As Glorinhas e seus filhotes

Uma história de superação e amizade entre duas cadelinhas de rua.

 

Meu nome é Glorinha. Vivia nas ruas, em companhia de uma grande amiga. Estas somos eu e Glória, minha inseparável amiga de rua.

Entramos no cio com diferença de apenas 10 dias, e a natureza falou mais alto que a razão. Estávamos prenhas, esperando por um parto difícil, em um buraco escavado em algum lote vago.

Quando faltavam uns dez dias para o nascimento dos meus filhos, um monstro me jogou uma panela de água fervente, e fiquei com a metade do corpo em carne viva.

Fomos resgatadas juntas e levadas a uma clínica, onde ficamos internadas.

Meus filhos nasceram bem, saudáveis e fortes, apesar dos ferimentos e de todo sofrimento, graças à minha vontade de ampará-los, e à ajuda de algumas pessoas que pra mim, devem ser de outra espécie, diferente daquele que me jogou a água fervente.

Foram seis filhos, cada um mais especial que o outro. Eu temia que nascessem em algum buraco, e que não sobrevivessem, mas com todo este amparo, vingaram todos.

Três dias depois do nascimento dos meus filhos, deu entrada na clínica, a Tuca, uma poodle preta, já em trabalho de parto. Ela foi encontrada em uma avenida, com o primeiro filhote já entalado e morto. Devia estar em trabalho de parto há horas, sem forças para parir.

Foi socorrida e operada às pressas. A maioria dos filhotes já estava morta, e em estado de decomposição, dentro dela.

Com todo este quadro, por milagre, um filhote que estava no final da placenta reagiu às massagens de ressuscitação e sobreviveu.

A mãe voltou bem da anestesia, mas em razão da infecção, se manteve viva apenas por algumas horas, para que seu filhote mamasse o colostro. Morreu algumas horas depois, de infecção generalizada.

Vendo aquela filhotinha indefesa, e pensando no que poderia ter acontecido aos meus filhos, achei que teria leite suficiente, e decidi adotar mais esta menininha, que recebeu o nome de Tuquinha. As fotos abaixo mostram a Tuquinha, no dia em que nasceu. Eu não poderia rejeitar este bebê.

Com 3 dias a menos de vida em relação aos meus filhos de sangue, ela era muito pequena, e não conseguia disputar as mamadas, de igual pra igual.

Foi aí que permiti que as pessoas que me ajudaram interferissem e a segurassem para que mamasse primeiro. Meu instinto me faria deixar os filhotes disputarem o leite, e que os mais fortes sobrevivessem. Mas tenho que admitir que a interferência humana, neste caso, foi necessária, ou então a Tuquinha não estaria mais aqui.

No dia seguinte, a Glória, minha inseparável amiga de rua, pariu prematuramente três filhotes, sendo dois vivos e um já morto. Em razão do parto prematuro, seu leite não desceu, e vendo os dois filhotinhos, minúsculos e indefesos, decidi amamentar também os dois filhos de minha amiga. Já somavam 9, de três mães diferentes, sob meus cuidados. Não estava fácil, já que na briga pelas tetas, os filhotes acabavam arranhando meus ferimentos, e doía muito.

Todos nós, cães e humanos, sabíamos que eu não tinha mais colostro, e que os filhotinhos da Glória, por serem prematuros, não teriam muitas chances, mas mesmo assim, decidimos tentar.

O Leite da Glória desceu depois de dois dias. Ela passou a alimentar os próprios filhos, mas eles já estavam muito fraquinhos, e não sobreviveram.

Vendo o sofrimento de minha amiga, decidi dividir minha ninhada com ela. Ficávamos as duas, sempre juntas, alimentando meus filhos, e também a Tuquinha, filha da Poodle preta que não sobreviveu ao parto difícil.

No início, ficavam cinco filhotes comigo, que tinha mais leite, e dois com a Glória, em sistema de revezamento. Depois que os filhotes abriram os olhos, virou uma grande confusão. Todos mamavam nas duas, quase ao mesmo tempo. Nós dividíamos o mesmo ninho e amamentávamos todos juntos. Os filhotes pulavam de uma teta pra outra, e de uma mãe pra outra, sem qualquer cerimônia.

Ao lado, alguns dias mais tarde, uma foto, da Tuquinha, já crescidinha, e disputando de igual pra igual o meu leite, com o Tourinho branco, o mais forte dos meus filhos.

Pensando em meus filhos, tive muito medo do futuro. Temia que eles viessem a passar pelo mesmo sofrimento pelo qual passei, numa vida de abandono e maus tratos.

Mas tudo deu certo, ou quase isto. Os filhotes foram adotados, em sua maioria, por ótimas pessoas, que sempre mandam notícias e fotos. São pessoas que gostam de animais. Foram integrados em famílias humanas, desfrutando dos cuidados e carinho que nós estamos agora podendo experimentar.

Depois deles, foi a nossa vez, minha e de minha amiga Glória, de encontrarmos um novo lar. Pras ruas, sabia que não voltaríamos mais. Os tempos difíceis se foram. Torcemos muito pra que continuássemos juntas. Éramos mesmo muito amigas e não nos desgrudávamos. Confesso que, no início, ambicionávamos poder levar conosco um dos filhotes. Teria sido ótimo, mas não deu. Os filhotes foram rapidamente adotados e nós ficamos. Acho que as pessoas não gostam muito de cães já adultos e com uma história nas costas. Mas mesmo assim, sabíamos que apareceria uma pessoa muito boa que iria nos querer.

Estávamos as duas vacinadas, vermifugadas, e o que era melhor, castradas. Depois desta história vivida com nossos filhos, acho que podíamos encerrar a carreira como reprodutoras. Esta não foi nossa primeira ninhada e nesta vida, já havíamos parido filhos suficientes.

Minhas feridas estavam melhorando, e em pouco tempo, não queria mais me lembrar deste episódio. Ficaria com alguma cicatriz, já que as queimaduras foram muito extensas e profundas. Mas pra mim não faria nenhuma diferença, e serviria para lembrar o quanto alguns humanos podem ser ruins.

Abaixo, fotos dos filhotes. Tourinho, Carvão e Lobinho.

E as três fêmeas, Lola, Carly e Xuxa. E ainda a Tuquinha, filhotinha adotada, da Tuca, a poodle preta que morreu horas após a cirurgia de cesariana.

Quase todos os filhotes foram adotados por pessoas boas, que lhes garantiram lares felizes. A única exceção foi o Lobinho, que infelizmente caiu em mãos erradas. Morreu por absoluto descaso aos 4 meses de idade, por causa de uma doença de pele de fácil tratamento. Infelizmente, nem mesmo com todo cuidado dos humanos, eles acertavam sempre. A adotante sequer dignou-se a devolvê-lo, ou informar sobre sua doença.

Eu e Glória fomos também adotadas por Ana Maria e Daniel, que nos ofereceram muito espaço, segurança e uma vida plena, como todo cão merece.

Havíamos encontrado nosso lugar. Estávamos comemorando a vida e as surpresas que ela nos reservava. E não foram poucas.

Pouco mais de um ano depois de nossa chegada na nova casa, já teríamos mais um filhote pra cuidar. Ganharíamos um irmãozinho humano. A Ana Maria estava grávida e mal podíamos esperar pra conhecê-lo. Nosso irmãozinho será uma criança muito feliz, e nós nos encarregaremos de muitas brincadeiras. Estávamos felizes porque teríamos mais um filhote pra ajudar a cuidar, mas sem o compromisso da amamentação, que ficaria por conta da Ana.

Será uma criança que vai aprender desde cedo a respeitar e a amar os animais. Não poderia ser diferente. Afinal, ele terá ótimos exemplos em casa.

Nosso irmãozinho nasceu em agosto (2010). Fomos apresentadas a ele, mas ainda de longe. No início, ainda era muito pequeno e não podia vir brincar conosco. Acho que ainda não tinha aberto os olhos. Pudemos sentir seu cheiro nas roupinhas e fraudas. Ficamos ansiosas pra que ele crescesse um pouquinho, e pudesse vir brincar conosco.

Precisávamos apenas ter paciência. Em poucos meses nosso irmãozinho Hélio cresceu um pouquinho e já podia vir brincar conosco. Como já era de se esperar, desde cedo ele já demonstrava muito jeito com animais. Nos mudamos de casa algumas vezes, e hoje moramos em uma cidade do interior. Nosso irmãozinho cresce muito rápido. Temos uma família grande e somos muito amadas e bem cuidadas. Descobrimos que nada pode ser melhor que ter uma família humana de verdade, ter proteção, cuidados médicos, alimentação equilibrada.

Somos chamadas, carinhosamente de “as pretinhas”, o que dá na mesma. Pouco importa as letras. O importante é o tom da voz.

Agora temos a certeza de que seremos felizes para sempre.

Ainda sentimos saudade da época em que ficamos hospedadas, com os filhotes, na casa de nossa amiga Pintada. Ela nos recebeu muito bem. Com ela relembramos brincadeiras que o tempo e a rudeza das ruas nos haviam feito esquecer.

Hoje vivemos em uma casa grande, com terreiro. Temos um território. Ainda brincamos como nos tempos da Pintada e dos filhotes. E é com muito orgulho que mostramos a foto de nosso irmãozinho Helinho. Com poucos meses de vida já expressa o facínio e adoração pela natureza e pelos animais.

Pedimos ao Deus dos animais pra nos dar vida e saúde pra vê-lo crescer, trocar os dentes e se tornar um homem de bem. Tudo caminha em direção a isto. Helinho é um garoto cheio de vida e de amigos. Nós fazemos sucesso entre os amiguinhos de nosso irmãozinho. Abaixo, Helinho e Maria Clara.

Adoramos filhotes.

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Também sentimos saudades dos nossos filhotes, mas sabemos que estão bem. O Tourinho, hoje chamado de Panda, tem também dois irmãozinhos humanos, que cuidam muito bem dele. Sempre o levam pra passear no sítio dos avós.

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A Carly também mudou de nome e se chama Gildinha, ou Gilda Maria, e é muito bem cuidada.

A Tuquinha se chama Caya, e é o Xodó da família que a adotou.

Lobinho e Xuxa não estão mais entre nós.

Lola e Carvão, sabemos que estão bem, mas não temos fotos.

As Glorinhas ficaram hospedadas com os filhotes na Veterinária Alípio de Melo, por aproximadamente 40 dias, desde a agressão com a água fervente, até que os filhotes completassem 30 dias de vida.

Nosso agradecimento à Dra Cíntia e à sua equipe.

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