Quando será que as pessoas vão entender que CCZs não são clínicas veterinárias, e muito menos órgãos de proteção animal?
Os CCZs (Centro de Controle de Zoonoses) são os últimos lugares onde se deve entregar um animal. Não há estrutura, não há condições físicas para abrigo e, muitas vezes, nem mesmo vontade ou compaixão. Não foram criados pra isso.
Duas filhotinhas, com idade aproximada de 3 meses, foram deixadas dentro de uma caixa de papelão, em um CCZ. De dentro da caixa, urros de dor e desespero. Elas se debatiam pra sair da caixa, o que causava ainda mais dor, isso porque uma delas tinha um osso da perna dividido em dois.
Da caixa de papelão, foram deixadas em uma gaiola. Dali, partiriam, cada uma, para seu destino.
Filhotes saudáveis são amontoados com cães adultos e, geralmente, vivem apenas alguns dias (talvez horas) depois que chegam a um CCZ. Nem é preciso matar. Eles morrem de causas naturais (ou acidentais), o que retira a culpa dos responsáveis.
Sem dúvida, aos olhos dos eleitores, é bem menos agressivo que as antigas câmaras de gás. (Que fique aqui registrado nosso profundo respeito e admiração pelo trabalho incansável e desgastante dos ativistas que lutaram e continuam lutando por tais mudanças).
Já os doentes e feridos recebem mais atenção. Seu sofrimento é abreviado, e alguns ainda insistem em chamar de “misericórdia”.
Recebemos um pedido de socorro, de alguém que tinha acompanhado os momentos iniciais do drama, e que esperava, pela rede, encontrar quem pudesse intervir e resgatá-las. São tantos os pedidos de socorro que aquele seria apenas mais um e elas não tinham muito tempo. Por sorte, havia um cantinho aqui pra elas.
Foram resgatadas e entregues em uma clínica veterinária. Quando chegamos à clínica pra conhecê-las, encontramos dois contrastes.
De um lado, uma lobinha alegre, saltitante, feliz e com energia saltando pelas orelhas. A ela demos o nome de Fernanda.
Do outro, o retrato da dor e da tristeza, muito embora tivesse disposição pra brincar e pedir carinho. Decidimos chamá-la de Michele.
Assim que chegaram a nossa casa, o contraste também se fez notar. De um lado, Fernanda, uma lobinha alegre, exploradora, disposta a desbravar e conquistar territórios, disponível para novas e duradouras amizades.
De outro, a pequenina Michele, uma alma jovem, saudável, cheia de vida e energia, presa a uma tala mais pesada que ela própria. Tinha dificuldade para andar e chegamos a flagrá-la se arrastando pra conseguir chegar às vasilhas de água e ração.
Apegava-se a uma bolinha, como se aquele fosse o único vínculo que a ligava à infância.
Chegava a abraçar a bolinha como se fosse uma boneca. Aquele brinquedo era o mundo dela.
Ela nos olhava como se perguntasse o porquê de estar passando por tudo aquilo. A pequenina Michele não tinha idade pra entender certas coisas. Estava agora confinada a um canil pequeno, pra evitar degraus, rampas, obstáculos ou qualquer coisa que pudesse fazê-la forçar muito a patinha.
Ficaria com a tala por 30 dias, pelo menos. Não era justo, mas este foi o resultado da inconsequência de seus antigos tutores. Elas estavam crescendo como semidomiciliadas e, não por outra razão, uma delas foi atropelada. Sorte não ter sido as duas.
Ainda que, por caminhos tortos, preferimos acreditar que chegaram aonde deveriam chegar. Elas mereciam uma vida diferente.
A Fernanda se adaptou muito rápido. Corria e brincava em tempo integral. Já a pequena Michele, vez ou outra era convidada a pequenos passeios na varanda, sempre em companhia da Duda.
Michele precisava fortalecer os músculos, pra não ter dificuldade de locomoção no futuro. Precisaria aprender a lidar com essa coisa incômoda que abraçava sua perna.
Aos poucos, aprendeu que ficar na varanda observando o movimento da rua podia ser um ótimo passatempo.
Foi adotada pela Duda, a quem se afeiçoou e com quem tinha muita afinidade. Aos poucos, começou a arriscar algumas brincadeiras, mas com cautela ainda, já que brincadeiras estabanadas doíam muito.
Com a Hanna também fez amizade. Se a Duda era a mãe, a Hanna deveria ser tia, se é que isso faz alguma diferença pra eles.
Tínhamos duas lobinhas muito especiais pra doar.
A pequenina Michele ainda teria um período de recuperação pela frente. Parecia saber disso e ainda fazia pose para a câmera, mostrando a perninha machucada. Fazia cara de coitadinha sem muito esforço.
Com o passar dos dias, já estava se soltando mais e aprendendo a brincar, embora um pouco tímida, já que movimentos bruscos causavam muita dor.
Desde o início, ela se mostrou bem fotogênica.
Aprendeu a pedir colo de uma forma que ninguém conseguia resistir. Ela nasceu sabendo de seu potencial.
E, pra tornar a vida dela um pouco mais divertida por aqui, resolvemos arranjar um amigo canino com quem ela pudesse brincar sem se machucar. Ele era bem macio e muito comportado.
Só não imaginávamos que a amizade com o lobinho de retalhos azuis duraria tão pouco.
Na outra ala, a Fernanda, sem nenhuma restrição quanto a brincar com outros cães, estava mesmo se achando a fêmea alfa de nosso território, mas, com a Estopa, o bicho pegava pra ela.
Aprendeu a latir, uivar e bagunçar. Vida em matilha é mesmo a melhor coisa do mundo. Tudo é motivo pra festa.
Com a Pintada, ela podia “pintar e bordar”. É que nossa Pinta foi treinada pela vida pra receber e socializar filhotes. Tem paciência e cuidado nas brincadeiras.
O tempo passou, a Michele esqueceu o amigo de pano e resolveu se entender com a Hanna e Estopa. Aprendeu a caçar grilos e outros invertebrados na grama.
Com a Duda, os laços se estreitaram muito mais. Elas passavam os dias correndo e brincando. Dormiam juntas e não se largavam.
O tempo passou, Michele e Fernanda foram ficando por aqui e se integraram à nossa matilha. Cada hóspede que por aqui passa tem direito às mesmas regalias e privilégios de nossos lobos.
Viagem em família com 6 cachorros no carro faz parte da vida de qualquer cachorreiro. E elas souberam aproveitar cada minuto de liberdade.
Michele aproveitou a novidade para experimentar novos sabores.
Fernanda, que havia sido adotada e devolvida dias depois, também se mostrava disposta a aproveitar a vida.
Embora, às vezes, percebendo que a irmã, em razão da perninha quebrada, recebia mais atenção e cuidados, mostrava-se triste. Chegou a adoecer e precisou tomar alguns antibióticos.
Michele seguia com as regalias de cachorrinha de dentro de casa, com direito a soneca na rede e muito cafuné ao pé da orelha.
Depois de 3 semanas de gesso, ela já não mais sentia qualquer dor e levava vida normal, como se nada a limitasse. Já havia se acostumado com a tala e sabia correr e saltar, sem nem se lembrar dela.
Gostava de cavar buracos na areia fina, na terra, na grama, no jornal que deveria ser usado como banheiro, no tapete da sala e em qualquer superfície que lhe parecesse interessante. E nunca fez mal encher o focinho de areia.
No vídeo a seguir, uma pequena demonstração de como foi o “repouso absoluto” da Michele.
http://youtu.be/vs5Y4dkpmt0
O tempo passou, Michele tirou o gesso, Fernanda chegou a adoecer, com diagnóstico de babesiose, além de uma luxação nas duas patelas. Precisou de vitaminas, medicamentos para as articulações e antibióticos. Apesar disso, recuperou-se muito rápido. Passaram a ser cuidadas bem de perto pela babá mais paciente do planeta.
Em alguns dias, elas já estavam em ótima forma e prontas pra começar uma nova vida.
Elas pareciam pressentir que algo estava pra acontecer. Escolheram a Duda para uma bagunça final. Pareciam querer aproveitar os últimos momentos com aquela que foi a mãe delas desde que chegaram por aqui. Duda, por sua vez, também se rendeu à fuzarca das duas meninas.
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