Meu nome é Clara. Sou uma loba branca com tapa olho, estilo pirata. Fui abandonada prenha, amarrada em uma área de mata, lá pelos lados de Santa Luzia.
Eu não sabia o que meus donos pretendiam pra mim, mas sinto que não eram bons planos. Além de prenha, com gestação bem adiantada, fui deixada ali amarrada, sem casinha, sem abrigo, sem comida e nem água. Chorei muito e tive muito medo, pois sabia que teria uma morte lenta e doída.
Meus filhos morreriam comigo. Não sei quanto tempo passei ali, pois já perdia a consciência. Fui encontrada e levada para um abrigo, cheio de outros cachorros. Alguns me receberam bem, mas outros se mostraram bem hostis.
Não havia um lugar separado pra mim. Eu sentia que meus filhos queriam nascer, mas não tinha um lugar onde eu pudesse preparar um ninho. Ali eles não teriam chances.
Então, decidi que eu não os deixaria conhecer aquela vida. Decidi retê-los eu meu ventre. Se fossem morrer, que fosse comigo.
Minha barriga estava cada dia maior e os filhotes não nasciam. Então, fui retirada do abrigo e levara para uma clínica veterinária.
Recebi alguns cuidados e logo depois, a primeira visita. Alguém estava ali pra me fotografar e ficou chamando minha atenção, querendo que eu olhasse pra ele. Parecia um ritual. Ele procurava alguma coisa em meus olhos, e acho que encontrou.
Pela primeira vez, senti que eu e meus filhos talvez tivéssemos alguma chance. Eu não estava bem. Estava muito doente e talvez não tivesse forças pra trazer meus meninos à vida. Minhas patas estavam feridas, com muitos bichos. Mal podia firmá-las no chão.
Meu focinho também estava machucado e eu respirava com muita dificuldade.
Um exame bem geladinho mostrou que os filhotes estavam bem, indicando também a idade gestacional deles. Estava mesmo na hora de nascerem.
Da clínica, fui para outra casa, que seria meu porto seguro dali em diante.
Ganhei comida boa, água fresca, cama macia e cuidados médicos. Comi muito, até me fartar.
O espaço não era grande, mas era o que eu precisava.
Também tinha algo especial à minha espera: Carinho e um ninho, já pronto, à espera dos meninos.
O meu olhar continuava sendo investigado. E tenho certeza de que ali havia muito mais do que as lentes mostravam.
Conheci o Doky, que também estava por ali à espera de adoção.
Hanna era moradora definitiva.
O medo do passado ainda estava presente, pois tenho muitas referências ruins. Meus novos amigos dizem que, quando me chamam a atenção, eu me encolho, com o rabinho entre as pernas, como se esperasse apanhar.
Esta é a forma que tenho de contar aos meus novos amigos que eu apanhava muito. Não sei se lamento pelo abandono ou se agradeço, por ter me livrado da vida que tinha.
Tenho o sol da manhã, caminhadas pelo jardim e a calma necessária para que meus filhos nascessem.
Contudo, o tempo passou, atingi a idade gestacional de 65 dias e não tinha forças pra iniciar o trabalha de parto.
Eu tinha muito medo do futuro e fiquei firme no propósito de mantê-los comigo, a qualquer custo.
Mas chegou um dia em que não dava mais pra esperar. Os médicos me monitoravam de perto, até que acharam que tinha chegado a hora dos meus filhos conhecerem o mundo.
Então, tomei uma injeção, dormi um pouco e, quando acordei, meus lobinhos já estavam deitados ao meu lado. (Os filhotes nasceram em 28/07/2020).
Eram seis filhotes, todos fortes e saudáveis, apesar do meu precário estado de saúde. Os cuidados médicos fizeram a diferença.
Então, meu amigo veio me pegar na clínica.
Logo demonstrei o quanto cuidadosa eu era. Não queria me afastar dos meninos. Eu estava feliz por vê-los vivos, com um futuro à frente.
O ninho estava ali, exatamente como eu deixei, esperando minha volta da clínica.
Imaginem uma loba feliz. Era eu. Tudo doía e minha dificuldade respiratória me incomodava, mas eu estava feliz, muito feliz.
Assisti a partida do Doky, nos braços de sua nova família. Fiquei imaginando se algum dia eu e meus filhos teríamos essa alegria.
Ainda era cedo pra pensar nisso. Tínhamos uma jornada pela frente. O mais importante agora era nutrir bem os filhotes, para que eles vingassem. Eles pareciam anjos. Talvez sejam mesmo.
Gratidão era a palavra estampada nos meus olhos, na minha postura, no meu sorriso.
Mas toda aquela carência não era só gratidão. Talvez tenha conhecido o afeto em algum momento, pois tenho uma vaga lembrança do quanto é bom. Entretanto, minha memória recente não me permitia confiar totalmente.
As lentes continuavam a explorar meu olhar, mas o que meu amigo procurava ele já tinha encontrado. Ele já sabia.
Os filhotes seguiam dormindo e mamando. Quatro meninas e dois meninos, cada um deles mais especial que o outro. Muitos focinhos despigmentados, como o meu.
Entre uma mamada e uma soneca, eu tinha tempo pra caminhar pelo jardim, perseguir borboletas e viver um pouco do que eu não tinha havia um tempo.
Meus anjos seguiam dormindo e mamando, mais dormindo do que mamando.
Com os olhos fechados, não podiam ainda ver o mundo, mas agora eu não temia mais o futuro. Eles estavam bem e confortáveis, saudáveis e fortes.
Eram cisquinhos, bem pequeninos, mas era certo que cresceriam. Meus 15 quilos eram uma boa referência para o tamanho que eles ficarão quando adultos.
As cores tão diversificadas indicavam que ali havia genética de 3 ou 4 pais. Eu não me cansava de velar os sonhos deles.
E eles pareciam mesmo anjos sem asas.
Eles ganharam nomes. A menina mais parecida comigo foi chamada de Shiva.
Os dois meninos, ambos branquinhos de orelhas carameladas e focinhos despigmentados, foram chamados de Ranma e Raj.
Akane foi o nome dado à minha menina caramelo de focinho pintado. O nome significa vermelho escuro, o que combinava bem com ela.
As duas meninas pretinhas era as gêmeas, muito parecidas, ambas com o peito e as meias brancas. A diferença entre elas estava em uma pequena estrela. Uma trazia a estrela nas costas, em forma de uma pequena pinta branca. A outra trazia a estrela na ponta da causa. Elas ganharam os nomes de Odara e Manu.
Eu seguia, agradecida e carente. As marcas do meu passado de descaso e abandono estavam todas ali. Uma carência de afeto que nunca foi vista, e sinais claros de uma doença grave que já me consumia por dentro.
Eu precisava de cuidados, de tratamento. Ocorre que o tratamento exigia medicamentos fortes que poderiam prejudicar os filhotes. Então, recebi muitos suplementos e vitaminas, além de remédios paliativos.
Não faria sentido o meu resgate pra sacrificar meus filhos. Eu sabia que o meu tratamento chegaria a tempo, mas agora, era preciso permitir que meus filhos exercessem o direito à vida.
E vê-los crescendo saudáveis e fortes era o meu maior presente. Eu não me importava comigo.
Quando abrirem os olhos, não saberão por tudo que passamos. Eles conhecerão outro mundo, bem diferente.
Eu tenho experimentado uma relação de afeto que ainda não conhecia. Sou carente e medrosa. Ainda não esqueci as dores que senti, mas com o tempo, tenho aprendido a confiar e aceitar o amor humano.
Estou feliz aqui, e sei que temos ainda uma história pra viver e contar.
Meus filhos também contarão suas histórias, e que sejam histórias felizes.
Duas semanas depois que nasceram, finalmente, abriram os olhos, pra contemplar o mundo.
E eu estava lá, esperando pra conhecer o que cada um escondia. Abaixo, a menininha Akane e os dois mocinhos, Ranma e Raj. Eles nasceram com o focinho despigmentado, como o meu.
Outras duas meninas são as gêmeas pretinhas, Odara e Manu. Elas são pretinhas de peito e botinhas brancas. O que as diferencia é uma pontinha branca na ponta da cauda, que só a Manu tem.
Aos 30 dias de vida, a pintinha que a Odara trazia nas costas está desaparecendo.
Por último, uma mocinha também pequenina, que ganhou o nome de Shiva. Não sei por que, mas ela já nasceu com destino certo. Já estava adotada antes de nascer.
Eles chegaram dispostos a mamar, dormir e brincar. Assim que completaram 25 dias de vida, eu pude, finalmente, iniciar o meu tratamento.
Os filhotes estavam bem. Iniciaram o desmame, com papinhas. Minha barriga e tetas estavam cortadas e feridas. Eles cravavam unhas e dentes pra arrancar o máximo de leite. E eu dei a eles tudo o que pude.
Estava mesmo na hora de iniciar a papinha. Eu precisava de um descanso, pra retomar o meu próprio caminho.
Já sinto que em breve vou me separar deles. Essa despedida já dói, mas tem que ser assim. Eles precisam construir suas próprias histórias. E que os adotantes entendam o tamanho da responsabilidade e que assumam o compromisso verdadeiro de fazê-los felizes.
Raj é o mais preguiçoso, embora também atrevido na hora das disputas.
Akane tem uma marquinha no focinho que vai encantar, por toda a vida. Tinha tudo pra ser uma legítima vira-lata de boca preta, mas quis o destino que um flash pintasse uma lateral do focinho, tingindo também, ou melhor, despigmentando, partes do focinho.
Ranma é o mais forte da ninhada. É um cachorrinho muito esperto e sempre pronto para brincar.
Odara e Manu também são grandes e fortes. Elas estão crescendo rápido e logo terão o meu tamanho. Eu peso 15 quilos e sou de porte médio.
A vida segue, vencendo um dia de cada vez. Os filhotes crescem rápido demais.
Eu continuo feliz e confiante no futuro. Meu tratamento começou bem. Em poucos dias eu já respirava melhor e me sentia mais forte.
Até me atrevia a brincar com os filhotes.
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