Reintrodução é muito diferente de proteção animal. Animais silvestres não precisam de nossa amizade, não criam vínculos com as pessoas e precisam aprender a se manterem longe dos homens.

Precisam ser capazes de se virarem sozinhos. Após a soltura, estão por sua conta e risco, enfrentando um ambiente natural, muitas vezes hostil.

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Quando iniciamos o trabalho com animais silvestres, a intenção era produzir histórias que pudessem ser usadas na educação ambiental, e também na tarefa de despertar e sensibilizar as pessoas para a realidade do tráfico, assim como fazemos em relação aos domésticos e de produção.

Mas protetores de animais não são ambientalistas. Não podem muitas vezes monitorar e acompanhar a vida livre de um animal. Não há “pós adoção”, não é possível abortar uma soltura.

E como lidar com a angústia de assistir aos acontecimentos do mundo natural, resistindo à tentação de interferir? Como entender que a vida precisa seguir seu curso e que a morte nem sempre é fracasso, mas pode ser o recomeço, necessário para apagar todo um passado de escravidão e tortura?

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Por sorte, nossas ações são conduzidas de outro plano, donde se tem uma visão mais clara e distanciada do todo, donde se pode acompanhar e monitorar cada um dos nossos protegidos.

E as lições são claras demais: Mais importante que ter onde viver é ter pra onde voltar. Mais vale um único dia em liberdade, que mais vinte anos trancado.

Mesmo assim, não é fácil assistir uma predação como se fosse o começo de uma nova vida. Descobrimos que não estamos preparados pra tamanha frieza.

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Rei, que está mais para “bobo da corte”, chegou em nosso território junto com mais sete de sua espécie. Não foram os primeiros e nem serão os últimos da espécie a ganharem a liberdade em nossas terras.

Chegaram em duas gaiolas, sendo Rei e sua Rainha em uma gaiola separada, e mais meia dúzia de jovenzinhos saguis.

Os primeiros a experimentarem a liberdade foi o casal alfa. Assim que a portinha se abriu, ele cuidou de examinar o ambiente externo, nos olhando como se perguntasse: _Posso sair mesmo?

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E antes que respondêssemos, lá estava ele correndo para os arbustos, seguido bem de perto por sua companheira de cativeiro.

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Em seguida, chegava o momento de soltar os jovenzinhos, meia dúzia de saguis que insistiam em se protegerem dentro de uma caixinha de madeira que lhes dava a falsa sensação de segurança.

Cativeiro não é seguro, amigos. Os perigos estão por aí, mas vocês precisam deles. Nenhuma agressão é maior que uma vida enjaulada.

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Após a soltura, os pequenos mantiveram-se unidos e se refugiaram em um arbusto próximo.

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Sabemos que eles estarão por sua conta e risco, mas não custa facilitar um pouco as coisas. Além das frutas que serão servidas diariamente, a equipe do Cetas fez questão de pendurar no telhado do abrigo, aquela mesma casinha onde eles se sentiam tão seguros.

É possível que eles não voltem mais pra ela. Tendo as fendas das grandes árvores à disposição, escondidas no interior da mata, eles não farão questão de voltar ao caixotinho de madeira, tão exposto, do ponto de vista de um predador.

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Tudo parecia muito bem mas, o que não sabíamos, é que nossos passos estavam sendo vigiados.

Em ambiente natural, não há paredes, mas há olhos e ouvidos por todos os lados.

Após a soltura, os pequenos decidiram se aventurar e em poucos minutos haviam ganhado a mata bem ao lado do ponto de soltura. Ainda estavam vocalizando pra reunir a família, quando algo inusitado aconteceu.

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O bando da Chica, conhecido grupo de macacos-prego com mais de 30 indivíduos, estava próximo, nos observando.

Normalmente barulhentos e escandalosos, dessa vez eles mantiveram-se em silêncio, como se espreitassem as presas.

Assim que notamos os macacos, um silêncio tomou conta daquele momento.

Daí em diante, não teríamos mais fotos, porque a tensão e a angústia do momento não nos permitiria sequer lembrar que existia uma câmera fotográfica.

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Além do mais, não queríamos registrar o final daquela história. Em menos de um minuto, o bando dos grandões se misturou aos pequenos e esperávamos assistir a um massacre.

Sabemos que macacos-prego são predadores. Em outra ocasião, assistimos ao ataque do bando a um ninho de quati. O filhotinho veio ao chão mas conseguimos interceptar e segurar o filhote até que o bando se dissipasse e pudéssemos devolvê-lo à mãe, que esperava em uma árvore próxima a disputa de sua prole pelas duas espécies inimigas. Aquele episódio nos mostrou do que são capazes os pregos.

Sabíamos que era perigoso aquele momento mas a perseguição acontecia no alto das árvores e nós não poderíamos fazer nada além de observar.

Mas aí, para nossa surpresa, os pequeninos saguis estavam mais espertos do que imaginávamos. Parecia até que provocavam os grandões.

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Mas nada podia ser mais inusitado que o comportamento dos macacos-prego. Eles perseguiam os pequenos micos e até chegaram a se aproximar de alguns, mas os cheiravam com curiosidade e sem nenhum sinal de predação. Não era um comportamento natural.

Aquela brincadeira de pega-pega se estendeu ainda por alguns minutos, até que, sem nada que justificasse o súbito desinteresse, os grandões decidiram seguir o caminho antes traçado, rumo a uma ameixeira que iniciou mais cedo a frutificação.

Os saguis estavam, finalmente, livres e seguros, pelo menos por enquanto.

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A tensão daquela soltura nos fez abortar os compromissos na cidade para monitorá-los mais de perto nos dias seguintes.

E lá estavam eles, saqueando as caixas de frutas, frequentando nosso viveiro de aclimatação e o entorno da casa sede.

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Acostumados com o manejo humano, eles não demonstravam medo, embora mantivessem certa distância.

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Estávamos próximos da Primavera e as frutas não eram tão abundantes. Claro que a dieta natural envolve de tudo um pouco, mas estava claro que precisaríamos facilitar um pouco as coisas, pelo menos nos primeiros meses.

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Os comedouros dos pássaros já se tornaram um ponto obrigatório de parada. Além de alguns grãos ricos em fibras, eles terão também frutas “in natura”.

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Os meninos estavam bem e, o melhor de tudo, juntos, buscando a proteção e a segurança do bando.

Levará mais dias pra eles se reintegrarem em definitivo à natureza a ponto de não precisarem mais de nossos suprimentos.

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Até lá, eles terão o que precisarem. As bananeiras produzem o ano inteiro, os mamoeiros também.

Algumas frutas produzem durante a primavera, como as amoras, que começam a amadurecer.

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E o Reizinho era mesmo o menos arredio de todo o bando.

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O apetite com que devorava uma banana mostrava que estavam bem. A noite costuma trazer sons ameaçadores vindos da mata, mas eles já estão aprendendo a se refugiarem.

Animais silvestre são naturalmente instintivos e algumas espécies reaprendem com muita facilidade sobre a vida livre.

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E não apenas nos comedouros eles foram vistos. Já exploram as árvores ao redor e já foram flagrados perseguindo besouros e outros invertebrados.

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Algumas flores e frutos nativos fornecem sabores novos, com os quais eles começam a se acostumar.

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No alto das árvores, é possível ver apenas silhuetas, mas é o bastante pra nós. Alí não vemos mais micos reintroduzidos, mas animais silvestres em ambiente natural.

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Eles são saguis-de-tufos-pretos, mas o sol fazia questão de nos mostrar que, quando estão livres, os tufos são dourados.

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Quanto aos anjos? Eles não foram vistos, mas estavam lá, o tempo todo.

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Não podemos deixar de registrar. Antes de serem entregues aos anjos invisíveis, eles passaram pelas mãos de outros anjos, daqueles que atuam no plano físico.

Todos estes micos, depois do resgate, foram recuperados graças aos cuidados dos amigos do Centro de Conservação da Fauna, grupo ligado ao Hospital Veterinário Animal Center.

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