A primeira vez que o vi, amigo, foi em Setembro de 2014. Desde fevereiro daquele ano eu vinha fazendo fotos dos cães do abrigo para serem anunciados, e ainda não tinha notado você.

Não foi culpa minha, amigo. Você era mais um dos tantos vira-latas pretos e médios. O objetivo inicial era reduzir os números. Isso salvaria muitas vidas e daria, em tese, melhor qualidade de vida para aqueles que ficassem por último.

Quanta ilusão nós tínhamos!

Foram mais de 100 adoções em alguns meses, mas d. Tereza não permitia que os números baixassem. Pessoas sem escrúpulos continuam levando animais pra ela, em troca de um saco de ração ou de uma falsa ajuda.

Naquele dia, você estava deitado sobre um tambor e foi impossível não notar sua tristeza.

O focinho branco deixava claro que você não era jovem, mas ainda tinha vontade de conhecer uma vida diferente.

Tentamos mostrar a sua tristeza a todos que acompanhavam aquele trabalho, mas não foi suficiente pra despertar ninguém.

Tínhamos a certeza de que você se transformaria assim que se sentisse acolhido e seguro. Teria afeto a dedicar àqueles que te oferecessem colo. Teria disposição pra proteger e amar os novos “pais”.

Os adotantes não vieram e o tempo passou. Um dia, alguém muito legal decidiu dar a você uma segunda chance. Nós apostamos naquela adoção, que era sua única chance.

O que havia de boa vontade, faltava em estrutura. No mesmo dia da adoção, descobrimos que a casa era toda aberta, sem nenhuma estrutura de segurança e que a intenção dos adotantes seria mantê-lo na corrente.

Contamos essa história, não para denegrir aqueles adotantes, que eram pessoas bem intencionadas e afetuosas. Entretanto, era preciso mostrar que nada é tão ruim que não possa piorar.

Achamos melhor abortar aquela adoção e deixa-lo no abrigo. Até hoje não temos a certeza de que tomamos a decisão mais acertada.

No abrigo, você era “livre”, tinha comida, água, um canto coberto pra deitar, embora tivesse que disputar no dente um lugar ao sol.

Daquele dia em diante, eu te prometi que faria fotos suas em todas as oportunidades que ali estivesse, e que não desistiria até vê-lo adotado e feliz.

Você também não facilitava muito as coisas. Naquela época, você era encrenqueiro com outros cães machos, o que dificultava um pouco a sua socialização em uma nova casa.

Algumas vezes, encontrávamos você com a cauda erguida, altivo, dominante, o que nos indicava que, definitivamente, aquela adoção não lhe convinha.

Em outras, encontramos um cãozinho encolhido, de cabeça baixa, como se buscasse se defender.

Infelizmente, a forma como expúnhamos as mazelas daquelas almas não estava agradando a todos.

No final, a vaidade falou um pouco mais alto que o amor pelos animais. Os anúncios não poderiam afetar a “reputação” de quem cuidava deles, e que, ao olhar o espelho, enxergava sempre a heroína que deve ter sido em algum momento.

E nunca foi nossa intenção atacar reputações humanas. Não estávamos ali pra isso. Pelo contrário, entendíamos e valorizávamos todo o esforço e dedicação, incansáveis, mas sabíamos que, sem escancarar a verdade e a miséria da vida dos animais, vocês não teriam chances.

Também contamos na época com a sabotagem, de pessoas que não se moviam pra ajudar, mas eram capazes de pegar um telefone e ligar para d. Tereza, apenas pra contar desaforos, xingando, ameaçando, acusando, apontando os dedos e a língua. Isso a tornava cada dia mais insatisfeita com a forma como estávamos conduzindo os anúncios.

Nosso trabalho então foi interrompido no início de 2015, e permanecemos afastados por 5 anos. Os anúncios continuaram, mas não mais eram vistos através de nossas lentes.

No início de 2020, antes do início da maior pandemia da história, atendendo a um pedido de d. Tereza, retornamos ao abrigo, apreensivos com o que encontraríamos, e esperando reencontrar alguns daqueles que um dia, considerei amigos.

Minha câmera apontava em todas as direções, tentando registrar olhares, histórias, tristezas e dores. Comecei a fotografar um cachorro preto, com a face toda branca pela idade.

E enquanto o fotografava, ouvi a pergunta de d. Tereza: _Lembra do Eron?

Não pude acreditar que era você, amigo. Tive vontade de chorar.

O olhar terno não mudou, mas em alguns momentos, você exibia um sorriso largo que nunca foi sua marca. Talvez tenha se acostumado ali e aprendido a ser feliz.

Eu não me enganava. Quem conhece um sorriso de verdade sabe que nem todo palhaço é feliz.

O tempo passou pra você. Fiquei me questionando se ainda deveria insistir em sua adoção, se ainda havia tempo de mudar alguma coisa, e se mudanças seriam boas àquela altura.

A morte havia chegado para muitos daqueles cães que deixamos por lá. Sentimos a falta do Rubinho, da Thaís e de tantos outros.

Você, Eron, foi um forte, resistente, insistente. Contudo, algo havia mudado. De macho alfa encrenqueiro, você acabou se tornando o alvo. Dona Tereza nos contou que você apanhava todos os dias, e que não tardaria a ser a próxima vítima fatal de alguma briga coletiva.

O seu sorriso largo e confiante, emoldurado por uma legião de pelos brancos, vai doer pra sempre.

Decidimos então soltar a matéria, usando você como destaque. Você já não tinha muito tempo pra esperar. Ali, tudo é urgente, tudo é pra ontem.

Àquela altura, estávamos diante de um cão com 10 ou 12 anos, castrado e vacinado, aparentemente saudável, mas que não havia conhecido outra vida senão aquela do abrigo.

Tínhamos, entretanto, a certeza de que você se revelaria o mais afetuoso e agradecido dentre todos os lobos, àqueles que descortinarem a você um novo mundo.

A adoção era necessária, mas que não fosse pra você viver sozinho, confinado, esquecido nos fundos de uma varanda. Cama, ração e água você já tinha, e até um pouco de liberdade. O que você precisava agora era estreitar vínculos com pessoas.

Seu histórico médico não era ruim. Mesmo sendo bem velhinho, nunca adoeceu e, por isso mesmo, nunca foi a um veterinário para exames de rotina. Adquiriu uma resistência única e tem anticorpos suficientes pra se manter saudável onde quer que vá.

É certo que muitos animais doentes passaram por ali, mas como regra, em matilhas numerosas, os animais adquirem muita resistência a doenças. Contudo, isso não é garantia de que o Eron não precisará de algum tratamento.

Sentimo-nos culpados por tantos anos de ausência. Sua adoção poderia ter ocorrido antes. Se a vaidade fez com que d. Tereza não recebesse bem as críticas, a nossa soberba também não nos permitiu engolir os sapos pra continuar os trabalhos naquele tempo.

Vida que segue. Nunca é tarde pra ascender. Decidimos que continuaríamos a divulgar sua história, até poder contar seu final feliz e mostrar sua nova vida.

Seus futuros donos estariam por aí em algum lugar e só precisariam ler sua história pra serem despertados. Esse é o sentido da sua vida, amigo: Despertar e sensibilizar. E quão nobre é a sua missão!

Finalmente, depois de uma das mais longas esperas de todos os tempos, a adoção do Eron chegou. E ninguém melhor pra contar o seu final feliz do que aquela que um dia decidiu que seria sua mãe.

______________________________________________________________________________

Em Novembro (20) adotei com vocês o Eron.

Primeiramente, gostaria de agradecer pelo Eron, que como vocês mesmos já haviam me adiantado, é um cachorro muito bonzinho e carinhoso. Confesso que a primeira semana dele aqui em casa não foi muito fácil. Achei que ele demoraria se adaptar aos meus cachorros, mas na verdade, ele se adaptou com eles no primeiro dia, mas demorou a nos deixar aproximar dele.

Vídeo: Cafunezinho

Temos uma hortinha aqui em casa e tão logo ele chegou, ele se escondeu nela e não saia de jeito nenhum. Na hora que eu colocava a ração e água, ele esperava eu sair e ficar longe da visão dele para comer, não deixava colocar a mão nele e apesar de não ter brigado com meus cachorros, também não interagia nem um pouco com eles. Apenas ficava sozinho no canto da horta. Ele uivou e latiu muito todas as madrugadas durante as duas primeiras semanas, até que começou a ficar mais fácil.

Aos poucos, ele começou a vir comer na hora que eu colocava, não esperava mais eu sair. Não vinha até mim quando eu o chamava, mas já deixava eu passar a mão na sua cabeça, mesmo abaixando um pouco o corpo, ficava tranquilo.

Isso comigo, que interajo mais com eles, já que com o restante da minha família ele ainda estava irredutível (kkkk).

Nas semanas que se passaram, ele foi cada dia se soltando mais. Vinha quando chamado, olhava quando falávamos o nome dele, ficou mais tranquilo com minha família, começou a brincar com meus cachorros, especialmente com uma filhotinha que não o deixa em paz, conforme vocês poderão ver no vídeo.

Ele ainda não é um cachorro totalmente confiante. Percebo que ele tem muito medo de desconhecidos, de trovão e de foguetes, e em todas essas ocasiões ele late muito. Mas ele costuma ficar mais tranquilo quando tem uma pessoa por perto.

Nos vídeos abaixo, as brincadeiras do Eron com seus novos irmãozinhos.

Vídeo: Eron e Pandora

Vídeo: Eron, Cocada, Pandora e Peralta

Apesar de correr, brincar e abanar o rabo várias vezes, ele também tem alguns momentos mais sérios, momentos que ele fica muito quieto e não dá muita confiança e até mesmo poucos momentos que ele aparenta tristeza, mas entendo que com a idade e a história dele, eu não posso muito ficar chateada com isso e preciso entender e esperar mais melhoras.

Inclusive, a primeira vez que passeei com ele, ele empacou na rua e tive que o carregar, mas agora ele anda com toda a tranquilidade e alegria, e gosta muito quando passeamos.

Agradeço muito a vocês pelo Eron, gostaria de ter o conhecido antes, para que tivéssemos ainda mais tempo juntos, mas sou agradecida pelo agora e o amo como se estivesse comigo desde filhotinho.

Caso vocês desejem mais fotos, podem falar que a medida que eu for tirando, vou passando para vocês. Qualquer coisa, estou aqui. Um abraço!

Ketlen Tatiane: ketlentatiane13@hotmail.com

Muito obrigado, Ketlen, por tão especial acolhida.

Esse é o verdadeiro sentido de estarmos aqui: Conduzir nossos irmãos mais novos nessa jornada evolutiva a que chamamos de vida.

Comentários / Mais informações sobre o anúncio devem ser obtidas com os anunciantes, no telefone ou e-mail indicados acima.