram que nosso recinto não passa de uma prisão, da qual ele vai se livrar em breve.

Canelinha está bem, tem todos os instintos preservados e em breve estará livre. Do lado de fora, ele encontrará outros de sua espécie e retomará o caminho evolutivo do qual foi arrancado.

Enquanto isso, no outro canto do viveiro, uma certa Bailarina ensaiava os primeiros passos do que queremos que um dia se torne uma dança verdadeira.

O esforço pra deixar a gaiola revelou o que mais temíamos. Suas asas haviam sido cortadas.

Nada pode ser mais triste que assistir uma tentativa assim de recomeço. É doído, sofrido, cheio de dúvidas e incertezas.

Bailarina ficou ali nas telas da gaiola de transporte, observando o mundo à sua volta.

Os dois anfitriões estavam ali, atentos à novidade, mas se mantendo distantes.

São três espécies diferentes. Duas delas não pertencem às nossas terras e, por isso, precisaremos notificar as autoridades ambientais.

A algazarra e vocalização de Gael e Gabi não intimidaram nossa Bailarina, que, dali mesmo das telas, cuidou de alcançar um tronco e dele arrancar uma lasca, experimentando sabores e nutrientes que claramente lhe faltaram durante o tempo de cativeiro.

A dieta de um animal silvestre é muito diversificada. Por melhor que sejam alimentados em cativeiro, nunca receberão de mãos humanas os nutrientes que precisam.

Nosso recinto procura reproduzir uma pequena parte do que a natureza oferece. É um treinamento que vai ajudar quando a liberdade chegar.

Das telas do viveiro, um debater de asas que nos pareceu uma tentativa de voo. Claro que com tantas penas faltando, ela não conseguiria deixar o chão usando asas.

Refugiou-se em um canto e dali tentou alcançar alguns galhos que, caprichosamente, desciam até o chão, como se lhe estendessem dedos.

Bailarina, que nunca se submeteu aos homens e jamais aceitou se empoleirar em dedos humanos, aceitou de pronto aquela oferta de amizade, vinda de uma frondosa amoreira.

Primeiro o bico, depois um pé e, em alguns passos, estava ela escalando os galhos da amoreira, rumo ao ponto mais alto que aquele estágio poderia lhe levar.

As fotos seguintes já mostravam nossa dançarina entre os galhos mais robustos, sentindo-se protegida, no que se assemelhava, pelo menos um pouco, ao habitat que um dia foi dela.

Àquela altura, Canelinha já estava em casa, quase tão pronto para ser solto quando o Verdinho, uma maritaca que também chegou por ali há alguns meses, sem saber voar, mas que hoje já está pronto para experimentar a liberdade.

Gael e Gabi seguem experimentando a vida. Dessa vez, um pedaço de cenoura, que veio na gaiola de transporte da Bailarina, e do qual eles se apossaram.

Área de soltura não pode ter moradores permanentes.

Ainda temos esperanças de que nossos dois gorduchos reaprendam a voar. A Gabi também chegou por ali com as asas cortadas e a troca completa das penas ainda não ocorreu. Por isso, ela ainda está no estágio que antecede às primeiras tentativas de voo.

Gael é um Papagaio Moleiro, o gigante brasileiro. Em cativeiro, eles ganham peso com facilidade e isso dificulta muito a sua reintrodução.

Ele passou pelo menos 25 anos sem poder esticar as asas. Não sabemos se ficará confortável algum dia pra tentar voar. Ele também terá outro destino em breve, de preferência com algum criador conservacionista que disponha de outros de sua espécie.

Bailarina também não encontrará outros de sua espécie nessas terras. Por isso temos a esperança de que os órgãos ambientais tenham algum programa específico para a reintrodução das espécies, embora saibamos que não há recursos para levá-los tão longe.

Se eles formarem uma trupe, mesmo que seja de apenas 3 de espécies diferentes, e puderem viver ali, soltos, já teria sido uma grande vitória.

Canelinha, o Sabiá, segue reforçando as asas e, em mais alguns dias, estará livre.

Os dias têm feito bem à nossa nova hóspede.

Bailarina já se sente mais livre e percorre todo o viveiro. Ainda não pode usar as asas, mas não lhe falta disposição para longas caminhadas.

Escala com facilidade os poleiros e troncos que ali foram instalados pra ela.

O frio dos últimos dias tem feito ela apreciar o sol que aquece o viveiro em boa parte do dia.

No caso da Bailarina, nossa espera será mais longa que de costume. Não precisamos ansiar pelos próximos dias, mas sim pelos próximos meses.

A troca completa das penas acontece de uma a duas vezes ao ano, o que nos impõe no mínimo 12 meses de espera, até que as asas de nossa garota estejam novamente em condições de serem usadas.

Até lá, ela terá que se conformar com o cativeiro.

Infelizmente, o habitat natural de sua espécie é um dos mais devastados do País.

Quase não temos mais mata atlântica, menos ainda nas serras mais próximas do litoral.

Em Minas, a incidência dela se dá em pequenos trechos, na faixa leste do Estado, quase na divisa com Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Isso reduz muito as chances de uma reintrodução bem sucedida em nossas terras. O caso é grave, mas não poderíamos nos furtar a salvar uma vida tão necessitada.

No caso da Bailarina, fizemos o resgate, mas precisamos das autoridades ambientais para dar sequência ao que precisa ser feito.

Só o Ibama tem autorização legal para receber animais silvestres e, neste caso, não será diferente. Já acionamos o órgão e, por sorte de nossa Bailarina, há uma ONG no norte do Estado, que tem feito um trabalho de conservação e soltura de papagaios da espécie.

E é pra lá que a Bailarina seguirá viagem. Ela será entregue aos cuidados dos veterinários do Ibama e, de lá, seguirá um novo caminho, de volta pra casa.

Ficará conosco a angústia das incertezas que a esperam. Mas sabemos também que toda reintrodução é bem sucedida. Ela terá o novo começo que merece, reintroduzida em um bando de sua própria espécie, ou mesmo em um ninho preparado pelos poucos que ainda vivem livres.

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