O dia em que lobos rejeitados e esquecidos foram reis
Preciso começar esta matéria com um desabafo.
A SMPA já foi palco de atrocidades. E se há uma luz no fim do túnel, foi porque algumas pessoas que lá estão abriram as portas e nos permitiram entrar, com uma câmera nas mãos, com liberdade pra registrar a escrever o que desejássemos, sem censura ou restrições.
O boicote aos animais da SMPA continua acontecendo, também do lado de fora do abrigo. Houve um dia em que acreditei que protetores de animais fossem pessoas de bem, mas descobri que são humanos. Há gente difamando o trabalho que estamos tentando fazer, há protetores interceptando potenciais adotantes para os animais da SMPA para oferecer os seus protegidos, há gente querendo ver o circo pegar fogo com os animais lá dentro.
Que fique claro, mais uma vez, que nunca foi nosso objetivo defender ou atacar pessoas. Nosso único foco sempre foi e continuará sendo os animais. A vida cuidará de levar aos homens, o que é seu por direito. Confiamos na lei do retorno e na condução de tudo por uma força além de nós. Acreditamos na transformação planetária e no castigo que está a caminho, agora não mais “a cavalo”, mas “on line”.
Acreditamos que, se em algum momento, um único animal sentiu fome dentro da SMPA pra alimentar a ganância e a ambição de alguns, esses alguns estão a curta distância de também sentirem fome, sem precisar que levantemos qualquer bandeira.
Há alguns meses que tentamos chamar a atenção para os animais da SMPA. Eles não são piores que outros tantos que estão em abrigos melhor estruturados, ou em poder de protetores, em clínicas com assistência especializada e medicamentos nas horas certas.
Apenas tiveram a infelicidade de terem sido escolhidos pela vida pra carregarem a cruz do mundo dos cães. Foram “escolhidos” pra sofrer e pra morrer, talvez pra ensinar um pouco de compaixão aos homens e, quem sabe, mudar um pouco as coisas por aqui.
Mais de 100 animais deixaram o abrigo desde que iniciamos os trabalhos de divulgação. Outros tantos, pereceram. Não tiveram saúde e tempo pra uma segunda chance. Muitos outros continuam chegando, porque a sociedade humana continua os abandonando.
Pra sorte dos que resistiram, existem homens e homens. E a vida se encarrega de separar as coisas, ou melhor, de unir as pontas soltas. Como diziam os antigos, “Lé com lé, cré com cré”. E que sejam bem vindos todos aqueles que quiserem ajudar, que acharem que aqueles cães e gatos também merecem ter vida.
Feito este desabafo, passemos ao objetivo principal desta matéria.
No sábado, dia 29 de junho de 2013, alguns animais da SMPA viveram um dia de reis. Vinte e quatro cães foram separados, fizeram previamente exames de sangue para risco cirúrgico e receberam o privilégio de serem castrados por uma equipe de veterinários da UFMG, com direito a anestesia inalatória e material cirúrgico de primeira linha. Tiveram o mesmo tratamento vip que recebem os animais afortunados, nas melhores clínicas.
Era de se esperar que a movimentação, logo nas primeiras horas da manhã, dos animais sendo retirados do canil, levados para fora do abrigo, colocados em caixas de transporte ou dentro dos carros, pudesse provocar temores e insegurança. Mas eles estavam tranquilos. Demonstravam saber o que estava acontecendo.
Os primeiros carinhos receberam dos funcionários e dos voluntários que fariam o transporte. Ganharam afagos e até colo.
Eles não têm nomes, mas como prometido da outra vez, pelo menos em nossas matérias eles serão nomeados.
Acima, Valente e Julinho. Os nomes precisam ser óbvios, ou já estarão esquecidos até o fim da matéria. Valente é um lobo alfa legítimo. Dócil mas muito dominante. Julinho, é uma versão masculina de duas Julinhas que também retiramos de lá.
A Estrela é uma Cocker muito carente que se aninhou no primeiro colo que lhe foi oferecido. Os afagos e o tom adocicado das abordagens a acalmaram.
Todas as personalidades possíveis dos lobos estavam presentes. Soneca, Zangado, Dengoso e por aí vai. E não só das fábulas infantis. Encrenca, orelhudo, Boca Preta, Enfezado, etc.
Infelizmente, havia mais cachorro do que colo e alguns tiveram que esperar nas caixas de transporte mesmo.
Assim que chegaram no hospital da UFMG, já se mostravam mais à vontade, esparramados na porta do hospital.
Tobi, nome que já havia ganhado em uma matéria anterior, estava lá também. Mesmo com duas pernas e meia, ele estava à vontade, nem aí para os olhares curiosos.
Com a atenção que recebeu dos voluntários, ele sabia que estava ali por algum motivo bom. Talvez fosse um Pet Shop onde tomaria um bom banho e teria melhores chances de adoção.
É mais ou menos isso amigo. Eu te prometi que falaria de você sempre que tivesse a oportunidade né? Pra quem não se lembra, o Tobi foi fotografado pela primeira vez em Janeiro, no dia da primeira matéria sobre os animais da SMPA.
Depois dela, foi também atração no dia do mutirão de vacinação. Não sei quantas vezes mais terei que divulgar suas fotos, mas o fato é que ele é uma adoção especial, por razões óbvias. Ele tem algumas limitações.
Apesar disso, é lobo alfa. Poderia ser um grande amigo pra quem quer companhia e não tem tempo pra longas caminhadas e passeios. Pra cada pé torto tem um sapato velho que se amolda. Então Tobi, tenha paciência que seu dia vai chegar.
E se não chegar e você vier a morrer no abrigo, ainda assim, vou preparar uma homenagem e inserir no link “Saudade”. Não vou deixar que os homens te esqueçam.
E antes que me acusem de frieza, preciso explicar que alguns casos exigem tratamento de choque. Se não for assim, ele não terá chance alguma.
Na UFMG, todos, sem exceção, foram recebidos de braços abertos e largos sorrisos por médicos que estavam ali, com todo o aparato do hospital, renunciando ao final de semana de descanso, pra ajudar a mudar aquelas vidas.
Abaixo, Branquinha, Negão, Pastorzinha e Mel, nomes provisórios é claro, mas necessários para que as pessoas saibam que cada um deles é especial. Tão importantes quanto nossas principais estrelas, Caroline, Gilbert, Tayanne, Pollyanna e Aline, médicos e futuros médicos, que nos mostram que o mundo está mesmo mudando.
A Mel ganhou a simpatia da Aline.
Negão é um Labrador mix negro como a noite. Ele também fez amigos. Ele é um cãozinho jovem, muito alegre e brincalhão. Chega a ser bagunceiro, mas pra melhorar as chances dele, preferimos mentir e dizer que é um “santo”.
Foi o que deu mais trabalho pra fixar o colar. Mas qual cachorro gosta dessa coisa?
Fim do dia, era hora de nos despedir de toda a equipe. O Tobi ganhou um abraço especial da Professora Christina, talvez pra transmitir a ele, em silêncio, os votos da boa sorte que ele tanto precisa, e da felicidade que ele merece. A castração foi apenas mais uma etapa. Ele precisa agora conquistar alguém especial.
Na ONG, havia mais etapas a serem vencidas. Os cães chegaram animados, como se comemorassem. Eles sentiam que agora teriam uma família e uma casa.
Não sabem que são mestiços e que a sociedade humana não os valoriza. Não sabem que estão ali exatamente porque seus donos não os quiseram e porque existem mais cães para adoção do que gente disposta a adotar. Não sabem que todos os abrigos estão lotados.
E preferimos não contar a eles essa triste realidade. Melhor que conservem a esperança. Melhor pra nós acreditar que as coisas estão mudando e que, aos poucos, vamos despertando os homens, preparando-os para os novos tempos.
Alguns terão boas chances, como o Bob, um mestiço de coisinha miúda. Ele é um cachorrinho muito dócil que evoluiu pra viver no colo. A cara amarrada é por causa do cone no pescoço.
A Branquinha também. É uma cadelinha muito carinhosa, que não dispensa colo. Ela já chegou procurando comida. Já a Encardida preferiu se refugiar em um canto, cabisbaixa, mas atenta as tudo.
Infelizmente, nem todos reuniam as melhores condições. A Tigradinha está com um tumor, provocando sangramento pela vulva. A SMPA não tem condições de dar tratamento diferenciado e específico. O bloco cirúrgico da ONG está sem condições de funcionamento. Por isso, a única chance desta lobinha é ser retirada de lá por um protetor.
O mesmo para a Pretinha. Dos 24 animais que foram levados à UFMG, ela foi a única que voltou para a ONG sem ser castrada. Ela estava muito desidratada, com sinais clínicos de anemia e desnutrição.
Os exames também não permitiram a cirurgia. Passou o dia no soro e voltou para a ONG, sem o colar no pescoço. Ela não vai sobreviver ali. Sua chance é ser resgatada por um protetor ou clínica, que se disponha a salvá-la.
Negão e Tobi, apesar do desconforto do colar, eram os mais animados. Estão ansiosos pela chegada de quem vai lhes levar para a casa.
Na verdade, de animados não tinham muito, mas é oportuno falar algo de bom. Eles têm o perfil dos que sobram. Um é mutilado e o outro é preto.
Esses dois abaixo são Tonico, um Poodle mix e Marília, uma Pinscher mix. É pequena, mas de Pinscher tem muito pouco. De qualquer forma, os pequenos costumam ter melhores chances.
Claro que falamos de chance de adoção, porque chance de sobrevivência em um abrigo superlotado costuma ser proporcional ao tamanho do cachorro.
Por fim, a Estrelinha, que mostramos no início da matéria e que usamos para o Banner inicial, chegou ao abrigo apática e muito fria. Alguns cães são mais frágeis e precisam de uma assistência melhor no pós-operatório.
Ela foi embrulhada em uma manta e levada pela Clara Dias, que também estava lá pra ajudar no transporte, para que fizesse o pós-cirúrgio em sua casa. Pouco depois de chegar à casa da Clara, a Kênia esteve lá para uma avaliação, levando pra a frágil Estrelinha um colchão térmico.
No fim do dia, ela já estava de pé, já havia comido e já caminhava para uma completa recuperação.
Para que ela não precise voltar para o abrigo, seria muito bom que fosse adotada. Nos próximos dias, ela estará sob os cuidados da Clara Dias (8790.6894 / 9305.9214), que está abrigando outros 5 animais da SMPA, preparando-os e levando-os para feiras de adoções.
Para adoção ou resgate dos animais da SMPA, seguem os dados de contato e horário de funcionamento.
Queremos deixar registrado aqui o nosso agradecimento a toda a equipe de veterinários da UFMG, pelo carinho e dedicação com receberam esses animais.
Agradecemos, principalmente, em nome dos próprios cães. A correria e o estresse dos procedimentos não os permitiram agir naturalmente. De outra forma, teriam, todos eles, coberto cada um de vocês de lambidas. Eles chegaram ao abrigo cientes de que agora têm uma chance de ganharem uma casa. (Exagero de protetor? Que seja!)
Contato para adoção: (31) 3433.0900. (09:00 às 11:00 e de 13:30 às 16:00).
Rua Jaguariba, nº 66, Bairro Guarani, em Belo Horizonte.
Horários: 2ª a 6ªs, das 08:30 às 11:30 e de 13:30 às 16:30 horas.
Sábados: Das 09:00 às 12:00 horas.
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