Não foi por acaso que esta cadelinha recebeu o nome de Terra, mãe Terra, acolhedora, dedicada, amorosa. Uma pena que a Terra (o Planeta) não a tenha recebido como deveria.
Assim que a conhecemos, decidimos usar seus filhos como modelos de um anúncio só para filhotes. Afinal, eles pareciam mesmo desenhados à mão. A Cão Viver estava com mais de 40 filhotes, precisando urgentemente de adotantes para que novas mães pudessem ser salvas.
Assim que pegamos um dos filhotes e tentamos posicioná-lo diante da câmera, descobrimos que o maior tesouro estava logo abaixo, sem merecer muita atenção.
Não havia qualquer sinal de agressividade, embora fosse compreensível, se houvesse. A mãe pulou em meus braços, tentando resgatar o filhote que, parecia, lhe estava sendo roubado.
Cuidadosamente, deixei o pequeno no chão aos cuidados da mãe, olhei pra ela e disse que não o estava levando. Queria apenas fotografá-lo para que eles tivessem melhores chances que ela. Depois de cheirar os filhotes e oferecer-lhes as tetas, de pé mesmo, me olhou como se entendesse o que eu havia lhe falado.
Fiquei um tempo observando afastado, esperando que ela terminasse a tarefa. Assim que o pequeno deixou suas tetas, ela veio em minha direção e pulou em mim, me mostrando o que eu ainda não havia percebido. Sua pata dianteira havia sido mutilada. Dois dedos foram arrancados.
Também parecia me mostrar que não me temia, nem mesmo pelos filhotes. Estava me dizendo, a seu modo, que confiava em mim e que entendia o que estava acontecendo.
Fiquei imaginando quais seriam os sinais que a vida deixou para que uma criatura tão especial pudesse ser reconhecida.
Aí, ela se esticou um pouco mais, posicionando o olho esquerdo rumo às lentes da câmera, como se me mostrasse o que eu estava procurando. Parecia ter lido meus pensamentos.
Se este não for o sinal que eu procurava, não entendo mais nada de lobos.
Tive certeza de que a Terra teria a sua segunda chance. Era certo que alguém se encantaria por aqueles olhos. Na verdade, por aquele olho, já que apenas o esquerdo tem aquela cor. O olho direito é castanho.
Sua história seguiu, não da forma como gostaríamos de contar, mas de uma forma especial, suficiente a nos mostrar o quão especial era ela. Os lobinhos não sobreviveram. Nada pode ser mais triste para uma mãe que despedir prematuramente de seus filhos. Os filhotes da Terra adoeceram e não resistiram. Ela se despediu de cada um deles, um a um, lambendo-os até os momentos finais.
Mesmo com toda a ternura, não conseguiu, a Terra, segurar seus filhos. Eles partiram. Logo após, sem nem mesmo dar sinais de abatimento, ela assumiu a amamentação de outros filhotes. Primeiro, alguns filhotes cuja mãe dividia com ela a maternidade.
Depois, recebia Lucas e Mateus, dois lobinhos que precisavam com urgência de uma mãe de leite. Sua própria mãe, uma mestiça de Pastor, não teve leite suficiente para o apetite voraz dos pequenos. Mas a Terra, sempre ela, recebeu os dois filhotes, como substitutos daqueles que a vida levou mais cedo.
Mas Lucas e Mateus também estavam de partida. Continuam para adoção, mas agora já desmamados. O tempo passou, a Terra parou de amamentar e pôde, enfim, ser preparada para a adoção.
Nós sabíamos que aqueles olhos traziam um sinal divino que não tardaria a ser reconhecido.
Em uma manhã de sábado, o milagre da adoção.
Marília e Estevão chegaram na ONG e começaram a percorrer os canis. Estavam à procura de um lobo especial. Ao passarem pelo canil onde estava a Terra, pararam e se encantaram com aquele olho azul.
Lá do fundo, ela fazia festa, como se os chamasse. Ela sabia que sua hora de deixar o abrigo estava chagando.
Uma vez escolhida, era o momento de ser retirada do canil. Ela parecia saber que tinha sido escolhida. Esboçava um grande sorriso. Marília e Estevão esperavam por ela do lado de fora do canil.
Assim que deixou o canil, nos braços de uma voluntária, a Marília foi pegando-a nos braços e cobrindo-a de beijos, como se já a conhecesse. O Estevão, emocionado por presenciar aquele encontro e fazer parte dele. Seguiram todos para os protocolos finais, com a Terra no colo. Ela não tem nem o tamanho nem a leveza de um Poodle, mas fazia questão de mostrar a todos que era uma cadelinha de colo.
Enquanto se preparava o termo de adoção, ela foi colocada no chão. Imediatamente, correu para os fundos, batendo a patinha em um portão que dá acesso a outra área do abrigo. Do outro lado do portão, havia alguém especial pra ela. Ela estava chamando o Sr. Bandeira, pra se despedir.
O Sr. Bandeira trabalha há muito tempo na Cão Viver e entende de lobos como poucos. Entende seus sinais e sabia que a Terra queria apenas se despedir.
Ele veio ao seu encontro, abriu o portão, se abaixou e disse: Venha cá no vô. Você vai pra nova casa, vai? Beijou a Terra e ela o lambeu, retribuindo os cuidados.
Marília e Estevão assistiram aquela despedida, percebendo o tamanho da responsabilidade que estavam assumindo.
Na hora de partir, já no colo da Marília, estava a Terra com o sorriso mais largo do mundo, como se dissesse a todos: __Muito obrigada por tudo.
Dias após a sua partida, recebemos as primeiras notícias e fotos, as quais transmitimos tal como nos chegaram.
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Sabe aquela frase: “É o cachorro que escolhe o dono”? Foi isso que aconteceu!!!
Fomos à Cãoviver em busca de um amiguinho de quatro patas. Chegando lá, nos levaram até o canil para vermos os cachorros. Estávamos descendo e olhando. Ainda faltando alguns canis para olhar, me deparo com aqueles lindos olhos, lá no fundo no penúltimo canil. Um cachorro se destacava entre tantos outros que ali havia. De uma alegria indescritível. Pulava e nos olhava, como se chamando “venham até aqui me conhecer”. Tenho certeza que foi ela que nos escolheu.
Na primeira foto abaixo, no dia em que chegou em sua nova casa. Muito feliz em saber que agora terá um lar onde terá muito carinho, brincadeiras e passeios. Na segunda foto, uma semana após a adoção, na sua caminha com uma bolinha e ossinhos, que ela simplesmente adora.
Temos muito a comemorar e a agradecer a Marília e Estevão, por uma acolhida tão especial. Mas a vida continua e o trabalho nos abrigos não tem fim. Quando soltamos esta matéria, pela primeira vez, intencionávamos não apenas dar à Terra melhores chances de adoção, mas também chamar a atenção para os tantos outros que terminam os dias esperando uma adoção que nunca chega.
A Terra não foi apenas adotada. Ela encontrou seus donos, ou, como preferem alguns, reencontrou.
Comentários / Mais informações sobre o anúncio devem ser obtidas com os anunciantes, no telefone ou e-mail indicados acima.