Ainda mais importante que libertar uma vida, é despertar um homem.
Virá o dia em que todos os homens serão protetores de animais.
Somos parte de um organismo único chamado humanidade. Ou crescemos todos ou não chegaremos a lugar nenhum.
A história começa com uma armadilha usando outro desafortunado como isca.
Talvez em razão do combate mais acentuado ao tráfico, canários já são vistos em áreas urbanas, em praças e parques, onde se reproduzem facilmente.
Essa proximidade traz benefícios, não só pelo ressurgimento de uma natureza antes extinta em áreas tão modificadas, como pelo sinal claro que os tempos são outros e que as pessoas estão aprendendo a respeitar mais a natureza e apreciar vizinhos tão especiais.
Infelizmente, evolução não é pra todos e, por vezes, alguns resolvem capturar animais, usando-os como mercadorias, trocando-os por pequenos favores.
Foi o que aconteceu a este garoto, que foi capturado quando ainda era jovem, trancafiado em uma jaula e vendido em alguma esquina de nossa cidade.
Quem o comprou tinha o desejo de possuir um canário da terra cantor, sem se dar conta talvez de que gaiolas trazem pra dentro das nossas casas, uma energia de dor e sofrimento.
Alguns dias se passaram e seu tutor percebeu que o canarinho não estava feliz, sentindo então que poderia fazer algo mais por ele.
Com a ajuda de uma voluntária da proteção, ele acabou nos entregando o garoto, pra ser devolvido à natureza, de onde, aliás, ele não deveria ter saído.
Demos a ele o nome de Toninho, o mesmo nome do homem que, ainda que por caminhos tortos, acabou se tornando a ponte para que o pequenino canário tivesse uma segunda chance.
Toninho se mostrava desconfortável na gaiola, por vezes assustado com os manejos. Estava claro que a captura era recente e que ele ainda era jovem.
Chegou ao nosso viveiro e, logo que notou a portinha aberta, rompeu as grades e foi ciscar o chão, em busca de bichinhos que habitavam um pouco de esterco batido que adubava uma pequena muda de fruta do sabiá, plantada no interior do viveiro.
Eram sabores que ele já conhecia, mas que há tempos não podia sentir.
Ficou por ali um bom tempo. Ficamos observando à distância, imaginando que talvez ele tivesse dificuldade de usar as asas.
Toninho já traz a plumagem viva, típica de um macho adulto.
Ficou por ali ciscando e experimentando o chão e o gramado, encantado por estar pisando a terra depois de tanto tempo.
Ficamos na expectativa de seu primeiro voo. Sentamos em um canto e ficamos observando.
Ele não está sozinho no viveiro. O Liberdade, um trinca-ferro que chegou por aqui para reabilitação e soltura, em Novembro de 2017, num lote de animais recém-apreendidos do tráfico, continua vivendo em nosso viveiro. Eles não serão amigos, pois as espécies não se interagem.
Liberdade tem uma grave deformação nas asas e não conseguirá voar. Ficará no viveiro, assistirá a chegada e partida de outros, até o dia em que se despedir da vida.
E nós, por tudo o que acreditamos e já assistimos, sabemos que, no caso dele, a liberdade que lhe prometemos depende de um completo recomeço.
Mas o destino do canarinho recém-chegado será outro.
De repente, ele nos mostra que nossa preocupação não se justificava. Voou até a tela do viveiro e ficou ali, todo arrepiado, interessado em algo que estaria do lado de fora.
E não precisamos de muito tempo pra notar que, em um dos comedouros externos, bem ali perto das telas do viveiro, alguns canários livres se banqueteavam, fazendo algazarra e celebrando a vida.
Toninho ficou ali, vocalizando e chamando pelos seus, como se buscasse na alegria daqueles novos amigos, o estímulo necessário pra se fortalecer a se preparar para a vida fora das telas.
Sua inquietação era contagiante. Voava por todo o viveiro, vocalizando, pousando nas telas e procurando interagir com os outros de sua espécie.
Canários, sobretudo os jovens, vivem em bandos e o Toninho tinha sido arrancado dos seus muito cedo. Ele sentia falta dessa socialização e deixava claro que queria recuperar o passado. (Leia-se: retomar o caminho evolutivo do qual foi arrancado).
Olhava para dentro do viveiro e se voltava para o lado de fora, como se comparasse os dois ambientes.
_Calma, amigo. Você acabou de chegar e seu destino é a liberdade. Prometo soltá-lo, mas você precisa de alguns dias pra fortalecer as asas e se aclimatar por aqui.
O Toninho pareceu entender o recado silencioso. Voou até um poleiro mais alto e experimentou alguns bichinhos que se refugiavam nas frestas da madeira.
Depois buscou abrigo nos galhos de uma amoreira. Sentiu o ambiente, se apresentou ao Liberdade, discretamente, e logo notou um comedouro pendurado na amoreira, parecido com aquele que tinha lhe chamado tanta atenção do lado de fora.
Logo se interessou pelo que ali estava servido e experimentou os novos sabores. Ali, servimos sementes variadas.
O próprio viveiro oferece algumas sementes frescas, plantadas ali propositadamente para receber os candidatos à liberdade.
Toninho estava mesmo à vontade. Voava por toda a extensão do viveiro com desenvoltura e controle. Não teria nenhuma dificuldade de viver livre.
O objetivo de um viveiro de aclimatação é permitir ao animal recém-libertado se fortalecer, mas ao mesmo tempo se desintoxicar das gaiolas. Os poleiros em um viveiro de aclimatação são variados, tanto em inclinação quando em flexibilidade e espessura, muito diferente dos poleiros sempre horizontais, rígidos e na mesma espessura, oferecidos pelas gaiolas.
E quando imaginávamos que o Toninha estaria se conformando em permanecer no viveiro alguns dias, eis que surgem duas ninfetas adolescentes que decidiram virar o juízo do garoto.
Elas pousaram na tela superior do viveiro, bem acima dos galhos da amoreira, e começaram a vocalizar e interagir com o Toninho.
Elas não têm anilhas do programa de reintrodução do Ibama, o que indica que nasceram em liberdade, talvez filhas de alguns daqueles que foram reintroduzidos ali (Já registramos muita reprodução bem sucedida dos animais libertados).
Deixamos o santuário registrando a interação das duas fêmeas com o Toninho. Elas têm pelagem parda, o que indica que são ainda bem jovens. Não estão na hora de namorar, mas mesmo assim, pareciam se divertir provocando o nosso menino.
Claro que ele ficou doido do lado de dentro. A tentação da liberdade era grande e a nossa vontade era de soltá-lo imediatamente, mas sabemos que alguns dias de aclimatação são essenciais pra ele.
Estamos no meio do inverno e prometemos libertá-lo antes do início da primavera, para que ele possa aproveitar toda a temporada de acasalamento da espécie.
A gaiola que lhe serviu de prisão foi destruída e dividida em meia dúzia de pedaços. Ela nunca mais servirá de cativeiro, pra nenhuma forma de vida.
O Toninho, o homem que comprou o canário e que um dia decidiu libertá-lo, conhecerá a história que ajudou a contar, o que fortalecerá a sua convicção de ter feito a melhor escolha.
Ele saberá, e se orgulhará, que em um lugar remoto, pelas matas de um santuário, viverá um canario da terra que levou seu nome, que voará alto, encontrará outros de sua espécie, se acasalará, gerará filhotes livres e ajudará a repovoar o Planeta com animais que, um dia, os homens tentaram extinguir.
E que ele, o homem, possa contar a história do Toninho aos seus amigos e parentes, ajudando a dissipar as novas ideias, tão necessárias à preservação do Planeta.
Este post será atualizado, até a libertação do nosso novo mascote.
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