Era uma vez um lugar muito ruim, onde animais indesejados eram despejados diariamente como se fossem lixo. Nem todos eram casos de abandono. Até protetores despejavam seus resgatados ali.
Kempes e Bonequinha estavam entre aqueles que foram amarrados na porta.
O fato é que aquele lugar era tão inóspito que eles buscavam o apoio um no outro. Não se separavam e se desesperavam quando um precisava se ausentar, mesmo que fosse para algum procedimento rápido.
Resgatamos os dois e esperávamos doá-los juntos.
Na casa de D. Tereza, eles viviam 24 horas por dia no canto da sala, amedrontados. Talvez por isso fossem tão unidos. Encontraram segurança na companhia um do outro.
Na primeira feira, eles estavam lá, firmes e unidos, como sempre. Até que se esforçaram. Faziam festa pra qualquer um que se aproximasse. Eles queriam ser adotados, mas não deu. Ambos pareciam muito bem, porém, a tosa da véspera revelou um início de dermatite na Bonequinha. Isso talvez tenha atrapalhado. A felicidade deles foi adiada.
A adoção não veio e, para que não precisassem voltar para o depósito onde viviam, ganharam o direito de esperar pela adoção em um lar temporário, onde passaram a viver. Ali, todo o pavor que a antiga casa lhes causava deu lugar à alegria e às brincadeiras.
Eles sempre foram dóceis, espertos e, na nova vida, em uma matilha menor e mais equilibrada, eles se transformaram.
Infelizmente, este não foi o final feliz. O Kempes adoeceu e precisou ser internado. Os dias de internação foram suficientes pra testar o comportamento deles, longe um do outro.
Para a nossa surpresa, eles não demonstraram sentir. Os tempos de insegurança e medo haviam mesmo ficando no passado.
Eles continuavam amigos, mas sem a dependência que impedia a separação.
Notamos também que o Kempes já não demonstrava mais tanta disposição para as algazarras da Bonequinha. Chegava a rechaçá-la e, infelizmente, havia uma razão pra isso: seus olhos estavam clareando rápido demais e ele começou a ficar mais quieto.
Uma consulta com um oftalmologista nos deu a resposta. Ele estava perdendo a visão, numa velocidade espantosa. Catarata foi o diagnóstico. A causa provável, a idade.
Ele não era mais um cãozinho jovem e os sinais da idade já se mostravam presentes. Apesar disso, ele estava feliz.
Lamentamos muito que a cegueira tivesse chegado antes que ele pudesse ver a face de seus salvadores. Questionamos a justiça da vida. Por que ele teria que ficar cego, pouco depois de ter sido resgatado? Não era justo com ele.
Tínhamos agora duas vidas sob nossa responsabilidade. Infelizmente, não poderíamos mais atrelar um destino ao outro. Afinal, a Bonequinha era jovem, estava muito bem e tinha uma vida pela frente. Além do mais, a relação de dependência entre eles já não mais existia.
E assim foi. Bonequinha ganhou uma nova família, com outros três cãezinhos. Passou a viver dentro de casa, com direito a cama quente, seca, muico colo, comida natural e tudo que de melhor ela poderia ganhar da vida.
A mudança foi tão boa que ela não se lembra mais do passado. O Kempes acabou ficando lá: no passado.
Da Bonequinha, que hoje se chama Flora, já recebemos muitas notícias e até fotos com agradecimento.
Quanto ao Kempes, a luta por ele durou ainda algum tempo. Ele e Bonequinha já estavam separados faziam muitos dias. Ele estava feliz, apesar do estresse que a falta repentina da visão lhe causava.
Mas a vida teria ainda alguns altos e baixos. Novo quadro de depressão e nova internação. Foram mais de 20 dias de internação, aos cuidados do Dr. Keisler, na Clínica e Pet Shop Estimação.
Sabíamos que o Kempes não terminaria sua história doente e internado em uma clínica. Na Clínica Estimação ele receberia a melhor assistência possível. E assim foi. Voltou ao lar temporário, onde já não mais encontrou a Bonequinha.
Não estava cego, mas precisaria aprender a viver com a visão limitada. Via de regra, isso não é problema. Quem tem cães cegos sabe que eles levam vida normal.
Nunca desistimos dele. Sabíamos que um dia poderíamos contar um final feliz, mostrando-o alegre e brincando novamente.
Infelizmente, a cegueira dele não é reversível. Os riscos da cirurgia são grandes, em razão de sua idade avançada. O tempo vai ensiná-lo a conviver com a limitação. O olfato vai se desenvolver ainda mais e o focinho será os olhos dele.
É assim com qualquer cão cego. Temos relatos de cães sem a visão que passaram a vida inteira em um abrigo e, após a adoção, em poucos dias já corriam pela casa, desviando dos móveis.
E era um final assim que queríamos pra você amigo. Encontraríamos as pessoas certas pra você. Você aprenderá a conviver com suas limitações e será o mais feliz de todos os lobos.
Que sua história não nos faça acreditar que a cegueira chegou porque você preferiu não ver mais nada, daquilo que a vida vinha lhe oferecendo.
Mas aí, um dia alguém especial nos ligou, manifestando o desejo de receber um animal especial em casa. Tínhamos na época, você, o Gilberto, o cãozinho medroso resgatado do “Campo dos Poodles” e mais alguns casos difíceis.
Todos mereciam, mas foi uma alegria muito grande quando a Taísa escolheu você. Depois de tudo acertado, marcamos o dia dela vir buscá-lo.
Naquele dia, bem cedo, a Lucinédia te contou que a Taísa viria pra te buscar. Você é daqueles que “só faltam falar” e entendeu muito bem as palavras. Abriu o mais largo dos sorrisos e passou o dia rindo sozinho, como criança esperando por Papai Noel.
E ela é daquelas que cumprem os combinados. Naquele mesmo dia, no fim da tarde, você partiu, levando na mala uma enorme torcida para que aquela adoção fosse definitiva.
Já na nova casa, você sorriu para a câmera. Parecia saber que aquelas fotos chegariam para a Lucinédia e você queria, naquele sorriso, mandar seu recado.
Não se preocupe amigo. Nós entendemos o recado sim, mas sua nova mãe também fez questão de nos escrever. Abaixo, a primeira mensagem que recebemos da Taísa.
Boa noite Lucinedia, nosso menino tem se adaptado cada dia melhor. Ele é um amor em todos os sentidos da palavra, fica o tempo todo do nosso lado, mais do lado do meu marido.
No primeiro dia que deixei os meninos sozinhos em casa foi um Deus nos acuda, eles se desesperaram, choraram o tempo todo, nosso Kempes demarcou território na parede e os dois espalharam caquinha pela sala, quando meu esposo chegou parecia que tinha passado um furacão. Cheguei a me desesperar com medo de que ele não se acostumasse em um apartamento pequeno.
No segundo dia foi mais tranquilo, território demarcado no sofá, choradeira na porta e inimizade rolando, mas tudo mais tranquilo.
Já hoje, tudo no lugar, nosso Kempes fez xixizinho até no tapetinho, fizemos uma festa danada pra ele. Agora chego a conclusão que sempre estivemos esperando pelo Kempes para completar as nossas vidas. Quando eu me casei, queria desesperadamente um apartamento, mas não tivemos condições de comprar. Começamos a morar de favor aqui no apartamento onde estamos até hoje, não compramos um sofá novo nem decoramos a casa.
E agora eu sei que é porque eu preciso mesmo de uma casinha com um quintal, ainda que pequeno para que meus meninos possam tomar um sol de tarde, onde eles possam correr e brincar a vontade e quem sabe com mais um irmãozinho.
Hoje, meus meninos podem bagunçar a casa, demarcar território à vontade, porque não tenho nada de muito valor econômico, tenho é o amor deles e a sua companhia que é o maior bem que poderia ter.
Obrigada por ter me dado essa oportunidade Lucinédia, obrigado por ter salvo e cuidado o meu Kempes ate que eu o encontrasse. Kempes está aqui com a cabeça no meu colo analisando o que estou escrevendo. Ele e o Bartolomeu mandam um beijo. Fique com Deus.
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