Quem se lembra do Cosminho? Ele tornou-se conhecido em nossa última matéria na casa de D. Tereza. Além do banner especial, foi identificado como um caso verdadeiramente triste e urgente.
Soubemos que ele chegou por lá há alguns anos e, desde o primeiro dia, nunca deu um só latido. É um cãozinho submisso, dócil, muito medroso, que aprendeu que, pra sobreviver ali, precisa sufocar seus instintos. Precisa passar a vida sem ser notado.
E foi assim, se escondendo na própria sombra, que o Cosminho sobreviveu por alguns anos. Nunca foi feliz, mas pelo menos manteve-se vivo. Talvez, no fim do arco-iris haja um adotante que faça com que os anos de espera tenha valido a pena.
Foi a própria D. Tereza, que tem como regra achar que os cães na casa dela são felizes, quem nos apontou o Cosminho como um cachorro que está sempre em depressão. E isso nos pareceu grave.
Foram muitas tentativas, até que surge uma luz no fim do túnel. Finalmente, uma adoção para o garoto.
E assim, ele partiu numa tarde de quarta-feira, levando na bagagem os anos de infelicidade e sofrimento, a dúvida em relação ao futuro e uma enorme insegurança quanto ao que encontraria do outro lado da ponte.
O adotante era alguém que se sensibilizou com a história dele e achou que poderia dar ao Cosminho a nova vida que ele tanto merecia.
Mas não contávamos que a adoção dos Cosminho precisaria passar pela aprovação de outro morador da casa.
Por dois dias e duas noites foi tentada a socialização dos dois lobos. Mas o dono do território era um lobo adulto, muito grande, forte e muito, muito bravo. Ele não aceitou o Cosminho e demonstrava todo o tempo que não descansaria até dar cabo da vida daquele invasor.
Não foi por falta de empenho dos adotantes, mas algumas situações não estão sob nossa batuta. Mesmo assim, preferimos acreditar que aquela curta estadia em território hostil tenha sido o passaporte dele para deixar de vez o inferno.
Isso porque tivemos a oportunidade de registrar o trajeto de retorno e suas reações. Se isso não fizer a diferença na vida do Cosminho, que faça na vida de tantos outros que são adotados e devolvidos, na maioria das vezes, por motivos banais.
Assim que cheguei para pegá-lo de volta, ele me olhou de soslaio e depois buscou em seu novo amigo a explicação: _O que ele faz aqui?
Então, eu me aproximei e disse que não tinha dado certo e que eu teria que leva-lo de volta para a casa de D. Tereza.
E foi aí que entendi que, ali na minha frente, estava o cãozinho mais compreensivo do mundo. Sem qualquer reação, sem rosnar, sem morder, sem chorar, ele se rendeu ao inevitável. Se não foi dessa vez, é porque não era pra ser.
Eu sabia que precisava fotografar cada olhar, pra ter o registro da história que precisaria contar. Prometi a ele que, dessa vez, faríamos uma história inteira, só dele.
Já acomodado no banco do carro, ele mostrou que estava tudo bem. Talvez soubesse que aquela volta estava doendo mais em mim e precisava me acalentar.
Nobre esse Cosminho. Era a vida dele que estava sendo decidida e ele ainda encontrava forças pra me consolar.
A alegria não durou muito. A viagem era longa e, a cada sinal, mais algumas fotos. Eu via dúvida, incerteza e medo naqueles olhos.
Assim que parei o carro na porta da casa de D. Tereza, ouvimos os latidos dos cães. Ele se agitou e correu pra janela. Parecia não acreditar.
Desculpe, Cosminho, mas eu não tenho onde colocar você. O mundo tem cachorros demais, mais do que nós humanos estamos dispostos a acolher e proteger. Por isso, os que sobram são despejados em depósitos de animais indesejados.
E é exatamente isso que vou fazer agora: despejá-lo em um desses depósitos.
Ele já conhecia aquele lugar. Era a mesma casa de D. Tereza, de onde ele tinha saído dois dias antes, levando todos os sonhos que não puderam ser vividos até então.
Pelo vidro lameado do carro, foi possível registrar sua angústia, sua decepção.
Só não conseguimos ver revolta em seus olhos. O Cosminho não sentiria revolta, nem mesmo se estivesse em um CCZ pra ser eutanasiado. Ele é o tipo de cachorro que ama incondicionalmente, que não cobra nada, que viveria sem escoçar reação, se tivesse comida, água e uma corrente no pescoço.
É um cãozinho acostumado com pouco. Ele não conhece nada diferente daquele inferno de vida que sempre teve.
Tentou fugir pela janela, mas os braços de D. Tereza foram mais ágeis.
Ele não estava a vontade naqueles braços, e nem ficou quando colocado no chão. A cauda entre as pernas não podia nos dar sinal mais claro.
Enfim. Chegou a hora de encarar, de novo, o mesmo território onde ele nunca foi feliz.
É só o que temos pra você no momento, Cosminho. Faça como você fez todos esses anos. Mantenha-se vivo, por favor.
E foi com esse pedido especial que ele rompeu o portão. Imediatamente, ele foi certado pelos antigos companheiros de sofrimento.
Não havia sinais de agressividade. Eles apenas queriam cheirá-lo, saber por onde tinha andado, talvez imaginar como deve ser a vida fora dali.
A chance que teve o Cosminho é a mesma com a qual cada um deles sonha todos os dias.
Disparei a câmera e fiz muitas fotos, já de fora do portão. Só quando descarreguei a máquina e comecei a organizar as fotos, foi que percebi que, na última foto, ele estava olhando pra mim, e sorrindo.
E que este não seja o último sorriso, e nem a última foto, amigo. Esperamos um dia contar o final feliz que você e todos os outros merecem.
E não foi. A adoção chegou com tudo que ele tinha direito. Ele foi recebido pela Jaquelyne. Além de um jardim bem grande pra correr, ele tem também alguns amigos peludos. Cosminho sempre foi um cão de matilha e sente-se bem entre os seus.
A adaptação não foi tão rápida quanto se esperava, mas o fato é que ele está feliz.
Estaremos sempre à espera de novas fotos e atualizações. Quem o adotou foi a Jaquelyne, a mesma que, no início dos trabalhos na casa de D. Tereza, levou para a casa dois cãezinhos velhos, cegos e sem dentes, chamados ET e Vovozinha.
Os dois miudinhos não estão mais entre nós. Mas foram felizes, no restinho de vida que ainda tinham. O Cosminho, ainda tem muita vida pela frente.
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