A imprensa brasileira precisa entender que tudo o que divulga tem consequência. E precisa também entender que o público é composto por uma maioria de semi-alfabetizados, de forma que é preciso explicar tudo “timtim por timtim e depois ainda entrar em detalhes”.
Há alguns meses que os surtos de febre amarela vêm ocupando boa parte dos noticiários. Como forma de ilustrar e enriquecer as matérias, filmaram alguns macaquinhos urbanos, que vivem nos parques das cidades.
Esqueceram, entretanto, de explicar de forma bem detalhada que os primatas não são transmissores e que servem de alerta às autoridades para identificarem locais de ocorrência da doença.
Esqueceram também de explicar que estes surtos ocorreram com maior intensidade em áreas atingidas pelo rompimento das barragens de minério, e que isso tem a ver com a diminuição da população de anfíbios, que são os predadores naturais dos insetos transmissores.
Esqueceram ainda de ensinar que a vida se faz de um delicado equilíbrio e que a forma mais eficiente de evitar doenças é preservando os ecossistemas e a natureza.
O resultado dessas reportagens descuidadas foi uma caçada aos macacos, que vem acontecendo nos confins do País.
Outro exemplo de reportagem inconsequente é a ligação das capivaras da Pampulha com os casos de febre maculosa. Biólogos já alertaram que a retirada das capivaras não vai resolver o problema.
Pelo contrário, vai piorar, pois os carrapatos passarão a colonizar outros animais, como cavalos e cães, o que os levará para áreas mais próximas das pessoas.
Existem soluções mais baratas e mais eficientes, que não envolvem maus-tratos, sacrifício ou confinamento dos animais.
Mas estamos aqui pra contar a história do Chiquinho. Animais da espécie dele, que sempre despertaram a nossa simpatia, estão agora sendo vistos, erroneamente, como vilões. Alguns estão sendo atacados e mortos, por pura ignorância.
Este, por sorte, não foi o destino do Chico. Ele teve uma segunda chance.
Infelizmente, nem todas as histórias de reintrodução são felizes. Mas que sirvam para despertar e sensibilizar.
Chiquinho fazia parte de um pequeno grupo de quatro micos, sendo dois machos e duas fêmeas. Era um grupo pequeno, mas dava pra começar um novo bando em liberdade.
Dois deles foram apreendidos pelas autoridades ambientais em poder de gente ruim que os aprisiona. Os outros dois foram resgatados depois de se acidentarem em área urbana.
A espécie é territorial e hostil com indivíduos estranhos. Por isso, a preparação de uma nova família para a liberdade é tão trabalhosa. A aproximação precisa ser lenta, com telas entre eles. Precisam ser mantidos próximos, com intenso contato visual, mas separados para evitar as brigas, que podem ser fatais em alguns casos.
Depois que se acostumam com a presença uns dos outros, podem ser apresentados oficialmente, ocupando o mesmo recinto. E só depois do bando formado é que podem, finalmente, receber um território.
Todo esse trabalho de resgate/apreensão, tratamento e preparação é feito pelo CETAS. E quando o banco está formado, é hora de devolvê-los à natureza.
O Santuário Vale dos Sonhos é um dos destinos desses animais. (O IBAMA e IEF, através do Projeto ASAS – Área de Soltura de Animais Silvestres – cadastra áreas particulares para a soltura e reintrodução de animais silvestres).
Infelizmente, os animais que chegam a essas áreas estão ainda assustados e debilitados pelo cativeiro, por vezes prolongado.
O papel dessas áreas de soltura é de recebê-los, protege-los (mantendo a área o mais livre possível da presença humana) mas, ao mesmo tempo, garantir a esses animais algumas facilidades, como alimento abundante e fonte de água, para que possam se fortalecer a se adaptar ao novo território.
Chiquinho foi o primeiro a deixar a caixa e logo se colocou em uma árvore próxima, mas sem se afastar muito. Ficou por ali, como se esperasse pelo resto do bando.
Os outros estavam assustados demais e demoraram a se recuperar da viagem.
Foram apenas alguns minutos, mas que pareciam uma eternidade, não só para o Chiquinho, mas também para todos da equipe. Afinal, vê-los livres é o maior estímulo pra quem se propõe a viver para proteger animais.
Ele parecia chamar pelos outros: _Vem, pessoal. Vamos viver…
Assim que todos se sentiram mais fortes, partiram para a mata, com tamanha agilidade e pressa que sequer conseguimos registrar.
A fuga em massa os leva a caminhos diferentes, de forma que acabam se separando. Em seguida, ouve-se os gritinhos. A vocalização é a forma de reunir o bando.
Nossas matas abrigam alguns bandos, sendo um bando bem grande, de macacos pregos (Bando da Chica), dois bandos de guigós, que disputam o território no gripo, e alguns pequenos grupos de saguis, estes últimos oriundos do projeto de reintrodução do Ibama.
Geralmente, eles passam um tempo rondando a casa sede e os pomares mais próximos, mas em poucas semanas, encontram um novo território e passam a viver como animais livres.
Esperávamos que assim fosse também com o Chiquinho e sua família.
Nós os ouvimos por algumas semanas, na mesma área em que foram soltos, e também no entorno da casa sede, que fica há 300 metros do ponto de soltura. Não era possível saber se o pequeno bando estava completo, ou se já havia alguma baixa.
E que fique claro que isso não importa. Claro que queremos que todos tenham vida longa, mas sabemos que, mesmo que não tenham, mesmo que não gerem filhotes livres, ainda assim, teremos todas as razões pra comemorar e pra continuar.
O fato é que, um mês após a soltura, encontramos o Chiquinho, na varanda da casa sede da fazenda.
Ele estava sozinho. Tentamos ver se o resto do bando estava por perto, mas infelizmente não estavam. Chico estava sozinho e, claramente, triste.
Oferecemos a ele uma banana, que ele aceitou e comeu com vontade.
Não estava com fome, pois no entorno havia muitas frutas à disposição, inclusive bananas.
Não sabemos o que aconteceu com o resto do bando. Não sabemos se morreram, ou se apenas se separaram.
A hipótese mais provável é que eles tenham sucumbido à vida livre. O local é uma área de reserva, com muitos predadores. Mas que fique claro que esse desfecho não é visto como uma tragédia ou como desestímulo. Mais que ter onde viver, eles precisam ter pra onde voltar. Só precisamos garantir a eles áreas preservadas, onde possam nascer e viver como animais livres.
Se o Chiquinho sobreviver, talvez ele encontre outra família. Na natureza, a aproximação com outros bandos também pode acontecer. Depois de identificar a nova família, ele passará a segui-la, mantendo distância de segurança. Com o tempo, essa distância vai diminuindo até ele ser aceito em definitivo.
Infelizmente, este não foi o final da história que gostaríamos de contar, mas é a triste realidade do tráfico. E que sirva para as pessoas entenderem o quanto são cruéis quando aprisionam, quando derrubam uma árvore ou quando poluem um rio.
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